Discurso durante a 113ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a possibilidade de que candidatos que tenham "o nome sujo" não possam concorrer às eleições. Presença em Brasília do Prefeito José Fogaça, que veio receber o título de "Prefeito amigo das crianças".

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. HOMENAGEM.:
  • Reflexão sobre a possibilidade de que candidatos que tenham "o nome sujo" não possam concorrer às eleições. Presença em Brasília do Prefeito José Fogaça, que veio receber o título de "Prefeito amigo das crianças".
Aparteantes
Cristovam Buarque, Marco Maciel, Wellington Salgado.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2008 - Página 23848
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL. HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, ESFORÇO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, REUNIÃO, PROJETO, ASSUNTO, INELEGIBILIDADE, BUSCA, ENTENDIMENTO, REGULAMENTAÇÃO, MATERIA CONSTITUCIONAL.
  • COMENTARIO, HISTORIA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, LIBERDADE, PROCESSO, REGISTRO, EXCESSO, DEPENDENCIA, LEI COMPLEMENTAR, POSTERIORIDADE, REGULAMENTAÇÃO, MATERIA, POLEMICA.
  • ANUNCIO, REQUERIMENTO, MESA DIRETORA, RETIFICAÇÃO, EXPOSIÇÃO, SENADO, REFERENCIA, HISTORIA, POLITICA PARTIDARIA, TANCREDO NEVES, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PROCESSO, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL.
  • COMENTARIO, POLEMICA, TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL (TRE), DECISÃO, IMPUGNAÇÃO, CANDIDATURA, MOTIVO, ANTECEDENTES, CANDIDATO, DIVERGENCIA, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), INTERPRETAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CONCLAMAÇÃO, ORADOR, MOBILIZAÇÃO, LEGISLATIVO, REGULAMENTAÇÃO, MATERIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, OBRIGATORIEDADE, AGILIZAÇÃO, PROCESSO JUDICIAL, REU, CANDIDATO, JULGAMENTO, ANTERIORIDADE, PRAZO, CONVENÇÃO, PARTIDO POLITICO, OBJETIVO, JUSTIÇA, COMBATE, IMPUNIDADE.
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, PREMIO, JOSE FOGAÇA, EX SENADOR, PREFEITO DE CAPITAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GESTÃO, APOIO, CRIANÇA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Parlamentares, o Senador Marco Maciel, na última reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, comunicou que faríamos um grande esforço, reunindo os quase trinta projetos que dizem respeito à questão das inelegibilidades, para tentar encontrar uma fórmula para levar a Casa a um entendimento.

O Senador Demóstenes ficou encarregado de ser o nosso relator.

Fizemos duas reuniões muito importantes esta semana e pretendemos falar com os parlamentares, de modo especial com os da Comissão de Justiça, para ver se chegamos a um entendimento quanto a essa matéria.

O primeiro fato a ser analisado é que essa é uma matéria que está parada no tempo desde a Constituição de 1988. Sempre que me lembro da Constituinte de 88, lembro da mágoa que eu tinha por ter sido parlamentar a vida inteira e não ter atuado na Constituinte - eu era Governador de Estado, não estava aqui. E como eu tinha inveja dos que estavam aqui!

Duvido que, pelo mundo afora, tenha sido elaborada uma Constituição de forma tão livre, tão democrática, tão participativa como aconteceu entre nós. A gente, que vinha de uma ditadura, que vinha de um Congresso fechado, que vinha de duas “constituições” ditatoriais, a de 1967 e a de 1969, de repente, não mais do que de repente, vê que o Brasil inteiro estava no Congresso: brancos, pretos, ricos, pobres, trabalhadores, empresários, intelectuais; enfim, gente do Brasil e do mundo vinha debater e discutir a Constituinte.

O Presidente Sarney tem a seu favor esse mérito. Pode haver pelo mundo caso semelhante, porém de mais liberdade e de mais debate na abertura do que uma Constituição elaborada como a nossa não houve. E foi uma época muito delicada aquela, porque a morte do Dr. Tancredo, que era o homem que fica respondendo pela sociedade...

Quero dizer ao Senador Marco Maciel uma coisa muito importante agora. Ontem, um jornalista veio ao meu gabinete e disse o seguinte: “Andei pelo Túnel do Tempo, olhei na parte referente ao Dr. Tancredo e estava escrito que ele foi candidato à Presidência da República porque houve um lance da direita do MDB que o escolheu candidato”. Acho que temos retificar e estou entrando com um requerimento à Mesa para fazer essa retificação. É um injustiça a nós todos. É engraçado que há vinte e tantos anos passava para lá e para cá e precisou meu querido jornalista me mostrar. Fui lá e não acreditava!

Todos sabemos que as Oposições tinham um candidato a Presidente da República, que era o Dr. Ulysses Guimarães se as eleições fossem diretas. Ele era o nosso candidato, o Sr. Diretas. Mas, no momento em que caiu a emenda das Diretas Já - e é interessante salientar que caiu por nove votos -, ganhou por ampla maioria, mas não conseguiu o quórum por nove votos.

E não vamos esquecer que naquele dia o Congresso era cercado e as manifestações iam no sentido do que poderia acontecer se a emenda fosse aprovada. Caiu a emenda das Diretas Já. E foi um dos momentos dramáticos e cruéis que nós vivemos, um dos momentos de decepção: e agora, o que é que vamos fazer? Para onde é que vamos? O Brasil inteiro nas ruas, milhares de caras-pintadas, a imprensa, toda a sociedade jogando nas Diretas Já, e não saíram as Diretas Já. Foi aí que se lançou a grande tese, a frase do Dr. Tancredo: “Nós vamos ao Colégio Eleitoral para destruí-lo”. Porque me parecia ridículo o MDB ir para o Colégio Eleitoral. Nós tínhamos o anticandidato, o Dr. Ulysses, andando pelas ruas do Brasil, e só não tivemos outros candidatos, que foi o General Euler, andando pelas ruas do Brasil, de repente, vamos apresentar candidato? Vamos apresentar candidato. Sem problema.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Nobre Senador...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - O Senador Marco Maciel era o preferido do Dr. Tancredo para vice. Era o preferido do Dr. Tancredo para vice. Não aceitou. Deveria ter aceito, mas não aceitou. É verdade que havia uma interrogação naquela época, porque a lei dizia que perderia o mandato quem se candidatasse com um candidato diferente daquele com o qual foi eleito. E o Senador Marco Maciel tinha sido eleito Senador pelo PDS, que era o novo Partido que sucedeu a Arena. O outro candidato do Governador Tancredo, era o Deputado Nelson Marchezan, que também não aceitou.

E o Dr. Tancredo foi o nosso candidato, porque o MDB, desde o início, tinha esta tese: nosso candidato era o Dr. Ulysses, nas eleições diretas. No momento em que não saíram as Diretas, nasceu um esforço do Dr. Ulysses participar, comandar o projeto. Mas ele não era candidato. Nunca passou pela cabeça dele nem na nossa, ele ser o candidato em uma eleição do Colégio Eleitoral, até porque, pelo passado, pela biografia, pela luta que tinha tido, ele ficaria numa situação difícil de buscar esse entendimento. E Tancredo tinha grandeza, e foi ele que somou e teve uma grande vitória. Mas dizer que Dr. Tancredo foi um golpe de direita do MDB, que foi uma solução da direita do MDB, a memória do Dr. Tancredo não merece isso.

Senador Marco Maciel, com o maior prazer.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Nobre Senador Pedro Simon, ouço, como é habitual, com muita atenção, tudo o que V. Exª diz na Casa, quer no plenário, quer nas Comissões, e desejo interrompê-lo apenas por breves minutos para lembrar que a candidatura do Presidente Tancredo Neves surgiu, como V. Exª acentua, de um grande acordo político para viabilizar a transição do regime autoritário para o Estado democrático

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - É verdade.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - E diria mais: que esse acordo político foi sintetizado no chamado Compromisso com a Nação, que foi o Pacto Constitutivo da Aliança Democrática.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Anteontem, vi, em meu gabinete, o Compromisso com a Nação assinado, inclusive, por V. Exª.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Exatamente. Foi um documento que balizou todo o processo que viabilizou a eleição de Tancredo...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Naquele documento que V. Exª assinou, não há uma vírgula que dê a entender que estejamos indo para a Direita, que era um candidato de Direita.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Pois é, exatamente. Veja que V. Exª, de forma muito oportuna, fere essa questão e acho que está na hora de ser feita a devida retificação. Mas devo lembrar também que esse acordo político foi, talvez, o mais importante que se firmou desde a Proclamação da República.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - É verdade.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Nunca o País assistira um pacto tão amplo e com objetivos tão claros. E, se direta fosse a eleição, Tancredo seria eleito com mais de 80% dos votos.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Naquela altura, não tenho dúvida.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Mesmo porque os comícios eram grandes concentrações que mobilizavam todas as cidades onde se chegava. E mais, se fala muito na Revolução de 30 - V. Exª a conhece muito bem e Getúlio foi um dos seus líderes -, que teve um caráter renovador, mas não foi capaz de gestar um acordo político das dimensões, da transcendência do Compromisso com a Nação. Algo semelhante à natureza desse pacto, só vejo o chamado Gabinete da Conciliação no Império, em 1853, de um mineiro também, Honório Hermeto Caneiro Leão, o Marquês do Paraná. E Tancredo, uma vez, indo para a sua terra - V. Exª promoveu uma reunião no Beira Rio, eu não me esqueço, em 1984, com as lideranças rurais, as cooperativas...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - O Grito do Campo.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - O Grito do Campo, com os pequenos produtores, os grandes produtores, desde os sojicultores até os que plantavam batata, os pecuaristas. Na viagem que fizemos de Brasília a Porto Alegre, Tancredo, durante o vôo, disse assim: Olha, Marco,se um dia puder escrever uma biografia, gostaria de fazer a do Marquês do Paraná, porque ele foi um gênio do segundo reinado, foi uma pessoa que teve uma visão muito dilatada, principalmente do País e conseguiu fazer o chamado Gabinete de Conciliação. Carneiro Leão morreu dois anos ou dois anos e meio depois de feito o pacto, o que foi uma pena. Mas, com isso, quero mais uma vez salientar a importância desse acordo político e retomando ao que leva V. Exª à tribuna...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Foi mais do que um acordo político, foi um tratado político. Acordo é muito pequeno para a grandeza do fato.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Exatamente. E que de alguma forma se buscou honrar o que foi pactuado. Meus cumprimentos a V. Exª porque precisamos estar atentos à preservação dos episódios da nossa História, corrigindo eventuais distorções, e também buscando continuar enriquecer o País com gestos que levem, progressivamente, à realização de um processo de desenvolvimento que seja, de fato, marcado pela diretriz democrática, sobretudo voltada para reduzir as desigualdades que ainda marcam o nosso País. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço a V. Exª, até por lembrar os fatos. Na verdade, foram momentos épicos. V. Exª, o Vice-Presidente Aureliano Chaves, o vice-presidente e depois presidente do PDS, da Arena, Senador Bornhausen; o Dr. Ulysses, o Dr. Tancredo e, modéstia à parte, eu. Muitas reuniões a gente fez lá no gabinete.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - V. Exª participou de praticamente todas as reuniões, naquela época, não foi? Sobretudo naquele momento inicial, que foi o mais difícil.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - É. Muitas vezes nos reunimos no gabinete do Presidente, no Jaburu, que depois V. Exª ocupou por oito anos; muitas vezes no meu gabinete, porque eu morava sozinho. Inclusive, a célebre reunião definitiva foi lá na minha casa. Eu não estava, porque fazia uma convenção extraordinária do MDB no Rio Grande do Sul. V. Exª estava, o Dr. Tancredo, o Dr. Ulysses, o Dr. Sarney, o Dr. Aureliano. E eu cheguei... O Rio Grande do Sul estava todo comprometido com as Diretas Já. E a decisão do MDB do Rio Grande do Sul era não ir para o Colégio; não queria ir, não queria ir. Então, fizemos uma convenção geral de todo o Partido.

Eu dizia, naquela época: eu não vou para o Colégio por minha conta. Por mim, eu não vou. Se o meu Partido mandar, eu vou. E reuniram o Partido. No início, ia ser uma guerra. E foi uma reunião muito bonita, com as bases, os vereadores, os prefeitos, mais de cinco mil pessoas. Aclamaram por unanimidade. Foram para o Colégio e aclamaram o Dr. Tancredo. E nós, do Rio Grande do Sul, éramos todos Ulysses Guimarães. Aceitaram a tese de que naquele momento era importante ganhar. E aquela era a forma de ganhar.

Por isso, não fica bem aqui, em pleno Senado... Eu peço ao Senador Garibaldi, nosso Presidente, que ele retifique. E aproveite, até... Seria muito importante. Seria muito importante se esse entendimento que V. Exª fez, Senador Marco Maciel, constasse ali nos corredores do Senado. E ali onde está dito “a Direita ganhou” seja dito: foi feito um grande entendimento no qual o Dr. Tancredo resultou candidato pela unanimidade. Acho que isso seria importante. É o que eu peço aqui.

Mas como morreu Tancredo, Sarney, como Presidente, foi nota 10: cumpriu a convocação da Constituinte, é verdade; cumpriu amplamente a abertura, é verdade. Só que houve um problema: a Assembléia Nacional Constituinte foi espetacular, mas o poder de decisão era muito complicado. Eu defendi uma tese, não sei se V. Exª se lembra, com paixão. Briguei com Brizola nesse sentido, o meu rompimento com o Dr. Brizola foi nesse sentido. Eu também queria voltar ao PTB, só que eu achava que devíamos ficar todos unidos e ir para a eleição, tomar posse, convocar a Assembléia Nacional Constituinte e, na Assembléia Nacional Constituinte, seriam dissolvidos os partidos. Abrir-se-ia ali a oportunidade de se criarem grupos de posição partidária. Eu achava isso espetacular. Não seria como em 30, quando a Constituinte de 45 foi metade Getúlio e metade contra Getúlio. Não; seria uma Assembléia Nacional Constituinte amplamente livre, e os partidos iam se organizar sem antecedentes, nem contra nem a favor da revolução, nem aqui nem lá. Não deu.

Então, a Assembléia Nacional Constituinte, uma maravilha, com debates abertos, discussão, mas não tinha comando. O Dr. Ulysses, claro, o “Sr. Diretas”, espetacular, ele conduziu-a ao fim. Não fora ele, talvez não se tivesse concluído o lançamento da Constituição.

Mas na hora dos grandes debates... Eu me lembro das manchetes dos jornais: qual vai ser a solução? E, na hora do grande debate, a saída foi a seguinte: não foi votar para ver quem era a maioria, tipo ganha a reforma agrária ou não ganha a reforma agrária, ganha isso e não ganha aquilo. Não; as grandes discussões chegaram à seguinte conclusão: bota uma redação na cabeça do capítulo, seja o que for, e acrescenta “Parágrafo Único. Lei complementar regulamentará essa matéria”.

Então, Senador, a nossa Constituição não teve a coragem nem de deixar de fora, nem de decidir. Tudo assim: grandes fortunas, “lei complementar decidirá”; reforma agrária, “lei complementará decidirá”; inelegibilidades, “lei complementar decidirá”.

Então, há um caso, o das inelegibilidades, em que, após 20 anos de promulgada a Constituição, nós não tivemos coragem de fazer até hoje a lei complementar como devia. A Constituição diz: “não pode ser candidato quem for condenado por sentença passada em julgado”. Aí, a Constituição é clara; não há o que discutir. Mas a Constituição diz mais adiante que lei complementar definirá os casos de inelegibilidades, no que tange à ficha suja: dignidade, correção, biografia do candidato. Esse item não foi decidido até hoje. E é a confusão que nós estamos tendo. Hoje, esse é o grande debate da sociedade brasileira. E esse debate chegou à Justiça Eleitoral.

Há 20 dias, por quatro a cinco ou por quatro a três, não me recordo, foi vitoriosa a tese de que quem não for condenado em caráter definitivo pode ser candidato, tese essa que tinha contra si o próprio Presidente do Tribunal. O Presidente do Tribunal Superior Eleitoral é contra essa tese.

E os Tribunais de Justiça de todo o Brasil se reuniram, sob a presidência do coordenador, que é o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, e tomaram uma decisão que é muito delicada: eles vão impugnar as candidaturas. Ah, o Superior Tribunal já decidiu que não pode! Mas eles respondem: nós vamos impugnar. A exegese da lei quem faz são os juízes, e a tese deles é a seguinte: a Constituição diz que quem tem ficha suja não pode ser candidato e que lei complementar regulamentará essa parte. Mas ela já diz, está na Constituição: quem tem ficha suja não pode ser candidato, nas condições de lei complementar. Então cabe a nós, diz o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, cabe a nós interpretar a Constituição. E a Constituição diz que não pode. E os Parlamentares, por corporativismo, não decidem; nem confirmam que não pode e nem dizem que pode. Então, vamos abrir, firmando uma jurisprudência no sentido de que não pode.

Delicada essa situação, muito delicada.

É quando nós entramos. E aí entra a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.

Sou muito sincero. Eu falo “ficha suja”, porque é o termo que está na rua, mas, na verdade, o que queremos dizer são os antecedentes, a série de processos, uma série de elementos. Como diz o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, tem um cidadão lá que tem 30 processos a que está respondendo. Foi condenado várias vezes, mas nenhuma vez em caráter definitivo, porque ele leva... Ele pode ser candidato a Prefeito e a Presidente da República, mas não ganha uma eleição para síndico de edifício. Ele não pode se candidatar a juiz nem a coisa nenhuma, porque não se permite.

Eu não vejo com simpatia a tese de dizer que quem tem ficha suja não pode ser candidato. Não vejo. Eu defendo uma tese diferente. Quem tem ficha suja não pode ser candidato, mas tem direito de exigir que os casos a que ele está respondendo sejam julgados até a convenção em que ele vai ser escolhido. Não pode ser pretexto a um mau-caráter, a alguém que não gosta de fulano, que chega lá, entra com um processo, inventa qualquer coisa, e o fulano não pode ser candidato. Isso é um absurdo. Eu também não concordo com isso. Mas não concordo que fique na gaveta; nem na gaveta do jornal, nem na gaveta da revista, nem na gaveta do Procurador, nem na gaveta do Tribunal, do Juiz. Não pode; tem que ser julgado. Aí nós inverteríamos.

Olha, por amor de Deus, eu falo ao Rio Grande e ao Brasil, entendam o que eu quero dizer. Nós inverteríamos. Hoje o Brasil é o país da impunidade. O universo reconhece isso. Ninguém diz que o Brasil é o país da corrupção, como alguém poderia dizer. Não, o Brasil é um país corrupto. Tem corrupção aqui como tem na Alemanha, como tem na Itália, como tem na Inglaterra, como tem nos Estados Unidos, como tem no mundo afora. Nós não somos mais nem menos corruptos. Mas tem uma diferença. Pelo mundo afora, tem corrupção, mas tem pena, tem cadeia. Eu tenho contado aqui mil vezes, conto mais uma: três Primeiros Ministros japoneses se mataram de vergonha de responder ao processo! De vergonha de responder ao processo!

Lá nos Estados Unidos, o Presidente Clinton é considerado um deus. Todos reconhecem nele, talvez, o maior presidente dos Estados Unidos da segunda metade do século passado para cá. Um homem espetacular em competência e capacidade. Uma mocinha, secretária dele, acabou levando-o às barras do tribunal, e esteve em véspera de ser cassado. E para ele não ser cassado por mentiroso - e se fosse cassado seria por ter mentido; a secretária dizia que tinha tido relações sexuais com ele, e ele dizia que não; teria aparecido uma prova, um vestígio de que ele teria tido -, o Tribunal chegou à conclusão de que realmente ele tinha tido um tipo de relação oral, ou sei lá o quê, que não era relação sexual. Mas respondeu a processo.

O Nixon foi cassado. Não foi cassado porque renunciou antes, porque mentiu. Mentiu! Fizeram uma gravação na sede do Partido Democrata, e ele dizia que não sabia de nada. De repente, aparece uma gravação que mostrava que ele sabia. Ou ele renunciava, ou era cassado. Ele renunciou.

Corrupção existe pelo mundo afora, mas corrupção sem acontecer nada é só no Brasil. Há gente lá de São Paulo com um processo, dois processos, três processos, dez processos, vinte processos, dez anos, vinte anos, trinta anos, quarenta anos, com várias condenações, mas nenhuma em caráter definitivo. Vai empurrando, vai empurrando, vai empurrando, vai empurrando, daqui a pouco o processo prescreve e não acontece nada.

É isso que faz com que a credibilidade do nosso Congresso seja de 0,5%, porque manchete de corrupção tem a toda hora. Em jornal, revista, televisão, tem, tem, tem, tem. “Ah, eu não fui condenado, mas também não fui absolvido.” A justiça não julga, não condena nem absolve. Isso não pode. Vamos decidir as duas Casas.

Nós, Congresso Nacional, vamos dizer: podemos ser julgados; candidato com ficha suja não pode ser candidato, mas a Justiça tem a obrigação de julgar, de dizer se está absolvido ou condenado.

Isso muda tudo. Muda o Brasil, porque, no momento em que fizermos isso, obrigarmos a julgar os casos dos políticos, vamos obrigar também a Justiça a julgar o caso dos empresários, dos banqueiros, vários casos de corrupção que também não saem da gaveta.

Creio que vamos conseguir esse termo e vamos aprovar isso na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Creio que viremos para esta Casa, no Senado, e vamos aplaudir talvez a hora mais importante e mais significativa da política brasileira dos últimos tempos.

Ouço o meu querido irmão de Minas Gerais, com o maior prazer.

O Sr. Wellington Salgado de Oliveira (PMDB - MG) - Senador Pedro Simon, V. Exª sabe que tenho um carinho especial e um respeito muito grande não só pela trajetória de V. Exª em nosso Partido, o querido PMDB - como diz V. Exª, o MDB.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - É verdade.

O Sr. Wellington Salgado de Oliveira (PMDB - MG) - Também sei que V. Exª não perdoa nunca o Tancredo ter morrido.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Não podia.

O Sr. Wellington Salgado de Oliveira (PMDB - MG) - Agora, nesse debate que inclusive está na CCJ e do qual nós dois fazemos parte, fico preocupado, Senador, mas V. Exª explicou o que é ficha suja, porque muitas vezes se fala em ficha suja. O que é ficha suja? Ficha suja, para mim, é uma condenação.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - É verdade.

O Sr. Wellington Salgado de Oliveira (PMDB - MG) - E V. Exª, enquanto explicava, falou: “Ficha suja é condenação em primeira instância, entra-se com recurso, e a ficha já está suja, porque já foi condenado.” Concordo com isso. Mas eu tinha levantado o microfone para fazer o aparte, quando V. Exª explicou o que considera. Quanto à segunda parte, afirmando que se tem de fazer o julgamento, concordo plenamente com V. Exª. Então, a pergunta que eu teria V. Exª já matou antes de eu perguntar.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado. Vamos chegar a um entendimento. Vamos fazer um grande entendimento, o que será muito importante perante a Nação.

Repare V. Exª que levei vinte anos para aprovar um projeto aqui, e todos achavam que nunca seria aprovado. Para se processar Senador e Deputado Federal, a Casa tinha que dar licença. O Procurador denunciava perante o Supremo, o Tribunal pedia licença, e a Casa nunca a concedia. Não votava nem a favor nem contra. Não votava a favor porque não queria votar; e não votava contra porque tinha medo da opinião pública. Ficava na gaveta. E nós aprovamos.

Para processar Deputado e Senador, o Supremo Tribunal pode pedir a hora que quiser, pode iniciar o processo a hora que quiser. O Senado ou a Câmara, se quiserem, podem pedir para trancar o processo. Faz cinco anos, e nem a Câmara nem o Senado pediram o trancamento de nenhum processo. Nenhum processo! E tenho dito isso para a opinião pública, que diz “vocês são os culpados”. E digo que não é verdade! Há cinco anos que o Supremo pode processar Deputado e Senador, e não precisa pedir licença. Não precisa de licença: pode processar e pode condenar. Então, se, há cinco anos, Deputado Federal e Senador não são processados e nem condenados, a culpa não é nossa.

O Sr. Wellington Salgado de Oliveira (PMDB - MG) - Não, V. Exª tem razão! É verdade! Hoje, inclusive, todos os processos estão sendo encaminhados diretamente para o Supremo. O Procurador, quando analisa, se tem qualquer dúvida, já abre o inquérito, investiga, e aí vamos julgar.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Nota dez no Governo do Lula são os procuradores, o primeiro e o segundo agora. Nota dez! Nota zero no Governo do Fernando Henrique era o Procurador dele, que engavetava tudo. Nem denunciava, nem baixava diligência e botava tudo na gaveta! Agora, não! Agora, ou arquiva, ou denuncia. Mas a Procuradoria está cumprindo, com nota dez, o seu papel.

Eu acho que nós já estamos num grande caminho. E se nós votarmos essa matéria terminando com a impunidade... Se tem ficha suja não pode ser candidato. Muito bem, não pode ser candidato. Mas a Justiça que julgue e diga a palavra final. É uma maravilha. Acho que nós estamos num caminho que vai dar certo.

Pois não, obrigado a V. Exª.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Pedro Simon, este assunto, graças a seu discurso, recebeu uma luz. Porque temo muito candidatos com ficha suja, mas temo muito também dar a algumas pessoas o poder de dizerem o que é sujo e o que não é. Existem países onde para ser candidato tem que passar por um conselho, seja de magistrados, seja de religiosos.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Para ser juiz de direito, independentemente de passar em concurso, tem o conselho deles que decide se pode ou se não pode.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Então tem que ficar claro quem é esse conselho, quais são os critérios, senão vamos ter, em nome da moralidade, uma ditadura.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Plenamente de acordo.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - O senhor trouxe a saída. A saída é exigir o julgamento imediato do processo de qualquer candidato. Ele não pode ser candidato se tem processo. Agora, o juiz não pode impugnar porque está demorando o julgamento. E aí temos que ser duros. O juiz não tem direito de guardar. Porque há duas formas de corrupção. Entre alguns políticos é tirar dinheiro da gaveta; entre os juízes e procuradores é colocar documentos na gaveta.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - O juiz ou a imprensa. A imprensa, às vezes, tem um dossiê e fica na gaveta.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Guardar na gaveta informações é uma forma de corrupção tão grave quanto roubar dinheiro. O senhor trouxe uma luz, e quero saber onde assino para apoiar a sua proposta. Mas eu queria voltar ao assunto da Constituição.

Nós deveríamos fazer um fórum sobre os 20 anos da Constituição, porque não há dúvida nenhuma de que nenhuma constituição, como V. Exª disse, foi tão debatida; embora eu pense que ela foi debatida por grupos, não pela Nação; ela foi elaborada por políticos e não por pais da Pátria. Aí é que está o defeito do nosso processo constituinte. Nós fizemos a Constituição por pessoas que já estavam pensando na próxima eleição e não nas próximas gerações...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - V. Exª era a favor da convocação da assembléia nacional exclusiva, que infelizmente não tivemos chance nenhuma de aprovar.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Além de exclusiva, eu defendia mais, que quem fosse constituinte não poderia ser deputado na legislação seguinte...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Era uma missão exclusiva: faz a constituição e vai para casa.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - E não seria preciso daquele número todo de pessoas. Seria um número restrito de cem pessoas que se transformariam em estadistas.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Não tivemos nenhuma chance.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Obviamente alguns constituintes se comportaram como estadistas, mas lamentavelmente a maior parte se comportou como aquele que canalizava aspirações de grupos. Nossa Constituição, vamos ser sinceros, é corporativa. Cada corporação com força procurou colocar uma cunha. E aí ela é responsável por grande parte dos problemas que tivemos depois nas finanças públicas...

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Mesmo assim muitas vezes as corporações não chegavam a um entendimento e colocavam: parágrafo único - lei complementar regulamentará...

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Então, nós começamos a atender todos os interesses de todas as corporações, o que é outro problema. Além de não termos pais da Pátria, reflexões de estadistas, longe de atender a disputa corporativa, pior ainda, atendemos a disputas que não casavam. A Constituição acabou tendo garantias de direitos que não são viáveis, todas elas. Os choques de interesses foram resolvidos atendendo aos dois que chegavam aqui. E uma parte do processo inflacionário termina se devendo também a esse excesso de garantia de direitos. Segundo, não temos grandes capítulos dando responsabilidade; temos capítulos, quase todos, dando direitos. É uma Constituição de direitos não de responsabilidades; é uma Constituição de pressões corporativas não de interesses nacionais; é uma Constituição elaborada por constituintes representantes de grupos e não representantes da Nação inteira. E, finalmente, uma circunstância trágica histórica: durante um processo inflacionário em que a gente é acostumado a dar tudo para todo mundo, porque a maquininha que imprime dinheiro resolve os conflitos. Então, a gente solta dinheiro com a maquininha que faz dinheiro e os conflitos são resolvidos ao tirar o dinheiro com a inflação. É por isso que acho que, no momento em que a gente comemora os vinte anos, deveríamos fazer uma reflexão mais profunda em vez de apenas comemorarmos. Não há dúvida de que há muito mais a comemorar do que a corrigir. Mas seria a hora de a gente começar a discutir como corrigir, tentando dar uma dimensão de Nação e não de soma de corporações, tentando fazer com que a responsabilidade do Estado - inclusive no uso dos recursos - e de cada cidadão em relação à Nação seja levada em conta. E fazendo com que nós, políticos, não sejamos apenas as vítimas da armadilha da próxima eleição sempre; que tenhamos o fôlego para pensar além da eleição. Para tudo isso, acho que seria um bom momento, agora, aos vinte anos. Fico contente com o seu discurso pelos dois viés: no viés que lembrou a Constituição e sobretudo no viés de impedir que haja candidato sujo. É preciso definir bem quem é que define o que é sujeira, caso contrário a gente vai cair em ditaduras que podem até ter boas intenções, mas que são ditaduras mesmo assim.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Temos de ter a capacidade de caminhar em cima de um fio de arame e de tomar uma decisão intermediária. Se seguirmos na rota em que estamos não sei onde vamos terminar. 

O Tribunal de Contas da União está em manchete hoje dizendo que há 3.100 contas irregulares. Foi o que o Tribunal mandou para a Justiça Eleitoral. Temos de regulamentar o que vamos fazer com isso. Se decidirmos que não pode ser candidato, mas que precisa ser julgado, será uma grande decisão; será um caminho muito importante que começaremos a trilhar aqui nesta Casa.

Tenho muita confiança nos Senadores. É muito delicado tocarmos em uma matéria como essa que tem várias pessoas dedicadas a ela. É muito delicado, mas acho que vale a pena.

Felicito a presença de V. Exª, Senador Sérgio Zambiasi, na Presidência deste trabalho. Vou ser muito sincero: a Presidência lhe cabe bem, V. Exª fica muito bem, muito, muito bem.

Convido V. Exª para depois, porque estou saindo daqui e estou indo ali no auditório Petrônio Portella. Nosso querido amigo Fogaça, Prefeito de Porto Alegre, está recebendo, com mais alguns prefeitos, o título de Prefeito Amigo das Crianças. Está ele com a querida Isabela, sua esposa. É realmente uma comemoração muito feliz. Se eu fosse prefeito, eu gostaria de ser indicado amigo das crianças. Acho que não tem título mais feliz numa hora que nem esta. O nosso querido Fogaça, que honrou esta Casa, é uma pessoa em quem temos de reconhecer, em primeiro lugar, a pureza. Ele tem alguns defeitos para ser político; ele é bom demais. Eu nunca vi o Fogaça falar mal de ninguém, eu nunca vi. Ele foi recordista nesta Casa. Os Senadores que não estavam aqui, e nenhum dos senhores estavam aqui, eu posso dizer: moções, projetos, situações delicadas, delicadas, que não tinham solução, eram entregues para o Fogaça relatar. Ele costurava, falava com os 80 senadores, daqui a pouco encontrava solução. Essa guerra aqui das medidas provisórias foi uma solução do Fogaça. Foi ele que criou a figura de se trancar a pauta, e foi aprovada por unanimidade na Câmara e no Senado. E foi encontrada de uma forma espetacular. Imaginávamos nós todos que, trancando a pauta, parando a Casa, o Governo iria parar de mandar medida provisórias. Não é possível! O Governo vai entender que vai ter de reduzir enormemente o número de medidas provisórias.

Agora vou ao Petrônio Portella, vou abraçar o Fogaça e vou dizer: “Fogaça, a sua medida foi muito boa, mas não resolveu. É só tu dares uma volta aqui de novo para veres a maneira de sair”.

Não concordo com o que quer o Presidente da Câmara dos Deputados: não trancar mais a pauta e voltar a ser o que era. Essa solução não é boa. Trancar a pauta ou não trancar a pauta não importa, mas diminuir o percentual extraordinário de medidas provisórias.

Muito obrigado a V. Exª e muito obrigado aos companheiros.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2008 - Página 23848