Discurso durante a 103ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamento sobre decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral, permitindo que candidato com ficha suja possa concorrer em 2008.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. LEGISLATIVO.:
  • Questionamento sobre decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral, permitindo que candidato com ficha suja possa concorrer em 2008.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2008 - Página 20837
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL. LEGISLATIVO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, DECISÃO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), APROVAÇÃO, CANDIDATURA, POLITICO, ACUSADO, IRREGULARIDADE, ANTERIORIDADE, TRANSITO EM JULGADO, SENTENÇA CONDENATORIA.
  • COMENTARIO, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, FIXAÇÃO, NECESSIDADE, TRANSITO EM JULGADO, SENTENÇA CONDENATORIA, CONFIRMAÇÃO, SITUAÇÃO, REU, SIMULTANEIDADE, ESTABELECIMENTO, LEI COMPLEMENTAR, HIPOTESE, INELEGIBILIDADE, FALTA, DIGNIDADE, PROBIDADE, REPUTAÇÃO, EXERCICIO, MANDATO ELETIVO.
  • CRITICA, OMISSÃO, CONGRESSO NACIONAL, EFETIVAÇÃO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ESTABELECIMENTO, LEI COMPLEMENTAR, REGULAMENTAÇÃO, NECESSIDADE, PROBIDADE, REPUTAÇÃO, CANDIDATO, ELEIÇÕES.
  • CRITICA, IMPUNIDADE, BRASIL, BUROCRACIA, DEMORA, PROCESSO PENAL, CONDENAÇÃO, POLITICO, ACUSADO, CORRUPÇÃO, REGISTRO, INICIATIVA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ASSOCIAÇÃO DE CLASSE, JUIZ, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), RECOLHIMENTO, ASSINATURA, IMPEDIMENTO, CANDIDATURA, IRREGULARIDADE.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DIVULGAÇÃO, RELAÇÃO, POLITICO, REU, PROCESSO JUDICIAL, PROIBIÇÃO, REGISTRO, CANDIDATO, IRREGULARIDADE, POSSIBILIDADE, JULGAMENTO, PRIMEIRA INSTANCIA.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), JUIZ ELEITORAL, TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL (TRE), ENTIDADE, RESPONSABILIDADE, PROJETO DE LEI, AÇÃO POPULAR, PREVISÃO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, INELEGIBILIDADE, DIFICULDADE, CANDIDATURA, POLITICO, PROBLEMA, JUSTIÇA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, uma decisão tomada pelo Superior Tribunal Eleitoral traz-me a esta tribuna.

O Tribunal Superior Eleitoral permite que candidato com ficha suja possa concorrer em 2008. É um debate realmente muito importante e que me traz aqui em continuação a uma discussão que vem de longe.

A questão é a seguinte: nossa Constituição diz, no seu art. 5º, inciso LVII: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Isso é correto, isso é fato da maior importância.

Eu me lembro de debate que tive aqui com o Presidente Lula, quando eu o criticava por ele escolher ministros que estavam sendo processados no Supremo, denunciados pelo Procurador-Geral - denúncia aceita pelo Supremo, e o cidadão estava sendo processado. Ele respondeu: “Mas não posso considerar criminoso alguém que está sendo processado, antes que ele seja julgado.” Eu diria depois: “Entre não julgar criminoso, não julgar réu e nomear para ministro alguém que está respondendo a processo há uma diferença muito grande.”

Mas concordo: ninguém pode ser considerado culpado antes que seja julgado por sentença condenatória definitiva.

Mas a mesma Constituição estabelece no art. 14, § 9º:

Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições.

No capítulo destinado aos Direitos Políticos, a Constituição menciona a “vida pregressa”. A história, a biografia, o nome do candidato devem ser analisados, para se verificar se ele pode ser ou não candidato, mesmo que ele não seja condenado em sentença definitiva.

Essa é a discussão; esse é o debate que temos pela frente.

O argumento de todos é a Lei de Inelegibilidade. Sim. A lei complementar estabelece o seguinte:

Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Aí é que se faz a pergunta: o que diz a Lei Eleitoral? O que diz a Lei Complementar?

Na hora de se regulamentar esse artigo, o Parlamento diz o seguinte:

São inelegíveis:

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados [...].

O Congresso regulamentou o artigo que diz que quem for processado, e se o julgamento transitou em julgado, não pode ser candidato.

Mas nós não regulamentamos a parte que diz que lei complementar regulamentará a vida pregressa do candidato. Não cumprimos com uma obrigação nossa, que é tornar efetivo o artigo da Constituição Federal, que diz, repito:

Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato [...].

E, como não fizemos nada, o que se diz é que todo mundo pode ser candidato, se não foi condenado em sentença definitiva.

Aqui está toda a nossa discussão: só pode ser proibida a candidatura de político condenado em última instância, quando não há mais recursos.

Acontece que, no Brasil, ninguém que tenha um bom advogado é condenado em última instância. O processo, a burocracia, os recursos, o processo penal são de tal natureza que ninguém é condenado na vida política. Não há caso de um Deputado Federal, de um Senador. Ninguém. Aí está o nó da vida que estamos vivendo.

O Brasil é um País corrupto? Mais corrupto do que os outros?

Não creio e não aceito. Corrupção se encontra pelo mundo afora, mas há uma diferença: corrupção existe no mundo inteiro, sim, mas impunidade, praticar a corrupção e não acontecer nada, nisso o Brasil é campeão. É difícil encontrar outro País onde isso aconteça tanto como no Brasil. Não é verdade, Presidente?

O Brasil é o País da impunidade. Paga-se um bom advogado - não vou citar nomes, mas são pessoas famosíssimas em São Paulo, que tiveram os mais altos cargos - e tudo se resolve. Há 40 anos são processados, e mais processados, e mais processados, e mais processados, e nunca foram condenados em caráter definitivo.

Aí vem nossa reflexão: há um crescendo no Brasil que não aceita essa tese. Repare, Presidente: a Lei Orgânica da Magistratura, art. 78, § 2º, estabelece: “Os candidatos serão submetidos a investigação relativa aos aspectos moral e social, e a exame de sanidade física e mental.”

Um rapazinho jovem do Estado mais humilde do Brasil, para ser juiz, ele passa no concurso - concurso difícil -, mas, para assumir, ele é submetido a “investigação relativa aos aspectos moral e social, e a exame de sanidade física e mental.” Alguém que passe num exame, por mais singelo que seja, para o Banco do Brasil ou para qualquer unidade federal, a vida pregressa é exigida. Para ser nomeado, ela é exigida. Para ser Senador, Deputado, Prefeito, Governador, Presidente da República, nada!.

Há um movimento pesado nesse sentido. Há uma campanha que tem à frente a OAB; a Associação Juízes para a Democracia; a CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, colhendo assinaturas, mais de um milhão, para entregar a esta Casa um projeto popular, em que eles querem apresentar exatamente a decisão de que quem tem ficha suja não pode ser candidato.

Os juízes eleitorais dos Tribunais Regionais Eleitorais, reunidos em Natal, lançaram esta tese: “Recomendar aos juízes eleitorais maior rigor na apreciação da vida pregressa dos candidatos quando da análise dos respectivos pedidos de registro.”

Sr. Presidente, essa tese foi a julgamento. O Presidente Ayres Britto, que defende a tese de proibição, submeteu a voto. Entretanto, por quatro a três, não foi aceita a tese de que candidato com ficha suja não pode ser candidato. Por quatro a três, o tribunal decidiu permitir os registros nos tribunais regionais, que não são obrigados, todavia, a seguir essa orientação. O do Rio de Janeiro, o do Rio Grande do Norte, o do Espírito Santo e o do Ceará disseram que estão dispostos a seguir em sentido contrário.

Hoje, nesse momento, os Presidentes da CNBB e de outras entidades estão entregando ao Tribunal Superior Eleitoral, ao Ministro Ayres Britto, seu Presidente, projeto de lei de iniciativa popular com mais de um milhão de assinaturas em que se quer ver a vida pregressa do candidato. Candidatos condenados em primeira ou única instância ou tiverem contra si denúncia recebida por órgão judicial colegiado pela prática de crime. E também daqueles que renunciarem aos seus mandatos para não serem cassados, bem como proteger a Administração Pública. Esse é o projeto que está sendo entregue, neste momento, ao Tribunal Superior Eleitoral, por uma série de organizações sociais, as mais importantes neste País.

Olha, Sr. Presidente, eu tenho aqui uma entrevista concedida pelo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Ayres Britto. O que diz o texto? Derrotado na tese de que a Justiça Eleitoral pode barrar a candidatura de políticos com a ficha suja, o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Ayres Britto, reclama do Congresso Nacional e apelou ontem a presidentes de partidos para que as próprias legendas impeçam eleição de alvos de processo. O Ministro reconheceu a decepção com a derrota:

Eu acusei o golpe, mas não fui a nocaute.

O Ministro lamenta que o Congresso, a quem compete regular este assunto, não tenha votado nenhuma proposta desde a promulgação da Constituinte de 1988.

Mas ele diz que este assunto deverá voltar à discussão. Os votos vencedores do Tribunal Superior Eleitoral, convém que se esclareça, dizem com todas as letras que caberia a esta Casa regulamentar. Recebo, mas não posso, na ausência de lei complementar, estabelecer critério.

Os juízes que votaram contra também votaram contra esta Casa, porque disseram que lamentavelmente esta Casa não fez a sua obrigação de regulamentar o artigo da Constituição.

Sr. Presidente, pode até ser uma posição um pouco antipática, mas venho insistindo nesta matéria. Apresentei um projeto de lei aprovado na Comissão de Constituição e Justiça terminativamente e que está lá na Câmara determinando a divulgação da lista dos candidatos que respondem a processos nos espaços eleitorais do rádio e da televisão gratuitos. O domingo já é reservado para a Justiça Eleitoral; pois que ela divulgue o nome dos candidatos que estão respondendo a processo para que a sociedade fique sabendo. Nos outros seis dias, o candidato terá como responder.

Mas tenho dois outros projetos, Sr. Presidente. Um que proíbe registro para candidatos com ficha suja. E outro projeto que diz que candidato que está sendo processado deve ter o seu processo julgado pela Justiça em primeiríssimo lugar. O processo não poderá ficar na gaveta do tribunal, do procurador, do juiz ou de quem quer que seja! Apareceu o nome do candidato? Está sendo processado? Antes da convenção o caso dele deve ser julgado.

Aí inverte-se: o Brasil deixará de ser o País da impunidade! O cidadão é processado, sabe que nunca será julgado! Então, ele vai empurrando, não deixa que o advogado permita o julgamento, e não acontece nada. Agora, queremos inverter: o candidato que está sendo processado terá preferência no julgamento do seu processo. Assim, colocamos na lei que o tribunal ou o juiz é obrigado a decidir em primeiríssima mão o caso de quem está sendo processado.

Aí inverte-se: se quero ser candidato a prefeito ou vereador, vou correr para resolver minha questão. E o tribunal tem obrigação de me atender e julgar em primeiro lugar.

A impunidade desaparece, senhores. Hoje o jornal diz que fulano é ladrão, sai uma manchete, sai uma denúncia e não acontece nada. E foi condenado. Para a opinião pública, foi condenado e não pode mais ser candidato. Mas, como não foi em última instância, ele recorre. Nada adiantou. E a opinião pública tem o pior conceito dos políticos, dos parlamentares, da sociedade.

Mas, e se mudarmos esse eixo? Se determinarmos que se tiver ficha suja não pode ser candidato; mas que o tribunal, o juiz não podem deixar o caso na gaveta, têm que julgar! Então, se eu tiver ficha suja, não poderei ser candidato; mas tenho o direito de ser julgado antes da convenção! Meu advogado, em vez de brigar para o processo ficar na gaveta e não ir a julgamento, ele vai brigar para que seja julgado! A lei estará do lado dele para que seja julgado e seja definitivo. E no momento em que a imprensa publicar processo contra dez, vinte, trinta, cinqüenta, mil políticos que estão sendo processados, e trinta ou cinqüenta forem condenados e outros absolvidos, aí não vamos mais nivelar por baixo. Aí vai ser diferente.

Quero felicitar o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, quero felicitar os presidentes dos tribunais reunidos em Natal, quero felicitar a CNBB, a OAB, e as entidades que entraram com o projeto de lei de iniciativa popular hoje no tribunal. Quero respeitar a decisão do Tribunal Superior Eleitoral: respeitar os três votos, tendo à frente o Presidente, decidindo que se deveria impedir a candidatura; mas respeitar os outros quatro porque a tese deles é apenas uma: compete ao Congresso fazer a lei. E o Congresso não está fazendo a lei.

O resultado foi quatro a três; faltou um pouquinho, Sr. Presidente. Daqui a pouco o tribunal julga quem não pode ser candidato. Será uma bofetada no Congresso Nacional por falta de decisão nossa. Aconteceu isso na lei da fidelidade partidária, que até hoje não regulamentamos. A Constituição diz: lei complementar regulamentará a fidelidade partidária. E o Congresso não fez nada. O tribunal regulamentou, o tribunal fez o que nós tínhamos que fazer, e não fizemos. O tribunal fez.

Senador Alvaro Dias, V. Exª presidiu os trabalhos; das oito horas da noite às três horas da madrugada, fizemos sete sessões especiais e votamos o primeiro e o segundo turno da lei da fidelidade partidária. Graças a Deus, Sr. Presidente, agora não se ganha jetom em sessão especial. Houve uma época em que acontecia isso. Não. Fizemos e rasgamos tudo que é regimento, fizemos numa noite oito sessões, votando o que em 20 anos não votamos. Regulamentamos.

Agora, as medidas provisórias. Está na cara que medidas provisórias sobre créditos extraordinários no Orçamento não podem ser apresentadas! Todo mundo sabe que não pode - nenhuma, nenhuma, nenhuma e nós não fizemos nada. E o Supremo fez porque nós não tínhamos competência de fazer. O Supremo diz que não pode e se o Governo quiser brincar conosco e mandar novas medidas provisórias de crédito extraordinário, o Supremo tem que decidir e dar crédito de novo.

Não seria bom para nenhum de nós que, de repente, o Tribunal decidisse que candidato com ficha suja não pode ser registrado. Muito melhor é nós decidirmos aqui. O meu caso, por exemplo, é um caso bem diferente. Sr. Presidente, eu não estou dizendo que quem tem ficha suja não pode ser candidato - que é a tese que está sendo discutida. Eu estou dizendo que quem tem ficha suja não pode ser candidato, mas tem o direito de ser julgado até a convenção. É diferente. Uma coisa é o que está sendo discutido hoje, quando o Tribunal, por 4 a 3, perdeu, mas quase ganhou: quem tem ficha suja, não pode ser candidato.

O que eu estou dizendo no meu projeto? Quem tem ficha suja não pode ser candidato, mas o Judiciário tem a obrigação de julgar o caso dele até a convenção. É diferente. É por isso que eu acho, Sr. Presidente, que é muito melhor o Congresso aprovar a minha idéia do que esperar, amanhã, ser atropelado pelo que está chegando aí.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2008 - Página 20837