Discurso durante a 112ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração dos cento e cinquenta e dois anos de criação do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos cento e cinquenta e dois anos de criação do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2008 - Página 23826
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, CORPO DE BOMBEIROS, HOMENAGEM POSTUMA, BOMBEIRO MILITAR, VITIMA, ACIDENTE DO TRABALHO, ELOGIO, CARACTERISTICA, PROFISSÃO, PROTEÇÃO, VIDA, RECEBIMENTO, RECONHECIMENTO, POPULAÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Um bom-dia a cada uma e a cada um de vocês, um bom-dia aos soldados do fogo, um bom-dia aos jovens que assistem a esta solenidade! Agradeço muito aos músicos da banda.

Há algum tempo, há um mês, tive o privilégio de falar numa reunião de policiais civis presidida pelo Deputado Bessa, na Câmara dos Deputados, e abri meu discurso da mesma maneira que gostaria de fazer agora, lembrando cada um daqueles que morreram no exercício da sua atividade como bombeiro, desde aquele 2 de julho de 1856, quando o Corpo de Bombeiros foi criado no Brasil. Lembrei, naquele momento, os policiais civis que morreram em serviço e, agora, lembro aqui aqueles das gerações anteriores que deram a vida pelo bem-estar da população.

Feita essa homenagem, quero dizer que, se perguntarmos às crianças brasileiras o que elas querem ser quando crescerem, certamente, nessa pesquisa, “bombeiro” vai aparecer em primeiro lugar. É possível que, nos Estados Unidos, a escolha seja “astronauta”. É possível que, hoje, “jogador de futebol” até tenha um certo prestígio, mas a escolha continua sendo “bombeiro”. No meu tempo de criança, creio que era praticamente unânime a idéia de, ao crescer, Senador Adelmir, ser bombeiro. Nunca tive dúvida quando me perguntavam sobre o que eu queria ser quando crescesse. O destino me fez, em vez de bombeiro, incendiário, porque creio que um bom professor é aquele que toca fogo no juízo da criança, fazendo com que ela queira conhecer cada vez mais o mundo e queira cada vez mais mudar o mundo.

Mas esse sonho de ser bombeiro cheguei a levar quando, vivendo nos Estados Unidos, tentei ser bombeiro voluntário, porque lá essa é uma prática muito comum. Lamentavelmente, eu trabalhava numa instituição internacional, e, portanto, a lei não dava a obrigatoriedade de liberar para os treinamentos.

Tenho, portanto, ao falar diante de vocês, um certo sentimento de inveja. É uma inveja boa, uma inveja que satisfaz a gente, porque eu gostaria de, em vez de estar aqui, estar aí como bombeiro. Por que isso? Até para ficar claro que esse é um sentimento natural, que tem lógica. Vocês reúnem três coisas que raramente um profissional reúne. Reúnem, em primeiro lugar, aquilo que atrai qualquer jovem, que é o heroísmo. Que profissão hoje pode dizer que traz o heroísmo, a não ser a Polícia Civil, a Polícia Militar, as Forças Armadas e os Bombeiros? São pouquíssimas, a gente pode dizer. Há alguns desbravadores civis que vão à Amazônia, alguns médicos que trabalham lá no fundo do território brasileiro, alguns servidores públicos que trabalham nas fronteiras, a Polícia Federal, de que me havia esquecido. Não são muitas as instituições e os cargos que a gente pode dizer que são carregados da idéia de heroísmo, mas há alguns. Então, por que bombeiro? Porque, além desse heroísmo, vocês trazem o sentimento do serviço público. É um heroísmo que serve, que salva vidas. Não é apenas um heroísmo daqueles que enfrentam para manter a ordem, como o faz a Polícia, em geral. Vocês agem para salvar vidas. Que coisa mais bonita a gente querer ser quando jovem um herói que salva vidas!

E, em terceiro lugar, há o reconhecimento público. Há heróis que salvam vidas escondidos nas salas de operação de hospitais precários por este Brasil afora. Há médicos que são verdadeiros heróis por conseguirem fazer milagres com os poucos recursos recebidos pela sociedade brasileira, por intermédio dos seus governos. Mesmo assim, eles são heróis e salvam vidas, mas eles não têm o terceiro item, que é o reconhecimento público. Vocês são reconhecidos. Qual a criança, qual o jovem que não quer ser reconhecido? Por isso, muitos falam em ser jogadores de futebol, menos pelo dinheiro que ganha e mais pelo reconhecimento público.

O bombeiro é aquele profissional que consegue reunir estes três vetores, estes três componentes que levam a esses sonhos que os jovens têm: o reconhecimento público, o fato de salvar vidas e o heroísmo. Por isso, digo que, quando criança, como milhões de outros meninos neste País - e, hoje, há meninas também, embora aqui eu veja apenas uma na Corporação, mas o processo está crescendo -, eu sonhava em ser bombeiro. Qual criança não quer ser bombeiro? É uma aspiração.

Tive o privilégio de ocupar muitos cargos, diversos cargos, e quero dizer a vocês que um daqueles de que me orgulho é ter sido Comandante-em-Chefe, como Governador, do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, da Polícia Militar e da Polícia Civil, como também o professor nº 1, como Governador, entre os professores do nosso Distrito Federal.

Se posso dizer de uma alegria que tive - infelizmente, não sei quem fez, para não dizerem que estou indicando alguém que cometeu alguma indisciplina -, Senador Adelmir, se há uma coisa da qual me orgulho, Comandante, foi de um fato que aconteceu há alguns anos, depois de ter sido Governador: eu estava no meu carrinho, com minha esposa, perto da rodoviária, passamos ao lado de um carro do Corpo de Bombeiros, e não sei quem tocou a sirene para mim - acho até que isso não deve fazer parte da disciplina mais formal da Corporação. Quero dizer, Comandante, que, na minha vida, aquilo valeu mais do que qualquer aplauso que eu tenha recebido em qualquer palestra, conferência, comício ou discurso que eu tenha feito na minha vida. Aquele foi um reconhecimento espontâneo de um grupo de soldados da Corporação que muito nos orgulha.

Não vou falar da história do Corpo de Bombeiros, porque o Senador Adelmir já fez isso de maneira brilhante. Lembro apenas a grande marcha que vocês fizeram do Rio de Janeiro até aqui, uma grande marcha de um grupo de bombeiros que foi determinante na hora de dizer: “Aqui, de fato, existe um Corpo de Bombeiros”.

Lembro também, saindo um pouco da história do Brasil, que se pergunta muito qual é a profissão mais antiga do mundo. No ano 27 a.C., o Imperador Augusto, em Roma, criou um Corpo de Bombeiros - não se chamavam bombeiros, chamavam-se vigilis, creio. Lá estava o cerne, o embrião daquilo que seria a profissão que vocês escolheram. É uma profissão, portanto, com mais de dois mil anos e que tem sido exercida de maneira absolutamente incorruptível, o que é muito raro em outras profissões, e de maneira perfeitamente disciplinada: não se vê um soldado do fogo fugir da batalha, enquanto, em outros setores de batalha, de combatentes, às vezes, a gente vê fugas, retrocessos.

Lamento que o Corpo de Bombeiros para aquilo que se vê como fogo não tenhamos podido criar no Brasil para aquilo que a gente não vê como fogo, mas que consome as entranhas deste País, às vezes de maneira pior do que aquilo a que chamamos “fogo”. Creio, por exemplo, que não há incêndio pior neste País do que o fato de, a cada minuto, sessenta crianças abandonarem a escola no Brasil. Para mim, esse é o pior dos incêndios, porque é um incêndio ao revés, é um incêndio que apaga da mente a chama da criatividade, o potencial da população brasileira no futuro.

Lamento que não haja bombeiros para apagar esse fogo que corrói por dentro a vida de um desempregado. Quando a gente vê fogo, imediatamente liga para os bombeiros, e eles chegam; quando a gente vê um desempregado, a gente nem sabe se ele é desempregado, a gente nem percebe o fogo que o está consumindo por dentro.

Lamento que não haja bombeiro, Comandante, para tocar uma sirene quando a gente vê um adulto que não sabe ler; essa sirene tocaria e faria com que todos corrêssemos para ele, faria com que o carregássemos nos braços e o ensinássemos a ler, como se fosse uma espécie de décimo primeiro mandamento: “Ensinarás teu próximo como a teu próprio filho”.

É uma pena que não haja bombeiros para esses outros incêndios que a sociedade brasileira faz questão de ver como algo invisível, se é que a gente pode usar essa contradição. É uma pena! Mas, felizmente, pelo menos, aquele fogo visível que queima, sobretudo, propriedades e corpos, esse, felizmente, hoje, a gente sabe que está sendo bem cuidado, que está em boas mãos, em mãos de competentes soldados, como pude ver durante o tempo em que fui Governador ao acompanhar o dia-a-dia do trabalho de vocês. Não vou negar que, como político, eu poderia ter a tentação até de vir aqui lembrar o que foi feito nos meus quatros anos pelo Corpo de Bombeiros, mas eu estaria diminuindo esta homenagem.

Por isso, quero concluir, dizendo que eu queria ser bombeiro quando pequeno. Virei professor incendiário, mas querendo apagar os incêndios que os outros não vêem. Dedico minha vida de bombeiro a querer trazer de volta esses sessenta meninos e meninas que saem a cada minuto da escola para dentro da escola; dedico minha vida de bombeiro querendo fazer com que esses dezesseis milhões de brasileiros adultos que não sabem ler aprendam a ler e com que esses brasileiros que sofrem a queima interna da desmoralização, da fome até, por falta de emprego, possam ter emprego por meio da educação.

Continuo, portanto, como professor incendiário, mas como político bombeiro, não para apagar a superficialidade do jogo da política. Não! Sou bombeiro para apagar o incêndio que queima as entranhas da sociedade brasileira. E é por esse meu trabalho, por esse meu compromisso que espero, um dia, como minha última honra, como ex-Governador, como ex-Senador - peço isto não com fisiologismo, porque desejo que, daqui para lá, todos vocês já estejam mais do que aposentados -, fazer minha última viagem em cima de um carro de bombeiros.

Agradeço muito a vocês pelo que fizeram. Agradeço-lhes, de antemão, esperando que faltem muitas décadas para este dia - espero que estejam todos muito velhinhos -, se um bombeiro conduzir o carro em que eu fizer minha última viagem.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2008 - Página 23826