Discurso durante a 113ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a respeito do ultimato recebido por imigrantes que residem em 27 países da União Européia para que, no prazo de dois anos, voltem às suas terras de origem.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Comentários a respeito do ultimato recebido por imigrantes que residem em 27 países da União Européia para que, no prazo de dois anos, voltem às suas terras de origem.
Aparteantes
Marco Maciel.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2008 - Página 23839
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, UNIÃO EUROPEIA, TRATADO, AUMENTO, CONTROLE, IMIGRAÇÃO, CONCLAMAÇÃO, RETORNO, IMIGRANTE, REGISTRO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, PROVIDENCIA, SEMELHANÇA, MANIFESTAÇÃO, CHEFE DE ESTADO, AMERICA LATINA, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.
  • ELOGIO, HISTORIA, POSIÇÃO, BRASIL, ACOLHIMENTO, CONTRIBUIÇÃO, EMIGRANTE, ESPECIFICAÇÃO, CONTINENTE, EUROPA, POSTERIORIDADE, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, ANALISE, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, EMIGRAÇÃO, OBJETIVO, TRABALHO, EFEITO, MOVIMENTAÇÃO, ECONOMIA, UNIÃO EUROPEIA, TRANSFERENCIA, RECURSOS, PAIS, TERCEIRO MUNDO, IMPORTANCIA, VALORIZAÇÃO, PROCESSO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, MUNDO.
  • ANALISE, HISTORIA, COLONIZAÇÃO, EUROPA, AMERICA LATINA, EXPLORAÇÃO, RETIRADA, RIQUEZAS, RECURSOS NATURAIS, AUSENCIA, COMPENSAÇÃO.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, agradeço ao Senador Marco Maciel a oportunidade desta permuta, para que eu possa falar sobre um tema da mais alta importância, de vez que se refere a, pelo menos, oito milhões de imigrantes que residem em 27 países da União Européia e que estão recebendo praticamente um ultimato desses 27 países para, em dois anos, voltarem à sua terra de origem.

O Presidente Lula, referindo-se a esse assunto, disse o seguinte: “Qual é o grande problema do mundo desenvolvido? É o preconceito contra a imigração”. Disse isso em pronunciamento realizado em São Paulo, oportunidade em que afirma ainda: “É medo de perder o emprego”. E, ao final, o Presidente afirma: “O vento frio da xenofobia sopra outra vez. São as falsas respostas para os desafios da economia e da sociedade”.

Sr. Presidente, no último dia 18 de junho, a União Européia aprovou o tratado de imigração, que, com eufemismo, é chamado de “Diretiva do Retorno”, mas representa uma política de endurecimento à imigração. Esse tratado provocou reações indignadas de todos os governos latino-americanos, inclusive do Governo brasileiro, que, por meio do Itamaraty e do Ministério da Justiça, divulgou nota “lamentando a aprovação das novas regras”.

Sr. Presidente, como integrante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, presencio os mais calorosos debates pela posição do Brasil de compreensão diante da imigração, que foi intensa durante anos e anos não apenas de japoneses ou asiáticos, de forma geral, mas também de europeus, que vieram não só para cá, mas também para os Estados Unidos, a fim de contribuir com o processo de colonização do nosso País, como também para nossa agricultura, para o fortalecimento da nossa economia. E, ainda hoje, há, em nosso País, a compreensão de que aqueles que vêm com suas famílias, imbuídos de um espírito de paz e de construção, aqui são bem recebidos.

Naturalmente, existem regras, mas estas não são tão afrontosas aos direitos humanos como as que vigoram na União Européia. Lá, há uma verdadeira perseguição à pessoa humana, à pessoa que foi para lá, que ali se instalou, constituiu família e contribuiu, de forma direta, para o desenvolvimento da União Européia. Agora, essas pessoas estão sendo ameaçadas de expulsão.

Sr. Presidente, não posso me furtar ao debate. É que, de um lado, até o final da Segunda Guerra Mundial, a Europa foi um continente de emigrantes. Dezenas de milhões de europeus partiram rumo às Américas para colonizar, escapar da fome, das crises financeiras, das guerras ou dos totalitarismos europeus e da perseguição às minorias étnicas, como aconteceu durante o período negro da ditadura nazista. Esses europeus chegaram aos países da América sem visto nem condições impostas pelas autoridades e sempre foram bem-vindos, e continuam sendo. Absorvemos, naquela época, a miséria econômica européia e suas crises políticas. Eles exploraram riquezas e as transferiram para a Europa, inclusive com altíssimo custo para as populações originais da América.

Por outro lado, hoje, a União Européia é o principal destino dos imigrantes do mundo, o que é conseqüência de sua positiva imagem de espaço de prosperidade e de liberdades públicas. A imensa maioria dos imigrantes dirige-se para a Europa para contribuir com essa prosperidade, não para aproveitar-se dela. Ocupam os empregos de obras públicas, de construção, nos serviços a pessoas e hospitais, que não podem ou não querem ocupar os europeus. Portanto, contribuem para o dinamismo econômico e até demográfico do continente europeu, para manter a relação entre ativos e inativos que torna possível seus generosos sistemas de seguridade social e dinamizam o mercado interno e a coesão social. Os imigrantes oferecem uma solução aos problemas econômicos da força de trabalho, demográficos e financeiros da Comunidade Européia.

Sr. Presidente, de qualquer modo, além dessas duas vertentes, existe uma acusação nebulosa no ar: a de que os imigrantes mandam “fábulas de recursos” para seus países de origem. “Fábulas de dinheiro” é uma expressão muito forte, mas é possível dizer-se que o dinheiro remetido pelos imigrantes representa uma ajuda para o desenvolvimento de vários países.

Dados divulgados apontam que a América Latina recebeu, em 2006, US$68 bilhões em remessas de imigrantes. No patamar mundial, chegam a US$300 bilhões, que superam os US$104 bilhões concedidos como ajuda para o desenvolvimento da Bolívia, por exemplo.

Contudo, longe de isso refletir uma ameaça ou “comprovação” de fuga de recursos, o foco a ser dado deveria ser, então, sobre a imensa desigualdade entre os países, pois o somatório de pequenas quantias remetidas por imigrantes na Europa está fazendo a diferença para alguns países pobres. O grave disso não é a pseudocomprovação de “fuga de recursos”, mas a comprovação da concentração da riqueza planetária, onde se situa a própria Europa.

O fenômeno da globalização ou mundialização - como preferem os franceses - restringe-se às mercadorias e ao capital financeiro. Esse fenômeno diz “não” à circulação de pessoas, ao compartilhamento de direitos e da cultura.

Segundo o texto do novo tratado europeu sobre a imigração, aqueles imigrantes que não regressarem aos seus países de origem, voluntariamente, em até trinta dias poderão ser detidos por até 18 meses. A formulação traduz um “delito de imigração”. E isso viola, diretamente, os direitos humanos consagrados, fazendo retrocederem conquistas da Humanidade, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que garante, em seu dispositivo 13, “a toda pessoa o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado, bem como o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país”.

Sr. Presidente, de acordo com a diretiva da imigração européia, até mesmo crianças poderão sofrer detenção, ainda que gozem de tratamento diferenciado. E, o pior de tudo, existe a possibilidade de se encarcerarem mães de família e seus filhos, sem se levar em consideração sua situação familiar ou escolar, nesses centros de internação nos quais sabemos que ocorrem depressões, greves de fome, suicídios.

A situação que causou maior polêmica foi o custeamento da assistência jurídica aos detentos, visto que alguns países estavam reticentes em arcar com esses custos. Na dúvida, será prerrogativa do Estado oferecer ou não a assistência jurídica gratuita. Portanto, dependendo do país, se o estrangeiro não tiver condições de custear a defesa dos seus direitos básicos, poderá ficar sem qualquer auxílio, sem qualquer assistência jurídica. Isso é incrível, mas é verdade! Está previsto nesse novo conceito de imigração na União Européia.

O Brasil acolheu a miséria e o desespero dos emigrantes europeus em diferentes levas, como eu disse, durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, ou em outros acontecimentos, como os irlandeses, que não só vieram para o Brasil, mas ocuparam vasto território nos Estados Unidos. Chegaram aqui cansados, com medo e desesperançados, sem documentos ou vistos, e foram simplesmente bem vindos.

O fenômeno migratório faz parte da história da Humanidade e a Europa de hoje esquece o seu passado. Não tenho dúvidas de que o custo desse grave erro terá conseqüências imprevisíveis.

A Europa precisa aprender com o Brasil, que desponta no século XXI com a demonstração cabal da miscigenação racial e da tolerância política, religiosa e cultural, entendendo a imigração não como um crime, mas como um ato da natureza humana que precisa ser avaliado, respeitado e tratado com dignidade.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Prezado Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª permite-me um aparte?

O SR ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Concedo a V. Exª um aparte com muito prazer, Senador Marco Maciel.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Nobre Senador Antonio Carlos Valadares, eu gostaria de registrar que V. Exª fere, hoje, uma questão extremamente momentosa que vive o mundo, depois de uma exitosa construção de união que a Europa conseguiu realizar - algo impensável há 50 anos, visto que havia sido dilacerada, no século passado, por duas grandes guerras mundiais -, após a criação da chamada União Européia, que hoje abriga 27 Estados-membros e serve de paradigma para outras regiões do mundo, inclusive as Américas do Sul e Meridional, que buscam consolidar sua união através do Mercosul. Nem tudo são flores na Europa no momento. Realmente, essa decisão não teve uma boa repercussão.

O SR ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - É a chamada “Diretiva do Retorno”, que dizer, um eufemismo para esconder uma perseguição aos imigrantes.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - É e, a meu ver, deve demandar uma reflexão por parte dos chefes de Estado, dos chefes de Governo dos diferentes países que integram a chamada União Européia. Acredito que a União Européia poderá examinar formas de mitigar os efeitos dessa diretiva, quem sabe, buscar alternativas para esse processo, para que possamos continuar a ver a União Européia se firmar, talvez, como a primeira federação de Estados existente no Planeta. O Tratado de Lisboa, que está sendo, agora, ratificado, não caminha tão bem quanto esperávamos, visto que a Irlanda, até por uma obrigação constitucional, determinou que fosse feita uma consulta popular através de um plebiscito. Isso está na Constituição irlandesa. Eles não tinham como fugir dessa realidade, porque, com relação aos demais países, estava estabelecido que o referendo se daria pela via dos respectivos Parlamentos. A Irlanda foi o primeiro Estado a fazer a apreciação do chamado Tratado de Lisboa através dessa consulta popular. O resultado foi a vitória do “não”. Como o chamado Tratado de Lisboa substitui o modelo anterior - aliás, concebido por Giscard d’Estaing - de se fazer uma Constituição européia, isso representou um fato negativo. Por quê? Porque, na realidade, ficara estabelecido que este Tratado deveria ser aprovado por todos os Estados-Membros. O que, em outras palavras, quer dizer que a rejeição de um país significaria a paralisação desse processo de integração no campo da política inclusive externa nos seus diferentes setores. Então, se somarmos o Tratado de Lisboa, assinado, se não me engano, em 12 de dezembro do ano passado, à questão desta Diretiva de Retorno, verificaremos - e lamentamos que isso esteja acontecendo - que a União Européia vive uma crise que precisa ser debelada no início. E faço votos, porque a Europa é o coração da chamada civilização ocidental. Há, hoje, uma grande discussão no mundo - não quero interromper muito V. Exª -...

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - É prazer ouvi-lo, e a Casa, tenho a certeza, também tem esse prazer.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - ... do que é Europa, qual o conceito de Europa, quais são os seus limites. Entre esses valores que caracterizam a chamada civilização ocidental, estão a liberdade, a paz, a convivência pacífica, a solidariedade, todos extremamente importantes para a vida de uma sociedade civilizada. Na medida em que esses valores começam a ser desconhecidos ou relegados a segundo plano, ficamos tristes. A União Européia estava indo para além do seu território. O ingresso da Turquia, que em tese já está aprovado, representa a expansão da Europa. A Europa agora começa a abrigar a Turquia. Alguém vai dizer: “Sim; mas a Turquia está situada na Europa”. É verdade. Mas apenas 8% do seu território - se não estou equivocado - encontra-se em território dito europeu, os 92% em território asiático. Então, a União Européia ousou nesse campo quando admitiu - e espero que o faça - incorporar a Turquia. Assim, estamos expandindo o território da Europa e esperamos que também os valores que marcam a civilização ocidental. Entre os países que cultuam esses valores está o Brasil, porque herdeiro dessas tradições, até pela sua evolução histórica. O Brasil é produto de três grandes rios: o rio europeu - os portugueses que aqui chegaram -, o rio africano e o rio indígena. Então, foi essa soma de grandes rios que permitiu ao Brasil construir uma Nação que incorpora esses valores da civilização ocidental e busca avançar no campo da construção de uma sociedade pacífica, portanto, livre da guerra, fiel aos princípios estatuídos nas Organização das Nações Unidas: a luta pela paz, o fim dos conflitos armados, a convivência pacífica entre os povos. Daí, encerrando - perdoe-me pela interrupção, caro e nobre Senador Antonio Carlos Valadares -, espero que estes dois fatos - a Diretiva de Retorno e o Tratado de Lisboa - possam ensejar uma rediscussão desses temas, para que a Europa continue no seu projeto exitoso, oferecendo ao mundo um modelo de sociedade aberta e democrática. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Senador Marco Maciel, como há um prazo de dois anos para que essa Diretiva de Retorno entre em vigor, esperamos que, nesse período, a União Européia, constituída de um bloco de 27 países, possa, enfim, refletir melhor sobre essa situação delicada, que deixa, sem dúvida alguma, a Europa naquela vertente dos países ingratos. Digo isto porque, se abstrairmos a conjuntura econômica em que se envolve a Europa nos dias de hoje, onde há uma preferência, onde há uma tendência primordial de barrar ou bloquear produtos agrícolas de outros países, inclusive os do Brasil; se abstrairmos as taxas alfandegárias, que são pesadas em relação às commodities do Brasil e dos países subdesenvolvidos, e nos lembrarmos que, no passado, a Europa explorou, arrancou das entranhas dos países, cujos imigrantes hoje a Europa rejeita, arrancou dinheiro, arrancou recursos humanos, arrancou prata, ouro, arrancou petróleo de todos os Continentes, notadamente da África, da Ásia, da América Latina; se considerarmos que fomos colonizados pelos portugueses e que o restante da América Latina, na sua grande parte, pelos espanhóis, constataremos que os nossos recursos naturais foram subtraídos, e acho que não haverá dinheiro, recurso nenhum de que a Europa disponha que possa pagar o que retiraram daqui, do nosso pobre e ainda atrasado Continente.

Então, se levarmos em consideração os fatores históricos que determinaram o enriquecimento da Europa, a sua consolidação econômica e as suas potencialidades de capitalismo, a Europa poderia pensar melhor. Não digo que abrisse, de forma universal, para todos os países, porque sabemos que a questão do emprego é importante em todos os continentes, mas que se proporcionasse um mínimo de subsistência às pessoas que já estão por lá - e são mais de oito milhões de imigrantes que estão na Europa -, vivendo com suas famílias, trabalhando diuturnamente; pessoas essas estão sob a ameaça de serem, em dois anos, simplesmente expulsas, como se nada tivessem feito pela Europa.

Por isso o meu discurso é no sentido de haja um recuo, de que haja uma reflexão. E aproveito também o aparte de V. Exª para ponderar que esse Tratado de Lisboa e essa nova diretiva, ao invés de servirem de atos de rejeição a povos de outros países, que sirvam de instrumento de boa convivência, solidária e construtiva, entre as nações da Europa e as do mundo inteiro.

Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, e a V. Exª, Senador Marco Maciel.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2008 - Página 23839