Discurso durante a 104ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória do ex-Senador Jefferson Péres.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do ex-Senador Jefferson Péres.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2008 - Página 20932
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JEFFERSON PERES, SENADOR, ESTADO DO AMAZONAS (AM), ELOGIO, VIDA PUBLICA, ETICA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, COMENTARIO, DISCURSO, DEFESA, SOBERANIA NACIONAL, REGIÃO AMAZONICA, DECISÃO, AUSENCIA, RENOVAÇÃO, CANDIDATURA, FRUSTRAÇÃO, POLITICA NACIONAL, REGISTRO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, CAPITAL DE ESTADO, SOLENIDADE, FUNERAL, CONCLAMAÇÃO, CONTINUAÇÃO, TRABALHO, RETOMADA, DIGNIDADE.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pela Liderança do PMDB. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, distintas e honradas autoridades, Ministro Carlos Ayres Britto, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, querida Marlídice Peres, Roger, Rômulo e Ronald, o meu discurso comovido ao Jefferson eu fiz nesta tribuna no dia seguinte - darei cópia a V. Exª -, mas meu Partido me indicou para falar em nome do Partido. Em nome do Partido, digo o seguinte: Jefferson Péres deixa saudade.

Jefferson Péres era uma pessoa excepcional numa hora excepcional que vive o Brasil.

Eu tenho dito desta tribuna que nosso País vive um momento difícil, e neste momento faltam as nossas referências, que sempre tivemos na vida pública brasileira. É só olhar para trás; grandes nomes, grandes orientadores: Ulisses, Tancredo, Teotônio, Dom Helder... Mas, ultimamente, nesta Casa e fora dela, não sei, parece um momento de transição. Onde estão as nossas referências? Jefferson Péres era uma delas. Uma referência diferente: ele não tinha a impetuosidade, o desejo de aparecer do Dr. Ulisses; ele não tinha a paixão do Teotônio; ele não tinha a frieza objetiva de um político profissional, do Tancredo. Baixinho... E os três irmãos estão ali, os três filhos. Lá em Manaus, ao lado do pai, pareciam três imagens dele. Morreu um, mas ficaram três, na identidade, na altura e na seriedade. Não era para ser o homem padrão de orientação. Mas ele o foi, na sua maneira singela de falar.

Eu tinha uma inveja cristã do Jefferson; ele não dizia nos seus pronunciamentos uma palavra mais do que o necessário, quanto mais uma frase.

Talvez tenha sido um dos momentos mais tensos quando Jefferson ocupou aquela tribuna, dizendo: “Eu ouvi o pronunciamento do Presidente da Casa. Não ouvi nenhuma referência a mim, mas estão dizendo que teve. Quero dizer que minha esposa trabalha um expediente em meu gabinete; ela atende as pessoas que vêm do Amazonas. Eu sou muito seco, difícil, complicado; ela é simpática, recebe, orienta, dá as explicações.“ Ponto. “Mas ela não é nem minha funcionária, nem funcionária do Senado. Muito obrigado.”

Ele não falou dois minutos. Ele não falou dois minutos, e a imprensa toda especulando: “Mas o Jefferson; a mulher trabalha no gabinete dele, é funcionária dele.” Foi um comentário generalizado. Se é um outro, fala meia hora. Quer dizer, pegar o adversário num equívoco dessa gravidade... Era para sair por cima, era para dar mil explicações. Ele falou dois minutos: “Trabalha no meu gabinete, ela é muito mais simpática, tem muito mais competência para receber, que eu não tenho, mas não é minha funcionária, nem do Senado. Muito obrigado”.

Esse era o Jefferson. Acho que não dá para dar uma outra exemplificação de quem ele era do que essa. Foi um momento tenso, quando alguém ousou levar uma interrogação de insinuação com relação a ele. E ele estava com a consciência tão limpa, tão tranqüila, que nem se apercebeu da malícia quando a imprensa colocou. Dois minutos.

Quando o Presidente da Casa se negou a designar CPI. Aquela CPI que iniciou a apuração de todos esses desmandos provados, do chamado Mensalão. Requerimento feito; assinaturas postas. O Presidente pediu aos líderes que indicassem. O PSDB indicou, o PMDB indicou, os grandes partidos do Governo não indicaram. Deram uma nota trágica. Trágica! “Nós os líderes não indicamos. E só terá CPI no Senado quando nós, líderes, acharmos que deve ter.” Quer dizer, rasga-se a Constituição. A Constituição diz que, mediante requerimento de um terço dos membros da Casa, é convocada e instalada a CPI. É claro que a ampla maioria tem poderes para dentro da CPI fazer o que fez agora na dos cartões corporativos: não deixar fazer nada! Mas não criar, não instalar?

O Jefferson, com a maior singeleza, num documento, nobre Presidente, muito singelo, entrou no Supremo e teve ganho de causa. Foi um momento muito triste para o Senado, perdoem-me a sinceridade. Muito, muito triste, em que o Supremo mandou fazer aquilo que sabíamos que tínhamos de fazer.

A CPI é um direito da Minoria. Se o Presidente quer e os líderes não indicam, cabe ao Presidente do Senado fazer a indicação e instalar. E o Presidente teve de fazer, depois que o Supremo, atendendo a requerimento de Jefferson Péres, pediu que se instalasse. Esse era o Jefferson Péres.

O mundo inteiro discute a Amazônia. O Brasil inteiro debate a Amazônia. Uns Senadores da Amazônia, que nem o ilustre Senador Líder Arthur Virgílio, debatem com mais profundidade e interesse porque são da região. Mas todo o mundo, inclusive eu, fala sobre a Amazônia. O Jefferson era seco. Ele não fazia nenhuma concessão. Ele não entrava na onda. A onda é dizer: “Querem internacionalizar a Amazônia!”. Não. Ele era muito frio e objetivo na defesa da Amazônia.

Não sei se a senhora já se deu conta, querida Marlídice, de que no último discurso do Jefferson, da tribuna, ele falou sobre a Amazônia. Pela primeira vez, ele avançou o sinal, mantendo a desconfiança que ele estava tendo pelas coisas que estavam acontecendo, que o mundo inteiro estava falando na internacionalização da Amazônia, que ele não acreditava nisso, mas reconhecia que o Brasil tinha que olhar para a Amazônia, ele reconhecia que a fome, a miséria, a injustiça social, o esquecimento daquela região podiam fazer com que outros interesses, como o tráfico de drogas, o contrabando de armas pudessem atingir a Amazônia. Que triste realidade! O último pronunciamento dele, quando avançou o sinal e reconheceu que havia perigo na Amazônia. Esse era o Jefferson.

Vou confessar algo. A senhora sabe que o Jefferson e outras pessoas estávamos querendo criar um grupo à margem de partido, à margem de política partidária, eleitoral, para discutir o Brasil. O grupo contava com o apoio da sociedade, alguns Parlamentares, alguns intelectuais, até Ministros do Judiciário, OAB, para discutirmos essa matéria. A preocupação que ele tinha era essa. Ele pensava que as coisas estavam acontecendo, manchete, e mais manchete, e mais manchete. E a dignidade, a seriedade estavam caindo na rotina de que de não valem nada.

Lembro-me que ele me procurou com uma manchete e disse que o prestígio do Congresso tinha caído 100%, de 1% para 0,5%, e que essa era a credibilidade do Congresso. Ele dizia: “Nós temos que fazer alguma coisa”. E com que mágoa ele nos disse que estava largando a política, que não ia concorrer mais: “Olha, Pedro, acho que se tem de continuar, mas eu não vejo condições”. E comunicou da tribuna que estava renunciando à política, que cumpriria o seu mandato até o fim, mas que era o último.

Querida Dona Marlídice, nós estávamos formando um grupo porque iríamos a Manaus forçar a candidatura dele. Ele iria ser candidato na marra. Nós iríamos fazer um movimento de tal natureza que tentaríamos forçá-lo a ser candidato. O Brasil inteiro iria despejar manifestações em Manaus, exigindo a candidatura dele.

A senhora sabe melhor do que eu, mas eu não tinha certeza se a gente o convenceria, porque não era missão fácil fazer ele sair do trâmite dele, do objetivo. Quando perguntei por que ele fora candidato a Senador pelo PDT, ele disse: foi a legenda em que vi mais condições de ser candidato e ficar fiel à minha consciência; não tinha maior compromisso a não ser o de trabalhar pelo meu Estado. Esse era o Jefferson. Nunca vi a fisionomia de Jefferson tão serena como no caixão. Falo do fundo do meu coração: eu fiquei muito tempo olhando para ele. As informações que temos são as de que ele se levantou, tomou banho, sentiu uma dor, disse a sua esposa: estou sentindo uma dor. Quando mostrou que era no coração, sua senhora telefonou, e ele morreu! A serenidade do olhar dele era impressionante. Primeiro, parecia que ele estava dormindo, parecia que ele estava dormindo. Era o exemplo de alguém que morreu na mais absoluta sensibilidade do dever cumprido.

Quando olhei os três filhos, quando olhei a senhora, quando olhei a sua mãe, quando eu fui abraçar a sua mãe, ela me disse: “Eu não perdi um genro; eu perdi um filho!”, na pureza dela ali.

Eu vi agora o jovem relendo para nós o que disse na missa de sétimo dia. É realmente o pai. Porque a gente que vê o Jefferson não imagina o marido e o pai, a família e a organização. Ele tinha aquela beleza do horizonte. A maioria dos políticos, homens puros, a gente sabe, não vêem além da paixão da vida pública e muitas vezes perdem o horizonte, perdem a beleza de ver o dia, as cores, o arco-íris, as flores, a mulher, os filhos, a doçura da família, a discussão de um filme, ouvir a música. O Jefferson era esse homem. Quem diria que esse homem, com a frieza dele, com a seriedade dele, tinha dentro de si a beleza que o filho terminou de relatar. Esse era o Jefferson, era o homem completo. Eu me emocionei.

Tem razão o querido amigo Arthur Virgílo quando salienta a manifestação do povo de Manaus. O povo de Manaus estava todo na rua, caminhando o féretro e o povo acompanhando, abanando. Parecia que o Jefferson era um grande líder popular, porque a manifestação do povo era nesse sentido. E ali, aquela solenidade final, eu achei muito expressiva. Gostei de ver a música cantada, a dança, a manifestação do bispo de um lado e do homem do outro lado, o Jefferson assistindo. A mim parecia que o Jefferson, lá do outro lado, devia estar ironizando um pouco isso tudo: “O pessoal sabe que não sou disso. Isso não faz o meu estilo”. Mas ele agüentou até o fim, não se mexeu no caixão e suportou.

Existem pessoas que marcam a sua presença pelo arroubo, mas existem pessoas que marcam a sua presença pelo exercício integral da sua vida toda. Conhecemos a grandeza do Jefferson ao ser candidato a vice-Presidente da República só para marcar uma posição - ele e o Cristovam. E marcaram! Ele não aceitava aquela tese de que é esta ou essa; há dezesseis anos é isso. Ele aceitou marcar posição. Foi um gesto de grandeza de alguém que tem coragem de fazer.

A grande homenagem que se faria a Jefferson Péres é continuar o seu trabalho, é fazer o sonho que ele estava imaginando. Vamos tentar reunir um grupo que realmente inicie uma caminhada de retomadas. Para quem vê os jornais e o dia-a-dia, parece que houve uma subversão geral. A ética, a dignidade, a honradez são termos em desuso; são coisas que absolutamente não têm significado.

Presidente Ayres Britto, sou admirador muito grande de V. Exª, porque o trabalho que V. Exª está fazendo é muito importante. V. Exª está chocando a sociedade e - perdoe-me a sinceridade - pode não ser o objetivo, mas está chocando esta Casa e nós do Congresso Nacional, que não estamos fazendo o que devemos fazer. Tenho certeza de que falo em nome de Jefferson. Ministro Britto, V. Exª talvez esteja iniciando. Veja que, atrás de V. Exª, ontem, já estavam lá a OAB e a CNBB, iniciando uma movimentação nesse sentido.

Talvez aqui seja o grande momento de começarmos a prestar homenagem a Jefferson Péres objetivamente, fazendo aquilo que ele sempre quis.

Minha querida companheira, a senhora sabe da amizade e do afeto que nos unia o Jefferson e eu. Disse aqui da tribuna que o Jefferson, 12 anos meu vizinho, todos os dias, passava por mim, de tênis, caminhando e dizia: “Ô Pedro, tu tens que caminhar!”, e eu não caminhava. Ele caminhava todos os dias, caminhava todos os dias; não fumava; não comia carne vermelha nem branca, só peixe; não se exaltava, era um homem tranqüilo, era um homem sereno. E não é porque era um homem tranqüilo e sereno que guardava raiva, guardava mágoa e, engolindo a raiva, fazia mal para o coração. Não! Ele dizia o que tinha de dizer, só que tranqüilamente. Ele não guardava nada dentro dele. O Jefferson não guardava nem mágoa, nem ressentimento; pelo contrário, ele dizia, só que o fazia com grandeza, com serenidade.

Falei com meu amigo médico do coração e lhe disse: “Olha, se vocês forem dar o exemplo de alguém para não morrer do coração é para fazer tudo o que o Jefferson fazia: não fumava, era magrinho, certinho”! Para ver como Deus faz as coisas que quer fazer. Tinha chegado a hora! Diria até: por que Deus está levando homens que nem o Jefferson? Por quê? Talvez seja para a gente refletir! Vamos imitá-lo, vamos copiá-lo, vamos levar adiante o seu exemplo, vamos fazer com que realmente se inicie a caminhada Jefferson Péres: caminhada pela moral, pela dignidade, pela seriedade da coisa pública.

Meus jovens, especialmente você que está sentado na cadeira em que o Jefferson se sentava, com a mãe espetacular que vocês têm, que tarefa bonita a de vocês, que têm em frente uma imagem fantástica de um homem fantástico em uma realidade grande.

Obrigado, meus irmãos! Que Deus seja pródigo com vocês ao substituir a imagem do Jefferson pela imagem da paz, do amor e de Deus.

Muito obrigado! (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2008 - Página 20932