Discurso durante a 113ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem à memória de D. Ruth Cardoso.

Autor
Heráclito Fortes (DEM - Democratas/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória de D. Ruth Cardoso.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2008 - Página 23865
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, RUTH CARDOSO, ANTROPOLOGO, PROFESSOR, CONJUGE, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, SUBSTITUIÇÃO, LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTENCIA (LBA), MOTIVO, CORRUPÇÃO, INICIO, PROGRAMA, POLITICA SOCIAL, OBJETIVO, INCLUSÃO, CIDADANIA.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, evidentemente eu não poderia faltar a Minas Gerais, principalmente cobrindo a lacuna da ausência de V. Exª. Fique certo de que, naquele momento, eu me senti também responsável por dar cobertura a V. Exª, que estava cumprindo missões parlamentares na cidade de Uberlândia. Mas fico muito feliz em...

O SR. PRESIDENTE (Wellington Salgado de Oliveira. PMDB - MG) - Mas eu acompanhava V. Exª de longe.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI) - Pois é. Mas fico muito feliz em ter prestado essa ajuda justa a Minas Gerais, como Relator substituto, uma vez que o Relator escolhido era o Senador Sérgio Guerra.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senador Cristovam Buarque, acabo de chegar de São Paulo, onde acompanhei, desde ontem, os funerais e o enterro dessa extraordinária brasileira que foi Dona Ruth Cardoso.

Lamentavelmente, as pessoas, os cidadãos inibem-se em fazer um elogio a pessoa viva. O que nós vimos ontem foi uma série de artigos, depoimentos sobre o que representou Dona Ruth para o Brasil, que evidentemente a deixariam muito feliz, se viva estivesse.

Televisões e rádios, logo após a surpreendente notícia da sua morte, começaram, por meio de manifestações nas suas programações, a mostrar o extraordinário papel que a ex-Primeira Dama do Brasil representou. O comentário do Arnaldo Jabor, por exemplo, é uma peça. O Sardenberg se manifestou no dia seguinte pela manhã e também a Lucia Hippolito; hoje saiu o artigo da Dora Kramer.

Senador Cristovam, Dona Ruth teve uma coragem ímpar ao desmontar a estrutura, já superada, da antiga da LBA, que no período inicial foi fundamental para o Brasil, mas depois passou a ser exemplo de paternalismo e foco de corrupção. E investiu exatamente nos primeiros programas de inclusão social. Chamei V. Exª pelo nome porque sou conhecedor da estima e do respeito que ela tinha por V. Exª, principalmente pelo trabalho feito como Governador do Distrito Federal no que diz respeito à inclusão social, a inclusão - vejam bem! - não a dependência. O que Dona Ruth fez, no Brasil, com a criação de todos esses programas, foi exatamente focar uma área da sociedade que vivia esquecida há muitos anos.

Fui o Primeiro-Vice-Presidente da Câmara dos Deputados e Líder do Governo Fernando Henrique, no Congresso Nacional. Além de ter uma amizade e uma admiração pessoal muito grande pelo ex-Presidente, tive a oportunidade, meu caro Presidente, de participar de solenidades e do dia-a-dia, algumas vezes, é claro, da família presidencial. Nunca vi por parte da Dona Ruth uma ostentação, uma exibição. Muito pelo contrário, se havia algo que a constrangia, no bom sentido, era chamá-la de primeira-dama. Ele preferia o título de professora, de antropóloga, ao de primeira-dama, que julgava apenas uma referência fútil para o seu tipo de vida e o seu perfil. Companheira extraordinária do Presidente Fernando Henrique, nos momentos mais difíceis, inclusive no exílio, Dona Ruth demonstrou ao Brasil inteiro durante os oito anos em que habitou o Palácio da Alvorada que o papel da Primeira-Dama, ao auxiliar o Presidente da República, é, em primeiro lugar, primar pela austeridade, pela simplicidade e, acima de tudo, colocar a vida pessoal do Presidente da República e da sua família no anonimato.

Senador Cristovam, foi comovente ontem ver em São Paulo manifestações de apreço, inclusive reunindo adversários políticos. Eu, o Senador Arthur Virgílio, o Senador Eduardo Azeredo e mais uma comitiva, além de vários Ministros fomos a São Paulo no avião reserva da Presidência da República, o chamado aerolula, com Sua Excelência o Senhor Presidente, e de lá nos dirigimos até à Sala São Paulo. O Governo de São Paulo, a Prefeitura - não quero afirmar - teve um gesto de perfeição: escolheu o local ideal para D. Ruth ser velada, que é a Sala São Paulo, por ser um ambiente do qual ela gostava. (Pausa.)

O Presidente está me informando que foi escolha pessoal do ex-Presidente da República Fernando Henrique Cardoso.

O SR. PRESIDENTE (Wellington Salgado de Oliveira. PMDB - MG. Fora do microfone.) - Ela gostava de lá.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI) - É, exatamente.

E a última aparição pública dela foi exatamente no concerto em homenagem ao Príncipe Hirohito, na quinta-feira, ou quarta-feira, da semana passada, no ambiente austero do prédio restaurado no Governo Mário Covas, que hoje serve de espaço cultural para São Paulo e era por ela muito freqüentado em todas as apresentações que ali estavam.

Senador Cristovam, concedo a V. Exª, com muito prazer, um aparte.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador, fico feliz de ouvi-lo falar, apesar de que o tema não nos traz felicidade em si, trazendo com a sua sensibilidade um testemunho do que foi esse processo em que a Drª Ruth Cardoso - Dª Ruth, como sempre a chamamos, mesmo aqueles que tinham um certo grau de intimidade com que ela - foi velada. Eu acho que raramente na História do Brasil uma pessoa que não tenha tido cargo público, que não tenha sido líder direto, que não tenha sido um político importante, teve um tratamento como esse no momento da morte. Eu não lembro. Os grandes artistas também, por outras razões. E eu não pude ir. Fiquei aqui e fiz um discurso ontem dedicado exclusivamente à figura da Dª Ruth. E aquilo para o que o senhor chama a atenção é o que eu acho importante. É claro que ser a primeira-dama tem um papel importante para o País: dar estabilidade à família do Presidente da República é fundamental. Mas, no caso de Dª Ruth, isso foi um detalhe, porque o que ela foi realmente foi uma grande intelectual, que deu contribuições ao pensamento brasileiro. Ela foi uma figura de prestígio internacional, o que é muito raro de se conseguir no Brasil, através das idéias - em geral, consegue-se através do esporte ou, no máximo, da música. Ela foi uma mulher de prestígio. Ela deu contribuições, sem dúvida alguma, ao entendimento do processo social brasileiro, mas, sobretudo, sua militância: sempre presente e sempre do lado certo. Um detalhe da militância: a militância pela erradicação do analfabetismo no Brasil, o que ela fez por ela e não por ser a esposa do Presidente. Não podemos negar o papel importante de uma mulher que é primeira-dama, que pode ajudar ou dificultar o trabalho do Presidente, mas acho que o que temos de respeitar realmente, no caso de Dª Ruth, é o seu mérito pessoal. Mesmo que o marido não tivesse sido Presidente, mesmo que ele não tivesse sido Senador, mesmo que ele não tivesse sido político, Dª Ruth Cardoso teria sido uma mulher marcante na história do Brasil. Agradeço a V. Exª ter me dado um aparte. Parabenizo-o pela presença lá e pelo testemunho que está dando.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI) - Agradeço a V. Exª.

Hoje, eu vinha num avião para Brasília e vi, entre as homenagens prestadas a ela, a de um shopping center de São Paulo, Pátio Higienópolis, que Dª Ruth freqüentava no final da tarde, quando tinha tempo, para tomar um café, que ela apreciava. O Pátio Higienópolis, então, presta uma homenagem muito interessante, relatando a freqüência com que ela ia e escolhia, muitas vezes, aquele local para discutir temas brasileiros com os amigos que a acompanhavam.

Portanto, meu caro Senador Cristovam Buarque, é com muita tristeza que fazemos este relato, porque Dª Ruth era uma pessoa que ainda poderia dar grande colaboração ao Brasil no seu campo de atuação. Era uma referência. Eu vi ontem, por exemplo, o estado emocional do Governador Serra. Nós conhecemos a ligação de amizade, respeito e apreço que havia entre os dois. Dizia-se aqui que ela era a mais “serrista” de todos os tucanos, numa alusão à grande amizade que unia os dois. Ficamos lá durante muito tempo e eu pude ver o Serra - um homem de temperamento reservado, frio - extremamente arrasado, extremamente triste, ali o tempo todo e hoje pela manhã novamente, demonstrando o que nós todos já sabíamos, que era grande a amizade que unia os dois.

O falecimento de Dª Ruth ocorreu dez anos após a morte de outro tucano que marcou época, Sérgio Motta. Penso que são eles dois símbolos, nas devidas proporções, que deixam a convivência com este mundo. No caso, por exemplo, de Dª Ruth vai ficar a lembrança daquela extraordinária Primeira-Dama, que marcou tempo, inovou, avançou. Não foi uma Primeira-Dama qualquer.

Foi uma Primeira-Dama que se envolveu nas questões sociais, criando programas como o Bolsa-Escola, pedindo, inclusive, conselhos a V. Exª, Senador Cristovam, e trocando idéias sobre um programa semelhante implantado em Brasília.

Na sexta-feira passada, fui a um jantar na casa do ex-Ministro Paulo Renato, onde estava o Dr. Roberto Tito. Havia poucas pessoas. Não vou citar os nomes, pois já citei um. E o Presidente Fernando Henrique chegou àquele local com o seu filho, Paulo. Dª Ruth estava internada, mas em estado de recuperação, sem nenhum problema. Eles, inclusive, estavam satisfeitos com a evolução do quadro. No final de semana, ela retornou para casa e, infelizmente, veio a falecer em casa na companhia do filho, Paulo Henrique, que, coitado, leva uma imagem da mãe... Ele conversou comigo detalhes dos quarenta minutos de angústia que viveu, sendo acudido pelos vizinhos, pelas empregadas. Realmente, meu caro Presidente, é uma cena que não devemos nem pensar em um dia viver. Mas não é essa imagem triste que quero registrar neste plenário. Quero registrar a imagem da grande figura, da grande Primeira-Dama que o Brasil teve.

Lembro que fui a Genebra. O Presidente Fernando Henrique já estava fora do poder e Dª Ruth foi com ele. Fomos jantar na casa do Embaixador do Brasil. E, à noite, virei para ela e disse: “Muito bem, a senhora...” Nem terminei, creio que ela pensou - e era a minha intenção - que eu perguntaria se ela estava acompanhando o marido ou se estava trabalhando. Ela disse: “Alto lá! Agora, quem veio trabalhar fui eu. Fernando veio me acompanhar”. E era verdade. O Presidente Fernando Henrique tinha deixado o poder e estava lá exatamente acompanhando Dª Ruth no período em que passou na França.

Então, ela era uma figura realmente admirável. Infelizmente, a rotina da vida é essa. E o Brasil vai começar a conhecer, em toda a inteireza, essa extraordinária mulher que foi Dª Ruth Cardoso. Quero daqui levar meus sentimentos e o meu conforto não só ao Presidente Fernando Henrique, mas à Bia, à Luciana Cardoso, ao Paulo Henrique e aos seus netos, que estavam lá ontem inconsoláveis.

Quero deixar um registro positivo, acrescentando que foi bem positivo o gesto do Presidente Lula, que deixou de lado qualquer divergência política e qualquer questão que pudesse envolver a relação entre um Presidente e um ex-Presidente e foi ali apresentar sua solidariedade e seu apoio não só ao ex-Presidente Fernando Henrique, mas também a toda a família.

Faço este registro com muita tristeza, Sr. Presidente e meu caro Senador Cristovam Buarque, mas tenho certeza de que Dª Ruth, no meio de nós, cumpriu um papel extraordinário. A História haverá de reconhecer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2008 - Página 23865