Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória de Benedito Monteiro, o "Bené dos paraenses", falecido recentemente.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Homenagem à memória de Benedito Monteiro, o "Bené dos paraenses", falecido recentemente.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2008 - Página 21796
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, EX-DEPUTADO, ESCRITOR, PROCURADOR-GERAL, ESTADO DO PARA (PA), COMENTARIO, BIOGRAFIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFENSOR, DEMOCRACIA, REGIÃO AMAZONICA, REFORMA AGRARIA, REFERENCIA, OBRA ARTISTICA, RECONHECIMENTO, EXTERIOR.
  • CRITICA, PROGRAMA, ACELERAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, REGIÃO AMAZONICA, PERMANENCIA, DESTRUIÇÃO, FLORESTA AMAZONICA, MISERIA, POPULAÇÃO, PREJUIZO, COMUNIDADE INDIGENA, EXPLORAÇÃO, DESVIO, RECURSOS NATURAIS.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Jefferson Praia, Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna, para fazer uma homenagem a um ilustre brasileiro que sai do nosso convívio, para compor o encantamento do universo.

O tempo é de réquiem (da expressão em latim requiem aeternam dona eis - “dai-lhes o repouso eterno”), porque, no último dia 15 de junho, o Pará e o Brasil perderam Benedito Monteiro, o Bené dos paraenses.

Paradoxalmente, é também momento de celebração da vida que se imortaliza em sua obra e exemplo. Benedito Monteiro buscou a plenitude do seu tempo, fazendo escolhas que o tornaram um homem ímpar frente às circunstâncias desafiadoras, sempre se postando em defesa do povo.

Para repassá-lo ao Brasil, recorro às palavras do jornalista Mário Drumond (revista Caros Amigos, de novembro de 2006), que assim o descreveu:

Homem do povo, getulista histórico, amigo de Jango, Brizola e Ribeiro, Deputado Estadual do Pará, cassado, caçado e preso em 1964, anistiado e eleito duas vezes Deputado Federal, Procurador-Geral e Secretário de Estado do Pará, o escritor nascido e criado às margens do Amazonas renovou a literatura, a poesia, a música e a filosofia do seu povo. Autor de romances, poesias, músicas e muitos livros publicados, entre os quais a sua tetralogia amazônica, que imortaliza o personagem Miguel, um mestiço que a pena de Benedito fez ícone da nacionalidade, elevando-o à galeria maior da nossa representação literária, onde já figuram o sertanejo, de Euclides da Cunha; o jeca, de Monteiro Lobato; e o gaúcho cantado nos ditirambos dos pampas.

Benedito Wilfredo Monteiro nasceu em Alenquer, no Pará, em 1º de março de 1924, transferindo-se mais tarde para Belém, onde se diplomou como bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito.

Foi eleito Deputado Estadual para dois mandatos. Em 1964, em seu segundo mandato, sob a alegação, Senador Mão Santa, de subversão, foi cassado, preso, torturado, marginalizado e teve seus direitos políticos suspensos por dez anos. Quando saiu da prisão, dedicou-se ao exercício da advocacia agrária e à literatura, tendo publicado o livro intitulado Direito Agrário e Processo Fundiário.

Com a redemocratização do País, elegeu-se Deputado Federal em 1982 e reelegeu-se para a Assembléia Nacional Constituinte.

Em várias ocasiões, demonstrou seu inconformismo com o fato de a Amazônia ser vista pelas elites nacionais e mundiais apenas como depósito de riquezas estratégicas, exemplificando que todo o ferro de Carajás é exportado e que o alumínio produzido no Pará é dos japoneses. Afirmava também que a única solução possível para o Brasil começaria por uma reforma agrária.

Certa feita afirmou: “Quando escrevo, faço o exercício da minha mais íntima liberdade”. Ao sair da prisão em 1964, pretendia escrever um grande romance sobre a Amazônia e o povo amazônida. Dessa vontade, surgiu a Tetralogia Amazônia: Verde Vagomundo, O Minossauro, A Terceira Margem e Aquele Um; além dos livros Carro dos Milagres, Cancioneiro do Dalcídio, Como se faz um Guerrilheiro, Maria de Todos os Rios e outros, todos publicados por editoras do Rio de Janeiro e de São Paulo. Seus livros têm sido objeto de estudo nas universidades brasileiras e ainda em universidades da França e da Alemanha. Recentemente, Maria de Todos os Rios foi publicado na Holanda.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço esta homenagem até como desagravo ao meu Estado e à Amazônia, tão castigados pelas mazelas impostas por um sistema político e econômico que privilegia sempre interesses alheios às necessidades mais sentidas de seu povo. Refiro-me ao modelo de desenvolvimento predatório imposto historicamente à Amazônia que está na raiz dos graves desequilíbrios socioambientais que nosso País atravessa.

Não é por menos que sempre atualizo a crítica aos planos governamentais para a Amazônia, neste momento o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), porque no cerne, não descartam o aprofundamento da devastação e da miséria social, traduzido em devastação de florestas, saque de riquezas naturais, prejuízos irreparáveis para os povos indígenas, para as comunidades tradicionais e para as maiorias urbanas.

Para finalizar esta homenagem a um amazônida abnegado que acreditava em seu povo, transcrevo as palavras de seu personagem-ícone, Miguel, em Verde Vagomundo, porque, por meio de sua obra ficcional, Bené fazia um manifesto ecológico ao tratar o homem como parte da natureza, não como perigo para essa mesma natureza:

Nego as mortes e renego as mortes, todas as mortes. As mortes de ficar calado, as mortes de ver a água correr, as mortes de ver o rio sempre passar, as mortes gerais dos homens que envelhecem. E nego e renego as mortes. Eu só afirmo a vida. As minhas afirmativas só são de bem-querer, de bem-viver e de bem-lutar (...)

Essa, Sr. Presidente, Senador Jefferson Praia, e Senador Mão Santa, é a homenagem que faço aqui, em nome do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e de todos os democratas e lutadores do Pará, que tinham em Bené Monteiro um exemplo, uma trajetória digna e respeitada. Portanto, ao partir, ele deixa, além da saudade, a marca de quem acreditou na liberdade de seu povo e por ela lutou.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2008 - Página 21796