Discurso durante a 109ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Discordância com relação à proposta de emenda à Constituição que altera as regras do pagamento de precatórios, em tramitação no Senado Federal.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA.:
  • Discordância com relação à proposta de emenda à Constituição que altera as regras do pagamento de precatórios, em tramitação no Senado Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2008 - Página 22630
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, SUBSTITUTIVO, AUTORIA, VALDIR RAUPP, SENADOR, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, ENCAMINHAMENTO, PLENARIO, SENADO, ALTERAÇÃO, PAGAMENTO, PRECATORIO, POSSIBILIDADE, LEILÃO, AUMENTO, DIFICULDADE, CIDADÃO, RECEBIMENTO, RECURSOS, FAZENDA PUBLICA, DESRESPEITO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, ORDEM CRONOLOGICA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PRESIDENTE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), DEMONSTRAÇÃO, RISCOS, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, VIABILIDADE, DESCUMPRIMENTO, ESTADOS, MUNICIPIOS, DECISÃO JUDICIAL, FAVORECIMENTO, CIDADÃO, COMENTARIO, ESTUDO, POSSIBILIDADE, SUPERIORIDADE, TEMPO, DEMORA, PAGAMENTO, PRECATORIO.
  • DEFESA, DESAPROVAÇÃO, PROPOSTA, PREVISÃO, LOBBY, GOVERNADOR, ESTADOS, APROVAÇÃO, MATERIA, NECESSIDADE, GARANTIA, DIREITOS, CIDADÃO, DEMOCRACIA.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) -Muito obrigado Senador Papaléo, Srªs e Srs. Senadores presentes, jovens que nos visitam para nossa alegria, Srªs e Srs., o que me traz hoje aqui é uma preocupação que me acode com vistas a uma matéria que trata de uma questão de grande interesse para o povo brasileiro e cuja tramitação nesta Casa já passou por aprovação, segundo me consta, na CCJ e está em vias de vir ao Plenário do Senado Federal. É uma emenda constitucional, se não me engano, de autoria do meu querido companheiro Valdir Raupp, Líder do meu Partido, a quem peço licença para dela discordar porque creio que se vier a ser aprovada prejudicará muita gente no Brasil.

Senador Papaléo, trata-se do pagamento de precatórios, matéria que é tratada no artigo 100, da Constituição Federal.

Permito-me aqui ler, a título de introdução, o caput do artigo, para que as pessoas compreendam aquilo que vou dizer a seguir.

O art. 100, da Constituição, diz o seguinte:

“À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.

Pois bem, o artigo que compreende alguns parágrafos, disciplina o trâmite dos precatórios. A Constituição Federal assegura o pagamento dos precatórios àqueles que têm sentenças judiciais transitadas em julgado, mandando a Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal pagar tais créditos ao cidadão. Essa matéria hoje está regida, repito, pela Constituição, mas mesmo assim hoje milhares, talvez milhões, de brasileiros têm precatórios a receber sem que o pagamento de fato se efetive; é um drama.

Para minha surpresa e preocupação, a proposta - repito, creio que do Senador Valdir Raupp, nosso companheiro do PMDB, - dá outro tratamento à matéria, o que, creio, acentua ainda mais a dificuldade de as pessoas se habilitarem e receberem os respectivos créditos a que fazem jus, ou seja, os chamados precatórios judiciais.

Essa emenda, Senador Papaléo Paes, introduz o mecanismo do leilão. A ordem cronológica dos precatórios, estabelecida pela Constituição atual, vai para o espaço. Passa a vigorar um critério que acho absolutamente desumano e cruel, que é o sorteio daqueles que podem vir a ser contemplados com o pagamento do seu precatório.

Senador Papaléo, isso me lembra uma história real - não vou citar aqui nem o nome nem o órgão onde vivi essa experiência, por respeito tanto a um quanto a outro. Trabalhei há muitos anos em um órgão público brasileiro e tive um colega muito jovem. O que aparecia na frente dele, o que lhe ofereciam, ele comprava. Ele tinha uma pilha enorme de carnês. Ele comprava de tudo. O que fosse oferecido ele encarava: carro, motocicleta, roupa, fosse o que fosse. Ele tinha na mesa dele, na bancada de trabalho, uma pilha daqueles carnês de prestações. Quando chegava o fim do mês, os credores começavam a ligar e cobrar dele: “Fulano, você está pendente. Estão pendentes duas, três prestações”. Ele levava na brincadeira. Quando o credor engrossava de lá, ele dizia daqui: “Olha, se você engrossar, eu tiro você do sorteio do pagamento do mês”.

O que ele fazia, Senador Papaléo? De 10 ou 15 carnês que tinha, ele sorteava três ou quatro para fazer o pagamento do mês. Esse mecanismo que a Emenda Constitucional pretende introduzir me lembra essa história. É uma situação absolutamente inusitada. Quebra um princípio, mais que secular, introduzido na Constituição, que é o pagamento dos precatórios segundo a ordem cronológica de apresentação. Eu acho que é um mecanismo que nós devemos rejeitar nesta Casa. Essa matéria está para vir ao plenário, inclusive. Fico preocupado porque é uma alteração substancial que se faz, Senador Papaléo. Eu procuro ver com serenidade o que essa matéria pode trazer de importante para o País ou para o credor, aquele que é titular de um precatório, e não consigo achar justificativa para tal alteração.

Hoje pela manhã, abrindo os jornais, li um artigo do Dr. Cezar Britto, que é Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, que vou me permitir reproduzir porque acho que define com precisão esse equívoco. Ele mostra o risco em que vamos incorrer caso aprovemos em plenário essa matéria, que ainda vai para a Câmara. É uma temeridade que seja aprovada aqui.

Diz o artigo do Dr. Cezar Britto:

"Dois anos não foram suficientes para definir uma regra capaz de resolver de uma vez por todas o grave problema das dívidas que Estados e Municípios contraíram decorrentes de ações judiciais movidas contra a administração pública e conhecidas como precatórios. Foi esse o tempo que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado gastou para encaminhar ao plenário, sem que se esgotassem as discussões em torno das propostas apresentadas, o substitutivo ao Projeto de Emenda Constitucional nº 12. A só um lado da questão interessa manter as coisas como estão -: governadores e prefeitos pouco interessados em honrar decisões judiciais em favor de trabalhadores, pensionistas, donas-de-casa e cidadãos comuns que ousaram lutar por seus direitos na Justiça.

Feitas as contas, com base no que em breve poderá ser definido por emenda constitucional, são remotíssimas as chances de essas pessoas receberem aquilo que a Justiça já lhes assegurou, transferindo para filhos, netos, bisnetos e trinetos alguma esperança. Ou esperança nenhuma. Sendo assim, os movimentos organizados, as manifestações públicas e a abnegação de inúmeros credores terão sido em vão?

Veja-se o caso das senhoras “tricoteiras dos precatórios, movimento surgido em Porto Alegre e tragicamente marcado pela morte de seis delas no acidente do Airbus da TAM, que completa um ano no dia 17 de julho, o destino era São Paulo, onde elas iriam participar um ato público.

A lógica perversa que se tenta aplicar ao pagamento dos precatórios, eternizando a possibilidade de quitação dessas dívidas, já foi chamada inúmeras vezes de calote oficial. Mas não ofendeu ou mesmo sensibilizou governadores nem prefeitos. Ninguém quer pagar a conta, seja sob alegação de que se trata de matéria do passado e que nada tem a ver com isso (como se cidadãos vivessem num mundo sem calendários), seja porque prefere retirar dividendos eleitorais dos recursos públicos de que dispõe e aplicar o velho golpe do “devo, não nego, pago quando quiser”.

De onde se pode concluir que a questão transcende a simples negação do fato jurídico e da coisa julgada. O que se está construindo, sem que a sociedade tenha tido tempo e oportunidade para reagir, é um instrumento político de um autoritarismo sem precedentes. Os administradores públicos irresponsáveis e mal-intencionados (e não são poucos) terão meios constitucionais para perseguir, chantagear e intimidar os seus adversários de acordo com os humores da ocasião. Quem fala é o Dr. Cezar Britto, Presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Basta, por exemplo, lhes dar na telha desapropriar bens e imóveis de adversários políticos e reduzir proventos de servidores, aposentados e pensionistas, ou simplesmente não pagar seus compromissos, na certeza de que não teriam que pagar nada.

Transfere-se, assim, a dívida para outra geração de sucessores políticos. Confisca-se e, talvez um dia, os netos dos entes lesados venham a receber alguma coisa. Uma simulação feita pela Ordem dos Advogados do Brasil, com base nas propostas apresentadas até agora, revelou que quem entrar na fila dos precatórios em 2009, por exemplo, Senador Papaléo, levará de quinze a cem anos para receber. Em muitos casos, a dívida vai virar pó.

Em raciocínio simples, é exatamente isso que será votado no Plenário do Senado, onde deve ser forte a pressão de Governadores e Prefeitos sobre suas bancadas. Mais do que premiar o mau administrador, que se vê livre de qualquer obrigação, a Proposta de Emenda Constitucional nº 12, tal como está, vai premiar aqueles que não cumprem as decisões judiciais, zombam da Justiça e ferem a dignidade da pessoa humana. Leiloar as necessidades dos cidadãos é não compreender os princípios da democracia. Renunciar ao pagamento de direitos conquistados na Justiça é ignorar o que significa Estado Democrático de Direito. Cuidar da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica e do equilíbrio da relação Estado e cidadão é fundamental para quem quer parecer sério aos olhos da comunidade internacional.

Não é possível presenciar, passivamente, que se transfira para a Constituição uma situação que guarda muita semelhança com a do empresário concordatário do passado, que deixava seus credores à míngua e, depois, propunha acordos imorais por intermédio de terceiros.

Em suma, este não é um problema apenas de ordem jurídica e política, mas também moral. Como cumprir decisões judiciais não tem apelo eleitoral e significa menos recursos disponíveis para outros fins mais vantajosos politicamente, este lado moral do problema deve ser considerado.

Senador Papaléo, fiz questão de trazer esse assunto, na tarde de hoje, à tribuna do Senado Federal porque se trata de algo que devemos frear para que possamos refletir com mais vagar sobre essa alteração que se mostra, em primeiro momento, desastrosa para quem tem precatórios a receber e que já passam por uma verdadeira via-crúcis para que seus créditos sejam honrados após terem decisões judiciais transitadas em julgado, concedendo-lhes o direito de receber quantias.

Já é uma via-crúcis, já é um sacrifício, já é quase um calote oficial a que essas pessoas estão submetidas. E, da forma como vem propondo que o mecanismo seja alterado, aí é que se acentuará a dificuldade para que milhões de pessoas neste País, já com créditos reconhecidos em última instância na Justiça Federal, estadual ou municipal, tenham a garantia do recebimento dos seus créditos.

É uma preocupação muito grande. Chamo a atenção desta Casa porque essa matéria, que já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, em breve poderá vir ao Plenário do Senado e creio que deve ocupar a mente de todos nós, para que possamos tomar uma decisão, a mais justa possível, com o cidadão brasileiro, que já é tantas vezes penalizado por calotes oficiais, por planos mirabolantes, por ineficiência da máquina do Estado e não pode sofrer mais essa quase retaliação pelo simples fato de ser um brasileiro, um cidadão que teve um crédito judicialmente reconhecido e que está lá na boca do caixa querendo recebê-lo e não consegue. Às vezes, morre e não consegue, Senador Papaléo. É um drama. Já é assim, nos termos da atual Constituição Federal.

A mudança que se vizinha é mais dramática ainda: faz com que essa perspectiva se torne mais longínqua ainda, ou seja, a perspectiva do recebimento de créditos legitimamente reconhecidos pela Justiça deste País.

Essa era a advertência que eu queria trazer, para que esta Casa se prepare convenientemente para esse debate.

Agradeço a atenção e a tolerância de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2008 - Página 22630