Discurso durante a 107ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Manifestação sobre os trabalhos da CPI da Pedofilia.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL.:
  • Manifestação sobre os trabalhos da CPI da Pedofilia.
Aparteantes
Magno Malta, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/2008 - Página 21852
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, PARCERIA, MINISTERIO PUBLICO, POLICIA FEDERAL, IDENTIFICAÇÃO, PUNIÇÃO, CRIMINOSO, COMPETENCIA, EXPEDIÇÃO, MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO, QUEBRA DE SIGILO, AGILIZAÇÃO, INVESTIGAÇÃO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, AMBITO NACIONAL, TIPICIDADE, CRIME, INTERNET, ESPECIFICAÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, PORNOGRAFIA, CRIANÇA, ADVERTENCIA, DIFICULDADE, MOTIVO, CONFLITO, LEIS, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, NECESSIDADE, COMBATE, IMPUNIDADE.
  • DEFESA, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, TRATADO, PAIS ESTRANGEIRO, HUNGRIA, COMBATE, CRIME, INTERNET, ELOGIO, DECISÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, SETOR, CRIAÇÃO, OBSTACULO, DIVULGAÇÃO, PORNOGRAFIA, CRIANÇA.
  • LEITURA, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMENTARIO, OBRIGATORIEDADE, CIDADÃO, CONGRESSISTA, BUSCA, PROTEÇÃO, DIREITOS, CRIANÇA, ELOGIO, PROMESSA, GARIBALDI ALVES FILHO, PRESIDENTE, SENADO, PRIORIDADE, VOTAÇÃO, PROJETO, COMBATE, EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, a propósito, venho falar sobre o mesmo tema de que falou o Senador Magno Malta neste momento.

Sempre tive restrições em participar de Comissões Parlamentares de Inquérito, por entender que esse não é o papel do Congresso Nacional, apesar de ter consciência de que esse foi um instrumento de extrema importância na história recente do Brasil.

Mas para toda regra há uma exceção. Digo isso para reconhecer aqui, perante os nobres Colegas, o trabalho que está sendo desenvolvido pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Pedofilia. Consenso entre os Partidos governistas e oposicionistas, a CPI está funcionando como instrumento de auxílio ao Ministério Público e a Polícia Federal com a identificação e punição dos envolvidos nessa prática, que é repugnante.

Como a CPI tem poderes para executar mandados de busca e apreensão e quebras de sigilo, seu objetivo é dar celeridade às investigações já em andamento. Sem estardalhaços, sem autopromoção e sem holofotes, mas com responsabilidade política e social, os membros da CPI, em parceria com o Ministério Público e a Polícia Federal, estão realizando um extraordinário trabalho naquela Comissão. Os trabalhos estão sendo desenvolvidos com seriedade e muita dedicação.

Devido à importância e gravidade do assunto, os meios de comunicação estão acompanhando, divulgando e elogiando o trabalho que está sendo realizado.

Dentre outras Comissões, faço parte, aqui no Senado, da Comissão de Direitos Humanos. Recentemente, durante a reunião da CPI da Pedofilia, nós, da Comissão de Direitos Humanos, disponibilizamos à CPI os dados de mais de 4.000 páginas do site de relacionamento Orkut, que investigamos quando os usuários ainda não dispunham de ferramenta de privacidade.

Toda a CDH comemorou, e muito, a divulgação da informação pela CPI da Pedofilia, da quebra do sigilo do Orkut. Foram seis anos tentando, sem sucesso, quebrar o sigilo de vários endereços da Internet.

Cumprimento o Presidente do Congresso Nacional, Garibaldi Alves, que firmou o compromisso público de priorizar a votação de todos os projetos que visem reprimir a pedofilia.

Devo ressaltar, ainda, que a união de esforços está gerando resultados. O site de buscas Google do Brasil, responsável pelo Orkut, mudou sua postura e assumiu o compromisso de adotar medidas para facilitar a identificação de pedófilos que utilizam a rede. Uma das medidas é adotar novos filtros para impedir a divulgação de material com pornografia infantil pelo Orkut.

Dos casos de pornografia infantil denunciados no Brasil, cerca de 90% ocorrem no Orkut. Recentemente, os membros da CPI da Pedofilia receberam do Google os dados de 3.261 perfis privados do Orkut, suspeitos de conter material pornográfico infantil.

Senhoras e senhores, o Brasil é o país da América Latina com o maior número de usuários da rede mundial de computadores, a Internet. São 42 milhões, o que significa metade dos internautas latino-americanos. Além disso, 27 milhões de brasileiros têm página no site de relacionamento Orkut. Um terço dos usuários brasileiros tem entre 10 e 15 anos de idade, o que torna urgente a adoção de medidas para combater a divulgação de pornografia infantil, por meio do Orkut, e o aliciamento de crianças em salas de bate-papo virtuais, onde é freqüente a presença de pedófilos.

Os sites de conteúdo pornográfico são os que têm o maior público na Internet, e aí estão incluídos aqueles onde se cometem crimes sexuais contra crianças.

A Internet facilita a prática do crime de pedofilia, já que é um espaço onde pessoas das mais diversas nacionalidades trocam informações, sem que haja uma legislação específica em vigor para regulamentar essas trocas. É uma espécie de “zona livre” de direitos.

Por isso, acabam prevalecendo as leis específicas de cada país, o que gera conflito e impunidade. Um exemplo dessa complexidade é o fato de que cada país apresenta uma legislação diferente quanto à idade para o início do sexo.

O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - V. Exª me concede um aparte, Senadora Lúcia Vânia?

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Pois não, Senador Magno Malta.

O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Parabéns pelo pronunciamento. V. Exª, que é da causa, conhece a causa. O problema do Google, que nos envergonha, é que os advogados do Google no Brasil, brasileiros, orientaram a empresa a não cumprir a lei no Brasil. Podemos não ter leis específicas para combate a crime cibernético, mas nosso Código Civil diz que qualquer empresa multinacional que põe os pés no País torna-se empresa nacional, e é obrigada, minimamente, a cumprir as leis do País. Se o servidor deles está nos Estados Unidos, o criminoso está aqui. Se o servidor está lá, as crianças abusadas estão aqui. O servidor está lá, mas eles estão ganhando dinheiro aqui. Então, têm que cumprir a lei daqui. Quando eles contrataram o Dr. Márcio Thomaz Bastos - e ele me ligou porque havia sido contratado pelo Google -, eu disse: “Graças a Deus, vou cantar a Aleluia, de Handel”, porque contrataram um Ministro da Justiça que, tenho certeza, não jogará contra o País. O Ministério Público vem lutando o tempo todo a favor do Termo de Ajuste de Conduta, e já existem precedentes de bons comportamentos votados no Reino Unido e na Inglaterra com o próprio Google, que é o que queremos para o Brasil. E caso esse Termo de Ajuste de Conduta com eles e com outras operadoras seja negado, vamos ter que transformar isso em lei, e serão obrigados a cumprir a lei. Além das ferramentas a que V. Exª se refere, estamos pedindo outras - não sei se falei a esse respeito pessoalmente com V. Exª -, como uma em que o pai fará seu cadastro e, dessa forma, poderá entrar em toda a navegação do filho, até mesmo nos arquivos que o filho deletou há dois anos. Cria-se, assim, todo um mecanismo dentro da realidade brasileira. Não podemos pagar o mico de estarmos no pódio da vergonha; ou seja, do abuso de crianças no Brasil. Parabéns a V. Exª, à Senadora Patrícia e à minha amiga Laura Carneiro, que não é mais Deputada Federal; àqueles que fizeram a CPI, no começo desta Legislatura no Senado, de combate à exploração infantil, de combate à exploração sexual. V. Exª é uma pessoa que conhece o assunto. Em São Paulo, um taxista me disse: “Olha, quem leva criança para o abuso na madrugada, nesses lugares, são normalmente taxistas. Eu queria sugerir que o taxista, ao carregar uma criança no carro, que seja só o filho, e com documento. Se não for filho, e ele não tiver como provar, e estiver carregando uma criança fora de hora para qualquer endereço, ao ser abordado, perderá a placa e terá uma multa mínima de um a dois anos, sei lá o quê. Quer dizer, as pessoas estão se levantando contra. E essa é a verdade. No Norte, no Nordeste ou mesmo em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde há abuso de crianças, elas são levadas para isso, e muitas vezes entregues pelos próprios pais. Parabéns a V. Exª por vir à tribuna. Isso é encorajador. Espero que outros venham à tribuna para falar do assunto, porque o Brasil inteiro se levanta, se junta, e repudia esse crime miserável, que V. Exª conhece tão bem. Minha felicidade é tê-la junto conosco para nos ajudar.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Agradeço, Senador Magno Malta.

Também vi com muita alegria a presença do ex-Ministro Márcio Thomaz Bastos como advogado do Google. Isso, sem dúvida nenhuma, facilitou todo o trabalho de V. Exª à frente daquela CPI.

Mesmo tendo consciência do fato, causa-nos espanto saber que inúmeros sites pornográficos, com imagens de crianças e adolescentes, estejam disponíveis na Internet. Abrigados em outros países, esses sites não possuem registro, e seus autores permanecem impunes.

O que mais preocupa são os sites chamados “ponto-com”, já que seu domínio está registrado no órgão oficial internacional da Internet, sem associação a nenhum país de origem, o que dificulta a ação da polícia.

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente pune, com até quatro anos de reclusão, quem produz, dirige ou publica imagens pornográficas infanto-juvenis. Porém, a punição não vem sendo cumprida, uma vez que não existe legislação específica para os crimes praticados na Internet.

Srªs e Srs. Senadores, é imprescindível que o Brasil seja signatário da Convenção Internacional do Cibercrime, a Convenção de Budapeste, já assinada por 47 países da União Européia, além do Japão, Estados Unidos, Coréia do Sul e África do Sul.

Para integrar a Convenção de Budapeste e participar de tratados internacionais de combate aos infocrimes, o Brasil precisa ter uma legislação pertinente com a dos demais países.

O nobre Senador Eduardo Azeredo tem um substitutivo a três projetos que tramitam nesta Casa, já aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Esporte e na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática, que, entre outras inovações, amplia as leis brasileiras, para que possam tipificar os infocrimes, entre eles, a pedofilia.

Atualmente, o substitutivo que amplia oito leis brasileiras está na Comissão de Assuntos Econômicos.

Sr. Presidente, acredito que o momento é oportuno para dar seguimento à tramitação dos projetos, que ainda seguirão, após a manifestação da CAE, para análise da CCJ, antes de virem à apreciação deste Plenário.

Para concluir, cito o art. 227 da Constituição Federal, que determina:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Aqui, neste Plenário, não somos apenas Senadores e Senadoras. Somos pais e mães, filhos e filhas, enfim, cidadãos, e sobre nós recai, de qualquer ângulo que se leia esse texto constitucional, o dever de zelar por nossas crianças.

Concedo o aparte à Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Senadora Lúcia Vânia, também quero cumprimentá-la pelo seu pronunciamento. Sei o quanto, para as senhoras que iniciaram esse trabalho, deve ter sido doloroso acompanhar todo esse processo. Acho que estamos diante de uma situação que está requerendo das instituições públicas, das pessoas de um modo geral uma grande reflexão e um grande envolvimento. O envolvimento diz respeito a que medidas estamos tomando, para que as leis sejam cumpridas, para que as penas sejam severas, para que ninguém tenha a expectativa da impunidade. E, ao mesmo tempo, feito isso, sabemos que existe uma grande quantidade de pessoas, as crianças e os seus familiares, que já estão desestruturados, sofrendo as conseqüências desses atos que não temos sequer como qualificar. É fundamental que possamos pensar paralelamente a toda essa estrutura de combate e de prevenção, porque temos de criar meios para prevenir; ao mesmo tempo, temos de buscar os meios, para pelo menos tratar o dano causado, porque essas crianças, esses jovens e adolescentes ficam com seqüelas emocionais, psicológicas e precisam de atendimento e acolhimento. Hoje, sabemos, existem espaços em que esses tratamentos podem ser feitos, e, cada vez mais, as pessoas que vêm sofrendo as conseqüências desse grave problema necessitam desse acolhimento. Talvez tenhamos de fazer um olhar para o que o Estado oferece como meio de tratamento, sobretudo para aqueles que não dispõem dos meios para fazê-lo de uma forma privada. E, mesmo para esses, é fundamental que o Poder Público tenha o psicólogo, psicopedagogo, enfim, as pessoas certas, para lidar com os pais, com os cuidadores e com as pessoas que foram diretamente molestadas, que foram vítimas. Então, parabenizo V. Exª e me coloco também à disposição daqueles que já estão trabalhando, para que possamos, digamos assim, estar juntos nesse esforço...

(Interrupção do som.)

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - ... tanto no que diz respeito à lei, quanto no que diz respeito ao seu cumprimento e aos meios para que isso aconteça. Lembro que, aqui no Senado, por iniciativa minha, aumentou-se a pena para os crimes de abuso de crianças com imagens na Internet, essas que os senhores sabem muito bem. De sorte que a segunda reflexão que gostaria de fazer - e esta é de fato uma reflexão que temos de fazer - é a de que estamos vivendo um mundo adoecido. É um mundo adoecido. Se continuarmos dando um tratamento como se fosse apenas um problema de caráter, não estaremos enfrentando a questão nas suas várias dimensões. Há um adoecimento grave, uma desestruturação da tessitura social, que leva a esse tipo de coisa. Quando uma sociedade não é capaz de respeitar os seus idosos, isso é muito triste. Quando uma sociedade não é capaz de respeitar as suas crianças, isso é querer pôr um fim à vida, porque, se não se é capaz de respeitar a fase em que a vida inicia e a que ela amadurece, estão-se inviabilizando, de alguma forma, as possibilidades de a vida humana desenvolver-se num ambiente razoavelmente saudável. Temos uma sociedade que abusa de suas crianças, e, a todo momento, vemos pessoas idosas sendo espancadas, maltratadas. Então, há um grave problema de caráter - não estou entrando nesse tema -, mas também de adoecimento. Precisamos fazer uma reflexão sobre que processos sociais estão em curso; que processos culturais estão em curso, que estão levando a que algumas partes do tecido social pareçam estar apodrecendo. De sorte que parabenizo V. Exª, com a sensibilidade que tem, com a experiência que tem, para que juntas possamos trabalhar uma agenda como essa, juntamente com os Senadores e com os diferentes setores da sociedade brasileira.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Agradeço à Senadora Marina.

Quero dizer, Senadora, que a sua presença é motivo de muita alegria para todas nós. A sua presença significa sensibilidade - sensibilidade por tudo aquilo que temos introjetado neste Plenário em relação aos problemas sociais.

Era comum o Senado se preocupar muito com as questões econômicas e passar de leve sobre os problemas sociais, mas acredito que a presença feminina e de Senadores que têm muita sensibilidade com as questões sociais mudou um pouco esse perfil. E V. Exª, com a experiência, com a sensibilidade e com a vivência que tem em uma região que precisa muito do apoio de políticas públicas, apoio do Governo, de maneira geral, é uma pessoa que vem acrescentar e muito ao nosso trabalho. Tenho certeza de que a presença de V. Exª irá enriquecer este trabalho e irá também ajudar a buscar novos caminhos, que ainda não encontramos.

Batemos, durante quase oito anos, em relação a esse tema, mas muito pouco avançamos. É preciso que tenhamos criatividade e sensibilidade para buscar novos caminhos e encontrar uma forma de mobilizar e sensibilizar a sociedade para esse grave problema, como disse V. Exª, que afeta não só as nossas crianças e adolescentes, como também os nossos idosos. Deixo-lhe aqui o meu abraço.

Sr. Presidente, agradeço-lhe pela tolerância do tempo. Quero dizer também que V. Exª, que é um parlamentar recém-chegado nesta Casa e que traz consigo uma bagagem também comprometida com o social, é participante das nossas comissões e, tenho certeza, poderá contribuir e muito para o enriquecimento desse novo trabalho.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/2008 - Página 21852