Discurso durante a 110ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a situação econômica da Argentina e o cenário econômico brasileiro.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Reflexão sobre a situação econômica da Argentina e o cenário econômico brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2008 - Página 22918
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, FALTA, CONTROLE, GASTOS PUBLICOS, AUSENCIA, DEFINIÇÃO, NORMAS, INVESTIMENTO, EFEITO, INFLAÇÃO, POBREZA, REGISTRO, DADOS, COMPARAÇÃO, BRASIL, SEMELHANÇA, PROBLEMA, REGULAMENTAÇÃO, EXCESSO, INTERFERENCIA, EXECUTIVO, AGENCIA NACIONAL, PERDA, CONFIANÇA, CAPITAL ESTRANGEIRO.
  • DENUNCIA, IRREGULARIDADE, VENDA, VIAÇÃO AEREA RIO GRANDENSE S/A (VARIG), PARTICIPAÇÃO, ADVOGADO, PARENTE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPECTATIVA, DEPOIMENTO, COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA, SENADO, QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC).
  • APREENSÃO, DADOS, AUMENTO, INFLAÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ALIMENTOS, ANALISE, CONJUNTURA ECONOMICA, AMBITO INTERNACIONAL, PERDA, GOVERNO BRASILEIRO, OPORTUNIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, DIVERGENCIA, AUTORIDADE FEDERAL, PROVIDENCIA.

            O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Papaléo Paes, Srªs e Srs. Senadores, temos um vizinho em situação difícil, um vizinho que inspira cuidados. Refiro-me à Argentina, que começa a viver uma situação econômica da maior complexidade. E nós sabemos o porquê: o descontrole de gastos; a ausência de regras claras para investir, produzindo inflação e pobreza.

            Nós abordamos essa situação de complexidade na Argentina exatamente para refletirmos sobre as perspectivas que se abrem para o nosso País. A falta de regras claras para investir, segundo os especialistas argentinos, impede a atração de investimentos estrangeiros que possibilitem atingir um modelo sólido de crescimento.

            Essa é a realidade argentina. Não é diferente da realidade brasileira.

            O aumento do gasto público foi avassalador. Entre 2002 e 2007, passou de $48 bilhões (de pesos) para $155 bilhões (de pesos), algo em torno de US$51 bilhões. E, na seqüência da gastança e escassez dos investimentos estrangeiros, o Governo Kirchner continuou elevando o gasto público, utilizando um sistema de retenções usado para taxar as exportações, principalmente petróleo e cereais.

            Nós estamos desenhando esse cenário argentino para refletirmos sobre o nosso cenário.

            Os preços lá disparam em meio a uma crise de desabastecimento nos supermercados. Há discrepância entre dados oficiais e os índices colhidos por instituições privadas. A região metropolitana de Buenos Aires, uma cidade de 360 mil habitantes, chega a abrigar um contingente de 100 mil pessoas abaixo da linha de pobreza.

            Diante desse cenário argentino, respeitadas as devidas peculiaridades de cada país, não podemos deixar de tecer alguns comentários sobre o Brasil.

            A falta de regras claras para investir na Argentina está reproduzida no Brasil. Nossos marcos regulatórios precisam ser definidos, e as agências reguladoras não podem sofrer interferência do Executivo.

            Há muito tempo nós estamos, desta tribuna, e outros Srs. Senadores, da mesma forma, abordando essa questão. O sistema regulatório brasileiro não alcançou o patamar que se exige para oferecer segurança, principalmente a investimentos estrangeiros no nosso País. O Governo Lula, desde o início, demonstrou verdadeiro horror às agências. Instituídas no Governo de Fernando Henrique Cardoso, elas vieram para constituir um cenário que oferecesse segurança a investimentos não só nacionais como também estrangeiros no nosso País.

            Falo em interferência, interferência indevida. Não só o menosprezo à agência, não só o desmonte das agências reguladoras, mas também a indevida interferência. O caso notório é o da venda da Varig. É um episódio em investigação. Ainda hoje a imprensa destaca que o advogado Roberto Teixeira, compadre do Presidente Lula, esteve em pelo menos seis oportunidades visitando o Presidente no Palácio do Planalto. Obviamente, não foi falar de flores. Certamente foi tratar de assuntos do seu interesse, nesta relação de promiscuidade que se estabeleceu entre Poder Executivo e o setor privado. Ele passou a ser, talvez, o mais forte elo entre o Poder Público e o poder privado nesta relação espúria de verdadeira promiscuidade - eu repito.

            O compadre do Presidente da República está no epicentro dessa crise que decorre da venda suspeita da VarigLog. O Senado Federal terá de ouvir o Sr. Roberto Teixeira, como terá que ouvir também o empresário Marco Audi. Já foram convidados, o depoimento foi adiado, há dúvida sobre o comparecimento do Dr. Roberto Teixeira. Mas, diante dos fatos novos, das últimas revelações, não há como abrir mão da sua presença no Senado Federal para esclarecer o que deve ser esclarecido.

            Na semana passada, compareceu para depor; não foi possível o seu depoimento, porque os empresários convocados não puderam comparecer. Ele afirmou que recebera não US$5 milhões, mas US$350 mil, em razão da advocacia que prestou na transação efetuada para a venda da Varig. Depois, ele confessou ter recebido US$3,2 milhões e, finalmente, admitiu ter recebido US$5 milhões.

            Portanto, duas mentiras e uma verdade para um mesmo fato. Isso agrava, isso torna mais importante o seu depoimento à Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado Federal. Nós não podemos instalar uma comissão parlamentar de inquérito neste momento, porque estamos desautorizados política e moralmente, uma vez que as últimas CPIs se transformaram em fracasso rotundo. Nós tivemos a desmoralização desse instituto fundamental no processo de fiscalização do Poder Executivo. O Governo dominou as CPIs, as duas últimas especialmente, fez delas o que bem quis, e impediu que se investigasse para que a frustração fosse o resultado definitivo delas.

            É por essa razão que, embora elementos existam para a instalação de uma CPI agora, não a recomendo, por não desejar uma desmoralização definitiva de um instituto que tem de ser preservado, porque é essencial para a fiscalização, obrigação do Poder Legislativo.

            Fiz referência a esses fatos porque dizem respeito ao conteúdo do pronunciamento que aborda a importância de um sistema regulatório eficiente, que destaca a necessidade de agências reguladoras eficientes para oferecer segurança aos investidores e não de agências reguladoras como a Anac, que ficou sujeita a imposições autoritárias de quem deveria preservá-la. A interferência foi confessada aqui por Drª Denise Abreu. Houve interferência sim, houve pressão sim. Isso foi proclamado em seu depoimento e foi evidenciado pelos fatos que se sucederam desde o início das negociações para a venda da Varig. Não é essa a agência reguladora que se deseja para um país que precisa crescer.

            Volto ao conteúdo do pronunciamento.

            O fantasma da inflação que assombra os argentinos não pode ser menosprezado entre nós. Os avanços da inflação no atacado, no varejo e na construção civil levaram o Índice Geral de Preços - 10 (IGP-10) a atingir o maior patamar em mais de cinco anos. O indicador subiu 1,96% ante 1,52% em maio. A taxa em doze meses até junho ficou em 12,71% - a maior em mais de quatro anos.

            Em que pese o cenário de altas disseminadas de preços, o coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getúlio Vargas, Salomão Quadros, não acredita que o teto de 6,5% da meta inflacionária para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) possa ser ultrapassado em 2008.

            Esperamos que se confirme essa previsão do especialista da Fundação Getúlio Vargas, mas a volta da inflação é indiscutível. Aqueles que comparecem hoje aos supermercados sentem, no próprio bolso, que a inflação voltou para valer, especialmente no que diz respeito aos preços dos alimentos.

            É preciso relembrar que o atual Governo deu continuidade à política econômica de Fernando Henrique Cardoso, numa seqüência de uma conjuntura internacional econômica extraordinariamente favorável. O mundo crescia a taxas galopantes, e a demanda por produtos de que o Brasil dispunha nunca havia estado tão aquecida.

            Perdemos oportunidades preciosas em cenários que provavelmente não se repetirão tão cedo. Não foram feitas as reformas estruturais, e nosso crescimento foi pífio. O Brasil, o Governo brasileiro, não adotou mecanismos de controle dos gastos públicos, não promoveu reforma administrativa, permitiu o agigantamento do Estado brasileiro, criando ministérios, diretorias, coordenadorias, cargos comissionados, aumentando as despesas de custeio de forma significativa, limitando ainda mais a capacidade de investimento do Estado brasileiro. A prioridade foi o aparelhamento do Estado.

            O Governo se tornou perdulário, gastador mesmo, Senador Papaléo Paes, fazendo gastos desnecessários, supérfluos, mantendo paralelismos que não se justificam numa administração competente, invertendo prioridades e, com isso, desperdiçando oportunidades preciosas de crescimento, oportunidades que não voltam, oportunidades que, lamentavelmente desperdiçadas, significaram o impedimento de um crescimento maior, que ofereceria oportunidade de trabalho, de renda, de receita pública, de vida digna a milhares ou a milhões neste País.

            Nesse tempo, nesse momento favorável da economia internacional, as nossas exportações cresceram, acumulamos dólares, o real se valorizou e as nossas reformas cresceram, mas o Governo não fez a sua parte. O Governo brasileiro foi incapaz de acompanhar o bom momento da economia mundial.

            E agora o tempo virou. O céu deixou de ser de brigadeiro. Em que pese já ter passado a pior parte da crise norte-americana e da Europa, o “mundo está hostil”, como bem define o analista Carlos Alberto Sardenberg. Podemos ir além: as hostilidades estão por toda parte. O rescaldo da crise financeira dos Estados Unidos, por si só, não é desprezível.

            Os emergentes (exceção do Brasil) que eram os carros-chefe do crescimento - principalmente a China - estão às voltas com surtos inflacionários. Seja qual for o fulcro da crise em curso, o fato incontestável é que as economias, não só a nossa, estão desacelerando.

            Para debelar a crise que se avizinha, não há consenso entre os estrategistas do Governo quanto ao caminho a seguir, seja no que se refere ao combate da inflação ou diante de outros impasses. O Banco Central identifica a inflação impulsionada por excesso de demanda, daí eleva os juros. O titular da Pasta da Fazenda faz pregação contrária: a alta de preços seria localizada e não seria recomendável o corte de gastos do Governo. O Governo fecha os olhos para a realidade e continua gastando como se nada estivesse acontecendo, como se o tempo não tivesse mudado na economia mundial.

            A retórica oficial é pautada pelo marketing e por efeitos especiais. A cadeia de comando é frágil e contraditória. Mesmo com a estabilidade macroeconômica preservada, é recomendável cautela e responsabilidade.

            Não podemos esquecer que os gargalos logísticos podem inviabilizar o crescimento de forma irremediável. Um exemplo atual: a região conhecida como capital mundial da cana-de-açúcar e do etanol não dispõe de um aeroporto digno do nome. O terminal aéreo de Ribeirão Preto é precário. Esse é um exemplo entre tantos que poderiam aqui ser apresentados.

            Falta planejamento, falta projeto, falta competência gerencial, e os atributos éticos vivem uma prolongada entressafra. Portanto, é preciso mudar, Sr. Presidente. Aliás, a palavra mudança foi o slogan de campanha vitorioso do Partido Democrata americano, que indicou Obama candidato a Presidente da República. Aquele slogan serve agora para o Brasil.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/2008 - Página 22918