Discurso durante a 104ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória do ex-Senador Jefferson Péres.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do ex-Senador Jefferson Péres.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2008 - Página 20935
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JEFFERSON PERES, SENADOR, EX VEREADOR, ESTADO DO AMAZONAS (AM), JURISTA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, LEITURA, TRECHO, DISCURSO, DEFESA, DESCENTRALIZAÇÃO, REPUBLICA.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Senador Garibaldi Alves Filho; Exmº Sr. Senador Arthur Virgílio, que, juntamente com o Senador Cristovam Buarque subscreveu o requerimento para que esta sessão fosse realizada; Exmº Sr. Ministro Carlos Ayres Britto, Ministro do Supremo Tribunal Federal e, atualmente, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral; Prezada Srª D. Marlídice Péres, viúva do pranteado Senador Jefferson Péres; Exmªs Srªs Senadoras; Exmºs Srs. Senadores; Exmªs Srªs Deputadas Federais; Exmºe Srs. Deputados Federais; Ronald, Roger e Rômulo Péres, filhos do inesquecível Senador Jefferson Péres, Srª Tainá Abraim, nora do Senador Jefferson Péres, Exmº Sr. Prefeito de Manaus, Serafim Fernandes Corrêa; ilustre Presidente do Conselho Federal da OAB, Dr. César Brito; Srªs e Srs. Subprocuradores-Gerais da República; Ilmº Sr. Dr. Roberto de Figueiredo Caldas, membro da Comissão de Ética da Presidência da República, Juiz ad hoc da Corte Interamericana de Direitos Humanos; minhas senhoras e meus senhores; “O estilo é o homem”, sentenciou com percepção aguda o conde e escritor Louis Buffon, no chamado século das luzes. Para fazer memória do inesquecível Jefferson Péres é preciso, antes de tudo, identificar nele o estilo, singular e plural ao mesmo tempo, posto que intelectual e político: este, sobretudo, agente; aquele, formulador, o que elabora.

Ainda que seja difícil fixar o território do intelectual e do político, “quem leu As Formas de Vida, de Spranger”, observa Josué Montello, “ali encontrou essa distinção fundamental: enquanto ao intelectual compete a interpretação da sociedade, cabe ao político a sua direção”.

Enfim: o intelectual reflete o que pode ou deve acontecer; o político se engaja para transformar idéias em realidade. O homem de pensamento e de ação pode - e deve - coexistir no mesmo ser.

Jefferson Péres era modelo de homem público e dele se poderia afirmar que possuía as qualidades recomendadas pelo Marquês de Pombal aos governantes: “Em qualquer resolução que tentar, observe essas três coisas: prudência para deliberar, destreza para dispor e perseverança para acabar”. (Carta ao sobrinho Joaquim de Melo e Povoas)”.

Assim como as lentes de Norberto Bobbio sempre estavam voltadas para os clássicos, não era outra a permanente atitude que caracterizou o Senador Jefferson Péres ao interagir com os grandes pensadores que edificaram a cultura ocidental, objetivando “elucidar temas fundamentais ao esclarecimento dos conceitos e à análise dos argumentos”.

Recorde-se, a propósito, o que Jefferson Péres preconizou em discurso nesta Casa, na passagem de mais um aniversário do 15 de novembro de 1889, ao insistir na necessidade de restaurar valores republicanos, hoje tão erodidos:

A data enseja a oportunidade de questionar até que ponto, governantes e governados, nos dispomos a dar nossa adesão madura e consciente aos valores republicanos da democracia: a igualdade perante a lei, a legitimação pelo consentimento popular, o respeito à vontade da maioria e aos direitos da minoria, a transparência na tomada das decisões governamentais, a responsabilização dos agentes públicos pelo destino dado a cada centavo do contribuinte.

Outro requisito que merece destaque nesta nossa breve resenha da aplicação prática dos valores republicanos é aquela regra que garanta uma oportunidade real de a Oposição chegar ao poder, desde que sua proposta seja capaz de conquistar o coração e a mente do eleitorado.”

E complementava o Senador amazonense:

Afinal, a República se distingue da monarquia absolutista justamente pela possibilidade de alternância de partidos e nomes do governo, graças ao voto do povo, sem herdeiros indicados pelo rei ou vetos aos adversários da corte.

De Jefferson Péres, Sr. Presidente, cabe também ressaltar a riqueza estilística de que era portador, além do apreço que demonstrava ao vernáculo. Em seus textos, é evidente o uso da palavra precisa, que associava a graça à elegância da concisão. A economia de palavras tornava ainda mais claras suas idéias.

Em abono da concisão, nesses tempos em que as palavras abundam e as idéias parecem ficar submersas, é oportuno lembrar Machado de Assis, o escritor, ao advertir em sua crônica “Balas de Estalo”, em 1885, “que os adjetivos passam, e os substantivos ficam”.

Na densa intelectualidade do Senador Jefferson Péres avultava também os dons do articulista ao lado da crônica em periódicos de Manaus e do País, sempre atento a tudo que fosse de interesse nacional e, especialmente, de sua Amazônia. O telurismo, na opinião de Bernardo Pereira de Vasconcelos, é sinônimo de pátria que, segundo ele, começa onde se nasce. Não se deve, porém, confundir o telúrico com o provinciano.

Antes de eleger-se Senador da República, Jefferson Péres exerceu por dois mandatos as funções de Vereador em Manaus, nos quais deixou desvelado seu amor à primeira instância da política - o Município, onde a cidadania se efetiva em toda a sua intensidade, posto ser a primeira célula da organização institucional do País.

Em discurso em 1997, assim se pronunciou Jefferson Péres:

Só conquistei três mandatos na minha vida: dois de Vereador em Manaus e um de Senador.

E acrescentou:

É altamente honroso para mim, sem dúvida, ser um Senador da República, mas, se V. Exªs quiserem uma confissão realmente sincera, o que me agradava mesmo era ser Vereador. Este cargo é dignificante, mas o que me dava satisfação, no sentido de ver as coisas acontecerem, era o meu desempenho como Vereador em Manaus”.

É certo, Sr. Presidente, que a Federação foi um anseio que medrou cedo em nossa evolução histórica. Não exagero se asseverar que a busca de um Estado federal antecedeu a própria luta pela transformação do Império em República. O busto de Rui Barbosa aqui, neste Plenário, simboliza o coroamento do processo de transformar o Brasil numa República Federativa. Além de Rui, tantos outros somente se converteram em republicanos após constatar ser inviável no regime monárquico instituir a federação. Lembre-se, a propósito, de que o Manifesto Republicano começa reconhecendo que: “No Brasil, antes da idéia democrática, encarregou-se a natureza de estabelecer o princípio federativo”.

Faço tais considerações, Sr. Presidente, vez que o Estado Unitário foi modelo adotado até a proclamação da República, para, a seguir, citar palavras de Jefferson Péres em prol da descentralização do ato de governar:

Durante muitos e muito anos, a tradição dominante na historiografia nos estudos políticos e sociais brasileiros enfatizava a perspectiva do Estado nacional e do poder central. Do Visconde do Uruguai a Raymundo Faoro, passando por Alberto Torres, Oliveira Viana e Azevedo Amaral, independentemente do nicho que cada um desses autores e homens públicos ocupassem no espectro político-ideológico, o fato é que suas obras votavam uma atenção e um interesse quase que exclusivo à estrutura e à dinâmica do governo nacional nas diferentes etapas de sua formação histórica: Colônia, Império República.Era como se o Município, a localidade, o bairro, a rua onde viviam e vivem os brasileiros de carne e osso não existissem -- ou, então, existissem apenas como projeção da vontade e das atividades do centro onisciente, onipresente e onipotente.

Raríssimos foram os autores, como o alagoano Tavares Bastos, que levantaram suas vozes para afirmar que essa maneira de encarar o Brasil estava errada e era altamente prejudicial aos interesses históricos do nosso povo. Isto porque, em livros tão importantes quanto pouco lidos, infelizmente, até hoje, tais como “Os Males do Presente e As Esperanças do Futuro”, Cartas do Solitário e no seu grande clássico A Província, de 1870, ensina Tavares Bastos que as sociedades livres, criativas e bem-estruturadas e, se posso usar uma metáfora biológica, saudáveis, são aquelas que crescem da base para o topo e não vice-versa.

Observou, também, a propósito Jefferson Peres que:

Esta foi também a grande missão legada por um pensador de cabeceira de todos nós, o francês Aléxis de Tocqueville, que depois de visitar os Estados Unidos escreveu o clássico A Democracia na América, de 1835, onde revela que o segredo da vitalidade cultural, da pujança econômica e da engenhosidade tecnológica daquele grande país resumia-se no que denominou “a arte da associação”. Em outras palavras, os americanos não esperam, nem permitem que o governo federal e Washington decidam sobre o que é melhor para suas respectivas comunidades locais.

Sr. Presidente, reza um provérbio latino que o “poeta não se faz, nasce (poeta non fit, nascitur. O mesmo se aplica ao político, cujo carisma, no sentido grego da palavra, é indispensável ao desincumbimento de sua vocação.

Para Jefferson Peres, homem público, a política era doar-se à Nação, pois ser político, antes de constituir-se numa profissão, é um dom a exigir ação missionária que prescreve o ofício da paciência. Cabe, também, ao político antecipar-se aos fatos, buscar descobrir o que une e não o que separa, porque entender que o êxito pode residir, muitas vezes, não no resultado final, mas no percurso. É assumir ônus e desprezar bônus, consagrar-se à causa abraçada.

Não por outra razão, segundo o tomismo, a política é sinteticamente conceituada como “ciência, virtude e arte do bem-comum”. A divergência é prova da vitalidade política e, por envolver idéias, atividade que provoca discussão apaixonada. É, finalmente, apreciar também a firmeza das convicções, ainda que não sejam as nossas.

O julgamento da posteridade há de exaltar a notável contribuição que Jefferson Péres ofereceu ao País e às suas instituições. Jurista, destaco sua reconhecida atuação durante os mandatos que cumpriu no Senado Federal, nomeadamente na Comissão de Constituição e Justiça, ao dilucidar questões complexas e ao analisar, com rigor, inclusive semântico, os projetos, que enriquecia com a correta hermenêutica. Para ele, o direito era “a arte do bom e do justo” (jus est ars boni et aequi), conforme o definiam os romanos.

Honrar a memória dos ilustres homens públicos como foi o Senador Jefferson Péres constitui não somente um gesto de reconhecimento pelo exemplo de civismo que nos legou e serve, igualmente, de símbolo para as novas gerações tão carentes de atitudes inspiradas em virtudes republicanas. A res publica - coisa pública - preconizada por Cícero, quer enfatizar que apenas que o interesse público governa. São lições de quem fez do ato político uma reflexão diária.

Sr. Presidente, homenagear a memória de Jefferson Péres é reconhecer nele o cidadão, marido e pai zeloso pela família, família considerada pelo Papa João Paulo II como “Igreja doméstica”.

Sabemos, todos, sermos peregrinos na terra e que a vida não é tirada, mas transformada ao ser acolhida no reino de Deus.

Rui Barbosa, a quem tanto Jefferson Péres apreciava, ao discursar no enterro de Machado de Assis, afirmou: “A morte não extingue: transforma; não aniquila: renova; não divorcia: aproxima”.

O desaparecimento de Jefferson Péres, que tanto nos entristece, enche de vazio todos nós. Mas nos conforta recolher os ensinamentos que ele nos legou e os gestos que praticou ao longo da digna e proba vida.

Encerro, Sr. Presidente, com ás sábias palavras de Santo Agostinho:

Uma lágrima pela morte, evapora-se.

Uma flor sobre o túmulo, logo murcha.

Só a oração sobe até a Deus.

Que Deus o guarde! (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2008 - Página 20935