Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Critica o diretor de cinema José Eduardo Belmonte que, recebendo R$ 1 milhão do Ministério da Cultura, faz um filme desrespeitando ex-Presidentes da República.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Critica o diretor de cinema José Eduardo Belmonte que, recebendo R$ 1 milhão do Ministério da Cultura, faz um filme desrespeitando ex-Presidentes da República.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2008 - Página 16014
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • CRITICA, DIRETOR, CINEMA, DESRESPEITO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, FILME NACIONAL, UTILIZAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, MINISTERIO DA CULTURA (MINC), COMENTARIO, COPIA, PARTE, FILME ESTRANGEIRO, QUESTIONAMENTO, AUTORIZAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MOTIVO, PRESERVAÇÃO, IMAGEM VISUAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, CENSURA, ORADOR, COMBATE, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.
  • QUESTIONAMENTO, CRITERIOS, INVESTIMENTO, POLITICA CULTURAL, DEFESA, INCENTIVO, TRADIÇÃO, FOLCLORE, POVO.

            O R. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, para dizer que sou um cinéfilo, e eu vejo inclusive filme ruim, assim como o ledor compulsivo, quando não tem o que ler, lê até bula de remédio. Vejo os filmes bons e vejo os filmes ruins, enfim. E vejo, lógico, os filmes médios.

            Há um filme americano, se não me engano estrelado por Patrick Swayze, que retrata uns surfistas que, na adrenalina, assaltavam. Esses surfistas usavam máscaras: do Presidente Nixon, do Presidente Reagan e de outras personalidades americanas. Era uma forma de não se deixarem identificar pela polícia com facilidade. A polícia infiltra o mocinho, aquela coisa tradicional, e, ao fim e ao cabo, esse mocinho termina desbaratando a quadrilha.

            Mas, amigo pessoal do bandido principal, os dois têm uma crise, um conflito emocional muito grande, e o bandido, já em dúvida sobre se aquele era o seu caminho mesmo, se suicida, pegando uma onda impossível de ser surfada por um homem, por um ser humano.

            Muito bem, eu gostaria de dizer que tenho um fato aqui que julgo desagradável, porque envolve, Senador João Pedro, um amigo, pessoa que prezo e admiro, o Ministro da Cultura, Gilberto Gil.

            Esse filme a que me referi foi feito com toda a liberdade - e eu não estou aqui para censurar ninguém -, com dinheiro do produtor, ou porque ele arranjou emprestado, ou porque vendeu casa, vendeu carro, ou pegou emprestado no banco, ou já tinha. Enfim, ele deu o jeito dele e fez o filme.

            Muito bem, o Sr. José Eduardo Belmonte - e o jornal O Dia retratou esse fato pela pena do jovem e brilhante jornalista Paulo Celso Pereira - estava dirigindo um filme que mostra assaltantes com máscaras imitando os rostos do Presidente Fernando Henrique, do Presidente José Sarney e do Presidente Fernando Collor, dois dos quais aliados do Governo atual e o outro, Fernando Henrique, presidente de honra do meu Partido.

            Ora, se ele faz isso com o dinheiro dele, por mais que eu julgue, sem ter visto o filme, que é uma imitação barata do filme dos surfistas assaltantes, a única punição que eu daria ao filme seria não vê-lo. Talvez eu esteja aqui a divulgar o filme, que certamente seria um fracasso de bilheteria. Mas é que ele recebeu R$1 milhão do Ministério da Cultura. Aí não me parece justo que ele... Veja bem: eu não faria um filme, nunca, com ou sem dinheiro público, envolvendo esse tipo de expediente.

            Mas alguém poderia fazê-lo sem dinheiro público. Digamos que ele chegasse lá, e a mesma grosseria que fez com Fernando Henrique, com Sarney e com Collor ele resolvesse fazer com o Presidente Lula. Será que ele obteria o dinheiro do Ministério da Cultura? Minha impressão é de que ele não obteria. E, se estou certo e o Ministro autorizou, é porque entendeu que com os demais poderia fazer.

            Volto a dizer: lutei contra a censura durante todo o período em que ela vigorou no regime militar. Não concordo com censura. Se ele faz esse dinheiro vendendo a casa dele, com economias dele ou com o lucro de outro filme qualquer - nunca ouvi falar nele, e olha que sou cinéfilo, não sei o que ele já fez na vida -, que ele faça o que quiser. Pode correr atrás de quem ele quiser pôr. Que ele faça o que quiser fazer. Inclusive ele poderia alegar que não estava insultando ninguém; poderia alegar que era uma sátira feita pelos assaltantes, enfim, tal como no filme americano.

            Na explicação que ele dá ao jornal O Dia, ele fala que o filme reflete a desesperança do povo. Então, ele desconhece todos os escândalos que temos visto nesses últimos tempos. Parece-me claramente uma encomenda; ou seja, acredito que o Ministro Gilberto Gil deveria meditar sobre isso.

            Estou endereçando à Mesa um requerimento de informações ao Ministro, perguntando os detalhes sobre tudo isso.

            Mas, fica essa reflexão, Sr. Presidente. É uma grosseria, sobretudo porque é com dinheiro público e sobretudo porque feita com pessoas escolhidas. Então, liberar com a máscara do José Sarney pode, com a máscara do Fernando Collor pode e com a máscara do Fernando Henrique claro que pode, porque é adversário do Governo.

            A pergunta que eu faço é muito simples: se essa grosseria - e é uma grosseria - se estendesse ao Presidente Lula, será que sairia o dinheiro do Ministério?

            Então, quero dizer que temos que ter muito cuidado com isso, porque pode significar o aparelhamento da cultura no País. Eu entendo que política cultural não se faz alienando o povo, não se faz criando falsas verdades. Política cultural se faz apoiando aquilo que o povo já cria, como o Boi-Bumbá de Parintins por exemplo; se faz apoiando aquilo que o povo já faz, apoiando o Festival dos Peixes Cardinal e Acará-Disco no Município de Barcelos, no Estado do Amazonas, para ficar na minha terra; apoiando as manifestações que nascem nas ruas, nascem nos bairros pobres, que nascem do coração e da cultura popular, que é uma cultura que não depende de letra, não depende de leitura, é uma cultura que vem do coração do povo.

            Se eu, como locatário do poder, determino o que vai ser feito ou se eu condiciono o que vai ser feito ou se eu dou impressão de que com essas máscaras o dinheiro sai e com outras máscaras não sai, estou passando a idéia de que mais grosserias como essa podem ser feitas usando dinheiro público. Quero ficar muito atento, porque quem é que patrocina cultura neste País onde nós não temos uma indústria de entretenimento desenvolvida como nos Estados Unidos por exemplo? É a Petrobras, a Eletrobrás, são as estatais mais pujantes.

            Eu, então, chamo a Casa a esta reflexão por entender que - repetindo e encerrando - é livre de escrever o que quiser quem quiser; é livre de retratar a sua capacidade criadora do jeito que achar que deve fazer quem quiser fazê-lo, mas o Sr. Belmonte, parece-me, descobriu o jeitinho: “Se eu fizer isso aqui, passa”.

            Trata-se de R$1 milhão! Esse R$1 milhão serviria para financiar várias festas no interior do meu Estado, os esforços de pessoas humildes que fazem festas belíssimas em todos os municípios do Estado do Amazonas - não tem um município que não tenha uma festa bonita, popular, essencialmente popular, de baixo para cima mesmo. R$1 milhão, Sr. Presidente, para alguém, quem sabe, ter mais facilidade de acesso ao dinheiro porque colocou uma máscara com a cara do Presidente Fernando Henrique, com a face do Senador José Sarney - e eu até estranhei, porque, hoje, é um baluarte do Governo; o Presidente Collor, que está aqui, é homem que também defende o governo do Presidente Lula.

            Não é esse o Gilberto Gil que eu conheci, esse não é o Gilberto Gil do Expresso 2222. Não é. Não é o Gilberto Gil que foi obrigado a se exilar em Londres. Não é o Gilberto Gil. Não é o Gilberto Gil da sensibilidade que me faz admirá-lo e que me faz, inclusive, ter dificuldade de criticá-lo. Eu disse isto a ele uma vez: “Sou tão seu admirador que vai ser muito fácil para mim criticar qualquer Ministro e muito difícil criticá-lo”. Ele deve se lembrar disso. Ele falou: “Não, critique à vontade, Senador”. É claro que hoje eu tenho que criticá-lo, criticar um ídolo meu -acompanho suas músicas e sua vida. Acompanhei sua ousadia nos tempos irreverentes do Tropicalismo, numa hora de enorme fechamento político neste País: aquela irreverência não deixava de ser uma manifestação política, sim, contra o regime de força que nos sufocava a todos.

            Mas estou achando que, meu Deus do céu... Quer dizer que, se fizer uma grosseria com o Presidente Fernando Henrique, sai o dinheiro? Facilmente: R$1 milhão.

            A minha pergunta é simples, para encerrar mesmo: se tivessem incluído na grosseria mais um nome, o do Presidente Lula, sairia o dinheiro? É uma reflexão que peço a V. Exª que faça comigo e sobre a qual peço à Nação que reflita. Se é assim, se com a face do Presidente Lula não sai e com a face do Presidente Fernando Henrique sai, então estão autorizando meu partido a, amanhã, chegando ao poder, repetir essa mesma coisa? O meu partido não fará isso, não estigmatizará seus adversários usando dinheiro público. Será que esse é o melhor caminho a ser trilhado pela democracia brasileira? Estou aqui fazendo várias perguntas para as quais tenho as minhas respostas, na minha cabeça e no meu coração, mas fazendo várias perguntas que eu gostaria que fossem respondidas pela Nação como um todo, para nós sabermos se estamos indo para caminhos ou para descaminhos, para vãos ou para desvãos, em linha reta ou em linhas turvas, em águas claras ou em águas barrentas, Sr. Presidente.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2008 - Página 16014