Discurso durante a 103ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre o comportamento do Presidente Lula visando a aprovação da Contribuição Social para a Saúde - CSS. Considerações sobre pesquisa do Banco Mundial, a respeito do sistema brasileiro de saúde.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. SAUDE.:
  • Reflexão sobre o comportamento do Presidente Lula visando a aprovação da Contribuição Social para a Saúde - CSS. Considerações sobre pesquisa do Banco Mundial, a respeito do sistema brasileiro de saúde.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2008 - Página 20840
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. SAUDE.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, INCONSTITUCIONALIDADE, UTILIZAÇÃO, LEI COMPLEMENTAR, CRIAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO SOCIAL, SAUDE, DESRESPEITO, CONGRESSO NACIONAL, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • CRITICA, INCOERENCIA, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRIAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO SOCIAL, SAUDE, SUBSTITUIÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), OPORTUNIDADE, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, GOVERNO.
  • REGISTRO, DADOS, BANCO MUNDIAL, PERDA, INEFICACIA, GESTÃO, RECURSOS, DESTINAÇÃO, SAUDE, CENTRALIZAÇÃO, REPASSE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, SERVIÇO HOSPITALAR.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DO PARANA (PR), IRREGULARIDADE, FALTA, LEITO HOSPITALAR, INCAPACIDADE, ADMINISTRAÇÃO, GESTÃO, RECURSOS.
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, FALTA, ORGANIZAÇÃO, SISTEMA, SAUDE, BRASIL, AUSENCIA, EFICIENCIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO, SUPERIORIDADE, CUSTO, HOSPITAL, INEFICACIA, SERVIÇO HOSPITALAR, OCIOSIDADE, LEITO HOSPITALAR.
  • DEFESA, EFICACIA, APLICAÇÃO, RECURSOS, MELHORIA, GESTÃO, AREA, SAUDE, REJEIÇÃO, CRIAÇÃO, IMPOSTOS.

            O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) -Sr. Presidente Pedro Simon, Srªs e Srs. Senadores, volto a esta tribuna para abordar o tema dos últimos dias, especialmente o tema da Câmara dos Deputados, uma vez que essa proposta foi inaugurada na Câmara dos Deputados e, brevemente, chegará ao Senado Federal. Refiro-me à volta da CPMF, disfarçada de Contribuição Social para a Saúde, por meio de lei complementar. Há inconstitucionalidade gritante, por se tratar de imposto cumulativo, que incide sobre toda a cadeia produtiva, incide sobre todos os outros impostos. Por essa razão, nós o denominamos imposto perverso. Nem mesmo se utilizou do expediente da emenda à Constituição, que exigiria um quórum maior e certamente criaria dificuldades ao Poder Executivo de viabilizar sua pretensão.

            No Senado não passará, tenho essa convicção. O Senado tem a responsabilidade de corrigir equívocos consagrados pela Câmara dos Deputados. Este é o momento para a correção de um equívoco histórico que certamente redundaria em conseqüências desastradas para o Poder Executivo.

            Eu vou me referir a um estudo do Banco Mundial, mas, antes disso, gostaria de ressaltar o comportamento do Presidente Lula nesse episódio. Quando a matéria estava prestes a ser votada na Câmara dos Deputados, o Presidente a defendia. Ele a defendeu em eventos que celebrou nesse roteiro de anúncios de obras do PAC e defendeu especialmente em solenidade oficial do seu Governo, quando justificou a celeridade daquela solenidade para dispensar parlamentares que deveriam votar matéria de suma importância, segundo ele. Tratava-se exatamente do projeto criando a CSS, esse novo imposto. Agora, o Presidente da República, diante do resultado ínfimo obtido na Câmara dos Deputados, uma diferença de apenas dois votos em relação aos votos necessários, muda a sua postura e diz que não é com ele, que ele não é o responsável pela instituição desse novo imposto.

            Diante dessa afirmativa do Presidente da República, podemos aplacar as consciências de governistas temerosos. Não precisam mais votar favoravelmente a esse imposto perverso. O Presidente da República os está liberando. Não há como justificar agora lealdade ao Presidente, obediência cega ao Presidente da República, porque ele próprio afirma não ter nada com isso. Não é com ele. Ele, portanto, não está conferindo importância à instituição desse novo imposto.

            Nós já tínhamos tranqüilidade em relação aos votos necessários para a rejeição dessa proposta aprovada pela Câmara, mas, diante da postura do Presidente da República, se dúvidas existiam, elas desaparecem. Não há por que alimentar dúvidas em relação ao resultado final dessa votação. E, se havia da parte de alguns oposicionistas a intenção de protelar essa votação, de ganhar tempo para convencer dissidentes da base aliada, a estratégia deve ser a oposta. Ao invés da protelação, a agilização dos procedimentos para que possamos votar o mais rapidamente possível e sepultar definitivamente essa afronta que se coloca diante dos olhos da Nação.

            Eu digo ser afronta, sim, porque não vejo necessidade alguma da instituição desse imposto. O Governo vem arrecadando o que nunca arrecadou comparativamente.

            Para reafirmar esse dado fundamental, o Governo, neste ano, arrecadará R$102 bilhões a mais do que arrecadou, no ano passado, quando contava com a CPMF.

            Aliás, o Governo não previa isso. Ao contrário, o discurso oficial era o de que teríamos uma espécie de fim do mundo e que o Brasil se tornaria ingovernável com o fim da CPMF. Imediatamente após esse cenário de pessimismo governamental, a arrecadação suplantou todas as expectativas e passou a bater todos os recordes históricos. O Brasil nunca arrecadou tanto como vem arrecadando nos últimos anos, e, em compensação, a carga tributária nunca pesou tanto sobre os ombros dos setores produtivos do País como pesa atualmente.

            O Banco Mundial, em recente estudo, reforça a necessidade de barrarmos esse imposto. Segundo o Banco Mundial, o Brasil gasta mal o dinheiro destinado à saúde. O referido estudo constata que, além do desperdício, é ruim o gerenciamento dos recursos da saúde. O setor de saúde no Brasil gasta mal, desperdiça e é mal gerido. É isso que tem que enxergar o Governo. É isso que tem que ver o Presidente da República. É confortável, mas é irresponsável tapar os buracos abertos pela incompetência de gerenciamento com o sacrifício da população pagando mais impostos.

            O que é responsável e competente é aplicar, de forma qualificada, os recursos públicos; ou seja, conferir qualidade ao gasto realizado, evitar o desperdício com um gerenciamento capaz de estabelecer prioridades sem discussão e aplicar corretamente os recursos oriundos dos impostos pagos pelo povo brasileiro.

            Vamos a algumas revelações desse estudo do Banco Mundial, porque, evidentemente, um estudo do Banco Mundial deve ser mais acreditado. Obviamente, o Presidente da República deve acreditar mais no Banco Mundial do que na Oposição, deve acreditar mais no estudo do Banco Mundial do que no discurso de um Senador oposicionista, da tribuna do Senado Federal.

            Senador Jarbas Vasconcellos, vamos ao que diz esse estudo do Banco Mundial: é baixa a taxa de ocupação dos leitos, embora eles faltem, sinal ostensivo de péssima gestão. Portanto, além de faltarem leitos - os existentes não são suficientes -, eles são mal ocupados; ou seja, a gestão é precária. Eu vejo isso na região metropolitana de Curitiba. Os Municípios da região metropolitana de Curitiba não possuem leitos suficientes, acabam encaminhando os doentes para a capital, para Curitiba. Em Curitiba, os leitos existem, mas a gestão não é boa, e já estamos em uma situação limite. Logo, não haverá leitos suficientes também na capital do Estado. No interior, o drama é maior. As grandes cidades do interior do Estado não suportam a demanda. Há mais pacientes do que leitos disponíveis.

            Outro ponto revelado pelo estudo do Banco Mundial: numa escala de eficiência de zero a um (escore de eficiência), a nota atribuída ao Brasil é de 0,34. Baixíssima, portanto, a nota conferida ao Brasil. Ou seja, eficiência quase zero. Não há, em síntese, eficiência de gerenciamento.

            Trinta por cento das internações são desnecessárias e custam R$10 bilhões - internações que não requeriam cuidados hospitalares. Portanto, não temos leitos suficientes e internamos aqueles que não necessitam de internação, por incapacidade de gerenciamento. Os recursos existem, mas são mal aplicados; os recursos existem, mas há desorganização; os recursos existem, mas o Governo os aplica de forma indevida.

            Como revela o estudo, o Governo drena boa parte dos R$50 bilhões/ano do orçamento da saúde para o sistema hospitalar, cuja eficiência é um desastre. Repito: R$50 bilhões do orçamento destinado à saúde vai para o sistema hospitalar. O estudo demonstra uma necessidade urgente: novas formas de gerência hospitalar precisam ser adotadas.

            No sistema brasileiro de saúde, o centro do universo são os hospitais. É a maior fonte de gastos do sistema. Seus serviços caros não estão associados à boa saúde da população, conforme alerta de especialista do Banco Mundial. Um dos autores do relatório do Banco Mundial ressalta: "Não adianta apenas ter recursos a mais; é preciso gastar bem o dinheiro”. O Governo não percebe que está gerenciando de forma indevida os recursos destinados à saúde.

            Os hospitais são muito caros e ineficientes. Trata-se de um problema sistêmico, não unicamente do SUS. O estudo demonstra que a maioria dos hospitais e ineficiente em escala e produtividade.

            A taxa de ocupação de leitos dos hospitais brasileiros é de 37%. A taxa de leitos ociosos chega a 60%. Isto não quer dizer que todos esses leitos devem ser desativados necessariamente. O que os especialistas destacam: é preciso implantar uma política de racionalização, considerando que muitos leitos não estão em condições de serem ocupados. Em muitos casos, não há nem médicos para o atendimento do hospital.

            Sei que isso surpreende a muita gente. Provavelmente, naqueles Municípios da região metropolitana de Curitiba a que eu me referi há pouco, as pessoas se assustam com este dado: a taxa de leitos ociosos chega a 60% E, quando lá necessitam de leitos, eles não existem. Algo está errado. E certamente isso se chama desorganização.

            O Brasil gasta mal as verbas destinadas à saúde. E, por isso, o Governo não tem autoridade política, administrativa e moral para exigir o sacrifício de mais um imposto a ser pago pelo povo brasileiro. Além de tudo, esse imposto é flagrantemente inconstitucional. Essa contribuição é cumulativa. A base de cálculo não pode ser cumulativa, conforme o art. 154, inciso I, da Constituição.

            O que diz o art. 154?

Art. 154. A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição.

 

            Esse imposto que quer o Governo criar, prevê, como base de cálculo, movimentação financeira, que não é base de cálculo nem fato gerador. Portanto, inconstitucionalidade flagrante justificada.

            Assim, por lei complementar, está sendo criada uma fonte permanente para a saúde com uma base não permanente; ou seja, a movimentação financeira. Portanto, é uma aberração jurídica essa proposta que chega da Câmara.

            Eu diria tratar-se de um monstrengo de natureza jurídica que tem que ser rechaçado no Senado Federal por absolutamente inconstitucional. E, se porventura passasse por aqui, teríamos o dever de propor perante o Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade.

            Recentemente, em entrevista do Presidente Gilmar Mendes, sentimos que há, da parte do Supremo Tribunal Federal, já uma predeterminação. O Ministro, com muita habilidade, não quis imiscuir-se no assunto antecipadamente, mas exteriorizou um sentimento que certamente retrata o pensamento daquela Corte: “Este assunto acabará no Supremo. É inevitável que venha ao Supremo Tribunal Federal, pois causará estresse constitucional”, disse ele.

            Para bom entendedor, meia palavra basta.

            Mas espero que, desta feita, não necessitemos, Senador Pedro Simon, dar trabalho ao Supremo Tribunal Federal. V. Exª abordava há pouco que, em razão da omissão do Poder Legislativo, conferimos ao Supremo Tribunal Federal uma carga maior de trabalho. Neste caso, não creio, porque certamente a maioria esmagadora dos Senadores rejeitará essa proposta, que é um escárnio, que afronta a inteligência das pessoas e que se constitui em aberração constitucional. Não podemos aprová-la. Haveremos de rejeitá-la.

            Muito obrigado, Senador Pedro Simon, Senador Jarbas Vasconcelos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2008 - Página 20840