Discurso durante a 109ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre palestra proferida por S.Exa. no último dia 21, no XII Congresso Internacional da Basic Income Earth Network - Bien, Rede Mundial da Renda Básica.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Considerações sobre palestra proferida por S.Exa. no último dia 21, no XII Congresso Internacional da Basic Income Earth Network - Bien, Rede Mundial da Renda Básica.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2008 - Página 22645
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, CONFERENCIA, ORADOR, CONGRESSO INTERNACIONAL, PROMOÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADÃO, DESCRIÇÃO, HISTORIA, FUNDAÇÃO, ENTIDADE, DEBATE, EXPERIENCIA, TRANSFERENCIA, RENDA, PAIS, MUNDO.
  • COMENTARIO, ANTERIORIDADE, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, SANÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GRADUAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, RENDA MINIMA, CIDADÃO, PRIORIDADE, ATENDIMENTO, FAMILIA, POPULAÇÃO CARENTE.
  • ESCLARECIMENTOS, BENEFICIO, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, CIDADÃO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, AUSENCIA, BUROCRACIA, REPASSE, RENDIMENTO, PARTICIPAÇÃO, RIQUEZAS, ECONOMIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, ENCONTRO, FAMILIA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RECEBIMENTO, BOLSA FAMILIA, ADVERTENCIA, NECESSIDADE, ESCLARECIMENTOS, CIDADÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, GOVERNO FEDERAL, VIABILIDADE, EFICACIA, REGISTRO, INFORMAÇÃO, CONVENIO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME, FORÇAS ARMADAS, CADASTRO, POPULAÇÃO CARENTE, DIREITOS, BENEFICIO.
  • REGISTRO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, CRIAÇÃO, FUNDOS, CIDADANIA, GARANTIA, DIVISÃO, ROYALTIES, EXPLORAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, BRASIL, BENEFICIO, BRASILEIROS, ESPECIFICAÇÃO, PETROLEO, BACIA, MUNICIPIO, SANTOS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANUNCIO, VISITA, MUNICIPIOS, BUSCA, DIALOGO, CANDIDATO, PREFEITURA, PROMOÇÃO, IMPLANTAÇÃO, AMBITO REGIONAL, PROGRAMA, RENDA MINIMA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pela Liderança do PT. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador João Pedro, Srs. Senadores, eu gostaria de, nesta oportunidade, transmitir aos Senadores, ao Senado Federal, ao povo brasileiro a palestra que fiz, no dia 21 de junho, sábado passado, no XII Congresso Internacional da Basic Income Earth Network - Bien, Rede Mundial de Renda Básica, uma instituição formada em 1986 por jovens filósofos, economistas, cientistas sociais como Philippe Van Parijs, Claus Offe, Guy Standing, James Edward Meade e outros, que resolveram formar um fórum para debater as diversas experiências de transferência de renda nos mais diversos países europeus e mesmo no mundo e para propugnar que uma renda básica incondicional venha a ser instituída em todos os países da Europa e, depois, do mundo.

            De 1986 a 2004 havia sobretudo europeus. Mas como, em 2004, no X Congresso Internacional da Bien, realizado em Barcelona, havia muitos membros que vinham de muitos países dos cinco continentes, propus que se modificasse de Basic Income European Network para Basic Income Earth Network, de Rede Européia da Renda Básica para Rede Mundial da Renda Básica.

            Senador João Pedro, permita-me que eu possa dizer da palestra que fiz, relatando, inclusive, muito da história, no Brasil, dos programas de transferência de renda.

            Minha primeira participação na Conferência Internacional da Bien ocorreu em 1994, em Londres, Reino Unido, no V congresso daquela entidade. A Bien foi fundada em 1986, inicialmente denominada Rede Européia de Renda Básica. Na ocasião, ainda estava em processo de aprendizagem sobre como uma renda básica incondicional poderia ser mais racional e mais eficiente que um programa de transferência de renda, por exemplo, sob a forma de um imposto de renda negativo com o objetivo de erradicar a pobreza absoluta e de promover a justiça em uma nação.

            Naquele V Congresso, uma homenagem foi prestada ao Professor James Edward Meade, vencedor do prêmio Nobel de Economia em 1977, que estava enfermo e foi representado por sua filha Bridget Dommen. Infelizmente, James Edward faleceu em 1995, depois de concluir seu último livro sobre as características de Agathotopia, um bom lugar para as pessoas imperfeitas habitarem.

            O Professor Meade contribuiu bastante para a defesa da renda básica desde o início dos anos trinta, quando era membro do Círculo de Cambridge, junto com John Maynard Keynes, Joan Robinson, Edward Khan e outros. Nascido em 1907, já aos 28 anos, em 1935, Meade descreveu An Outline of Economic Policy for the Labor Government (Um Esboço de Economia Política para o Governo Trabalhista), no qual já apresentava algumas das idéias que posteriormente em sua vida foram escritas de forma mais completa em Agathotopia (1989), Liberdade, Igualdade e Eficiência, An Apologia pro Agathotopia Mea (1992) e Pleno Emprego Reconquistado? Um Sonho de Agathotopia (1995).

            Por sua vez, John Maynard Keynes, em 1930, no livro As Possibilidades Econômicas para os Nossos Netos, previa que, por volta de 2030, se a humanidade evitasse as guerras, prestasse atenção à sabedoria dos cientistas e planejasse melhor o tamanho de suas famílias, seríamos capazes de garantir o bem-estar, a sobrevivência de todos.

            Em 1991, apresentei no Senado brasileiro um projeto que instituía a garantia de renda mínima a todos os adultos com 25 anos ou mais de idade e com renda mensal abaixo de US$150.00, que teriam direito de receber um imposto de renda negativo, levando em consideração a disponibilidade de recursos, variando de 30% a 50% da diferença entre o valor na época de Cr$45 mil, que equivalia a dois salários mínimos e pouco, e o seu nível de renda. O projeto em questão foi aprovado no Senado e recebeu um parecer favorável na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados.

            Foi naquele V Congresso que encontrei e conheci melhor muitos dos membros da Bien, como Philippe Van Parijs, Guy Standing, Clauss Offe, que depois visitaram o Brasil e contribuíram primordialmente para a decisão de iniciar experiências locais e regionais - em Campinas, no Distrito Federal e em dezenas de Municípios - dos Programas de Garantia de Renda Mínima vinculados às oportunidades educacionais, tais como os Programas de Bolsa-Escola, que, depois, se transformaram em programas federais e nos programas Bolsa Família.

            Em 1996, acompanhei a audiência do Professor Van Parijs com o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro da Educação Paulo Renato de Souza e sua equipe. Na ocasião, Van Parijs afirmou que seria um bom passo começar um programa de renda mínima vinculado às oportunidades educacionais com a perspectiva de um dia chegar à renda básica incondicional. Afinal de contas, se tratava de um “investimento em capital humano”, ressaltou Philippe Van Parijs.

            Esse diálogo encorajou o governo a apoiar a aprovação da Lei nº 9.533, de 1997, que permitiu à União financiar 50% dos custos dos Municípios que implantassem programas de garantia de renda mínima vinculados às oportunidades educacionais, começando pelas regiões mais pobres.

            Em 2001, o Presidente Fernando Henrique Cardoso apresentou uma medida provisória, convertida na Lei nº 10.219, de 2001, por meio da qual a União poderia financiar todos os gastos dos Municípios que implantassem Programas de Renda Mínima vinculados à educação ou Programas Bolsa-Escola.

            Em dezembro de 2001, decidi apresentar um projeto de lei instituindo uma Renda Básica de Cidadania incondicional a partir de 2005. O Senador designado para ser o Relator, Francelino Pereira, do PFL de Minas Gerais, concluiu favoravelmente, mas sugeriu a mim que o projeto fosse implantado passo a passo, compatibilizando assim a proposição com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que afirma que para cada despesa é necessário demonstrar a receita correspondente no Orçamento.

            Na ocasião, lembrei-me das recomendações do Professor James Meade, que afirmava que se desejássemos um bom lugar onde pudéssemos ter liberdade, onde cada um trabalhasse de acordo com a sua vocação e fosse capaz de gastar a sua recompensa em qualquer coisa que desejasse, igualdade para que não houvesse grandes disparidades na renda e na riqueza e eficiência para atingir um nível mais alto de vida, compatível com a tecnologia e os recursos disponíveis, deveríamos ter os seguintes arranjos e instituições: a flexibilidade de preços e salários, para promover a melhor alocação de recursos; a interação entre os empresários e os trabalhadores; o trabalho sendo pago não só através de salários, mas também através de participação nos lucros; e um dividendo social ou uma renda básica, para garantir que cada um tivesse o direito de receber o necessário para a sua sobrevivência se, por qualquer razão decorrente da flexibilidade de salários e eventuais resultados negativos das empresas, a remuneração de alguns ficar muito reduzida.

            No último capítulo de Agathotopia, James Edward Meade cita o que justamente propiciou a mim que tivesse aceitado de pronto a sugestão do Senador Francelino:

“A história sugere que forçar mudanças imediatas nessa escala contra uma oposição intransigente inevitavelmente leva a resultados desastrosos e imprevistos. Situações de mudança traumática podem surgir por outros motivos... Isso significa que a transição para os arranjos da Agathotopia levará um bom tempo... Um Dividendo Social poderia ser financiado a partir da eliminação de benefícios pessoais existentes sob as alíquotas de imposto de renda suplementados a um determinado estágio com um elemento de arrecadação especial na primeira fatia da renda. Se a jornada for conduzida cuidadosamente, é possível alcançar as condições da Agathotopia sem muitas dificuldades no caminho”.

            Portanto, era a recomendação de que deveria ser gradual, o que estava consistente com a recomendação de Francelino Pereira.

            O Senado Federal, tendo em vista esse § 2º do art. 1º do projeto, dizendo que seria instituída gradualmente, aprovou unanimemente a proposição, em dezembro de 2002, o que também fez a Câmara dos Deputados, em dezembro de 2003, sem muita resistência, aprová-la.

            Quando a matéria foi encaminhada para a sanção ou veto do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Ministro da Fazenda Antonio Palocci disse-lhe: “(..) Como é para ser instituída gradualmente, sob o critério do Poder Executivo, ela é viável e pode ser sancionada”. Assim, o projeto foi convertido na Lei nº 10.835, de 08 de janeiro de 2004.

            É interessante a coincidência pois, justamente em 09 de janeiro de 2004, o Presidente sancionou a Lei nº 10.836, do Programa Bolsa-Família.

            O Brasil é o primeiro país do mundo a ter um marco legal que institui a Renda Básica de Cidadania passo a passo, a critério do Poder Executivo, priorizando-se os mais necessitados até que um dia todo os brasileiros recebam esse benefício. O Programa Bolsa-Família pode ser visto como um passo importante na direção da Renda Básica de Cidadania.

            Concordo com as afirmações do Professor Philippe Van Parijs, da Universidade Católica de Louvain e da Universidade de Harvard, de que os grandes avanços da humanidade nos séculos XIX e XX foram, respectivamente, a abolição da escravidão e a adoção do sufrágio universal; e que, no século XXI, será a Renda Básica de Cidadania.

            A fim de garantir que as pessoas tenham uma boa educação e elevem a sua qualidade de vida, preservem e melhorem o ambiente em que vivemos, elevem o sentimento de solidariedade e de justiça, diminuam os assaltos, os roubos, os assassinatos e a criminalidade violenta, erradiquem a pobreza absoluta e possam prover real liberdade e dignidade para todos, será fundamental a instituição da RBC, ou seja, o direito de cada pessoa - não importa a sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica - receber uma renda, na medida do possível suficiente para atender às suas necessidades vitais como um direito de participar da riqueza da nação.

            Constato que cresceu o interesse dos acadêmicos, dos parlamentares, dos gestores governamentais nessa proposta. Evidência disso está no grande número de trabalhos e contribuições apresentados nos Congressos da Bien. Desde a publicação das edições anteriores de meus livros, houve ajustes nos valores do programa e na expansão do número de famílias beneficiadas.

            Em maio de 2008, toda família, no Brasil, com uma renda per capita inferior a R$120,00 por mês tem o direito de receber um complemento de renda igual a R$18,00, R$36,00 ou R$54,00 por mês, dependendo se a família tiver, respectivamente, uma, duas, três ou mais crianças até 16 anos de idade; R$ 58,00 por mês, se a renda per capita for inferior a R$60,00 e mais R$30,00 por mês, por adolescente de 16 ou 17 anos, até o máximo de dois. Portanto, o benefício pode variar de um mínimo de R$18,00 até R$172,00 por mês.

            E o Ministro Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social, anunciou que, em julho de 2008, haverá um aumento de 10% nesses valores, decorrente do aumento do custo de vida, principalmente para a população de baixa renda. O último reajuste nesses valores ocorreu em julho do ano passado. A família, para fazer jus, precisa comprovar que suas crianças de até seis anos de idade estejam recebendo as vacinas de acordo com o calendário do Ministério da Saúde; que suas crianças de sete a 15 anos e 11 meses, assim como seus adolescentes de 16 e 17 anos estejam freqüentando pelo menos 85% das aulas nas escolas;...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...que as mães estejam fazendo o acompanhamento pré-natal. Além disso, os pais são encorajados a seguir cursos de alfabetização ou de formação profissional. Atualmente, cerca de 11 milhões e 100 mil famílias são beneficiadas com o Programa Bolsa-Família. Se considerarmos uma média de quatro pessoas por família, significa que aproximadamente 44,4 milhões de pessoas estão inscritas, o que corresponde a quase um quarto dos 187 milhões de habitantes, neste País.

            Desde que instituído o programa, em 2003, houve uma evolução rápida. Em dezembro de 2003, 3,5 milhões até hoje, com 11 milhões e 100 mil, um número que permaneceu aproximadamente igual ao de dezembro de 2006 e que corresponde aproximadamente a 85% das 13 milhões de famílias com renda per capita abaixo do limite de R$120,00 mensais.

            Em 31 de maio, tive um encontro com cerca de 100 famílias em uma das populosas e pobres regiões da cidade de São Paulo, o Jardim São Paulo, parte de Guaianases, Zona Leste dessa cidade de 11 milhões e 300 mil habitantes, a maior do Brasil.

            O objetivo do encontro era explicar os direitos deles sobre os programas de transferência de renda existentes em São Paulo e no Brasil, além da perspectiva da Renda Básica de Cidadania.

            Observei, Presidente João Pedro, que nenhum dos pais presentes, a maioria mães acompanhadas de seus filhos, soube explicar a definição do Programa Bolsa-Família ou o Programa de Renda Mínima Municipal, que é muito mais generoso, ou a Renda Cidadã do Estado de São Paulo.

            De fato, em São Paulo, com os programas da União, do Estado e do Município, há sete desenhos diferentes de transferência de renda, o que torna difícil para as pessoas entenderem os seus detalhes. Algumas mães - cerca de 15 - eram cadastradas em determinados programas. Mas a maioria delas tinha uma renda familiar per capita abaixo do limite de R$175,00 por mês, estabelecida no Programa de Renda Mínima Municipal.

            Entretanto, há que ressaltar que as famílias tiveram problemas no cadastramento para ter direito ao benefício.

            Nos anos recentes, o órgão municipal gestor desses programas informou que elas deveriam esperar pela visita da assistente social às suas casas, para verificar se estão enquadradas nas exigências legais.

            Diante desses fatos, resolvi ligar para o 156, para a Secretaria Municipal dos Programas Sociais, e ali obtive mais algumas informações. Mas perguntei quando as mães vão ter a certeza de que o responsável pelo cadastramento vai visitar as suas residências, e não sabiam informar isso. Procurei o Secretário Municipal de Programas Sociais para obter uma melhor explicação.

            Na segunda parte daquela palestra, expliquei às famílias como funcionaria uma renda básica incondicional. Naquele momento, todas as famílias presentes entenderam que essa era uma proposta mais racional, que garantiria a todas as famílias realmente pobres que elas seriam beneficiadas, ou seja, pagar universalmente a todos é uma garantia para os mais pobres de que todos, efetivamente, são beneficiados.

            Se, na região mais desenvolvida do Brasil, especialmente em São Paulo, há problemas para famílias pobres entenderem exatamente quem teria direito a tais programas e também para se cadastrarem, pode-se imaginar que, nas regiões menos desenvolvidas ou até mesmo em Manaus, a situação deve ser ainda mais difícil.

            O Ministro Patrus Ananias informou que o Ministério do Desenvolvimento Social celebrou um convênio com as Forças Armadas, em especial o Exército, para identificar aproximadamente três milhões de brasileiros que possivelmente nem registro têm, que se encontram na pobreza absoluta e que, por conseguinte, não recebem o benefício do programa.

            Em 2007, o Governo brasileiro gastou R$7,5 bilhões; em 2008, com os ajustes nos valores do benefício, o orçamento do Governo Federal com o Bolsa Família é da ordem de R$11 bilhões...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Ou seja, 0,4% do PIB. Há um consenso entre os analistas de que o programa Bolsa Família, com outras iniciativas, contribuiu significativamente para diminuir o Coeficiente Gini de desigualdade, que de 0,59, em 2001, passou para 0,58, em 2002, e 0,56, em 2006. A proporção das pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza diminuiu de 26,7, em 2002, para 19,31 em 2006.

            Quero ressaltar que a Secretária Executiva Rosane Cunha, Secretária Executiva do Renda de Cidadania, foi convidada, representando o Ministro Patrus Ananias, em Dublin. Ela fez uma exposição brilhante, que foi assistida pelo nosso Embaixador Marcos Amarante. Quero cumprimentar a Srª Rosane Cunha pelo extraordinário desempenho e quero dizer o quão feliz fiquei de que ela ali pôde interagir com mais de duzentas pessoas, alguns dos mais eminentes especialistas nas questões de transferência de renda. E, sobretudo, ela pôde compreender as razões pelas quais tanto acredito na proposta da Renda Básica de Cidadania. Certamente, isso estará cooperando para que o próprio Ministro Patrus Ananias e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva possam compreender as razões da Lei nº 10.835, que é para onde nós iremos.

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, quero fazer uma consulta.

            Pergunto a V. Exª se avalia que devo encerrar de pronto, ou se devo prosseguir, quem sabe, por mais dez minutos; ou V. Exª me diga se mais cinco ou menos, para que eu conclua, porque estou praticamente no meio da palestra.

            Gostaria de fazer essa consulta a V. Exª.

            O SR. PRESIDENTE (João Pedro. Bloco/PT - AM) - V. Exª está falando pela Liderança do Partido dos Trabalhadores. V. Exª teria cinco minutos, mas já falou por vinte e quatro minutos. Vou conceder-lhe mais cinco minutos, ou melhor, mais seis minutos, para serem trinta minutos. V. Exª falará por seis líderes, pois merece registrar essa palestra.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço.

            Prezado Senador João Pedro, como, por vezes, as Lideranças aqui utilizam tempos tão generosos, avalio que a sua generosidade leva em conta também que não estará praticando qualquer abuso em conceder-me tal tempo.

            Por que a Renda Básica de Cidadania é algo tão significativo?

            Primeiramente, ela é a contrapartida da percepção comum de que todos os cidadãos devem ter o direito de participar da riqueza da nação. Há muitas formas de chegar a essa conclusão. Thomas Paine explicou muito bem, em Justiça Agrária, em 1795, por que todos devemos ter o direito inalienável de participar da riqueza da nação.

            Mas poderíamos pensar num exemplo muito simples. As pessoas do mundo inteiro visitam o Rio de Janeiro para conhecer uma das mais belas cidades do mundo. Não seria adequado que todos os cariocas - senão todos os brasileiros - venham, de alguma maneira, a participar da riqueza gerada pelo turismo? Ou, com respeito àquilo que acontece no Brasil por causa da Floresta Amazônica, que representa um interesse enorme de pessoas do mundo inteiro que vêm visitá-la, não deveriam todos os brasileiros, de alguma maneira, participar da sua riqueza ou da riqueza natural do nosso País?

            Sr. Presidente, V. Exª, muito bem, agora, apresentou um projeto de lei referente aos benefícios do pré-sal, do petróleo que está por vir. É algo que guarda relação com o projeto que institui o Fundo Brasil de Cidadania, que apresentei aqui e que tramita na Câmara dos Deputados, onde o Deputado Ciro Gomes é o Relator. Estou aguardando a possibilidade de ele logo concluir esse relatório. Na semana retrasada, eu disse a ele que perguntei recentemente ao Presidente Lula a respeito de qual o seu ponto de vista e se poderia dizer que ele é favorável, e ele disse que sim. Ele até pediu que transmitisse ao Deputado Ciro Gomes que conversasse com ele, o que já fiz.

            Mas, se é justo e de bom senso que todos os brasileiros tenham direito ao benefício gerado pelos royalties, resultantes da exploração de recursos naturais de nossa Nação, há ainda outras vantagens: primeira, a eliminação da burocracia envolvida para se verificar o quanto cada pessoa ganha no mercado formal e informal; segunda, a eliminação também de qualquer sentimento de estigma ou de vergonha da pessoa, que precisaria dizer “eu só recebo tanto, por isso mereço tal complemento de renda”; terceira, a eliminação do chamado fenômeno da dependência, que resulta de programas em que quem não recebe até tanto tem o direito de receber tal complemento de renda. Se a pessoa está por decidir se vai ou não iniciar uma atividade, ela pensa: vou iniciar essa atividade, e vem o governo e me tira o que eu estava recebendo, então quem sabe eu resolva não realizar esse trabalho ou não me formalizar. E a pessoa entra na armadilha da pobreza ou do desemprego.

            Então, se todos tivermos uma renda básica, qualquer trabalho que fizermos vai sempre significar progresso, e o estímulo ao trabalho continua. É claro que alguns estariam nos perguntando: mas será que você não vai estimular a ociosidade? O que fazer com aqueles que têm uma tendência inarredável à vagabundagem?

            Precisamos pensar, Senador João Pedro, que todas as pessoas amam fazer uma porção de coisas, gostam de fazer tantas coisas. Por exemplo, as mães quando estão amamentando os bebês; nós pais e mães quando estamos cuidando de nossas crianças para que bem se alimentem, não se machuquem e se desenvolvam bem; ou tantos de nós que participamos de organizações nos bairros, paróquias, igrejas, diretórios acadêmicos para realizar ações que consideramos importantes. Quando Vicent van Gogh e Amedeu Modigliani pintaram as suas obras e saíram às ruas para tentar vendê-las e mal conseguiam, ambos ficaram doentes precocemente e morreram cedo, e hoje suas obras são vendidas por milhões de dólares.

            Ora, Sr. Presidente, permita-me fazer uma observação: a Constituição brasileira, como a de tantos países, assegura o direito à propriedade. Isso significa que aquelas pessoas que detêm a propriedade do capital, de fábricas, fazendas, lojas, supermercados, hotéis, restaurantes, títulos financeiros, empreendimentos imobiliários, essas pessoas podem receber juros, lucros, aluguéis, os rendimentos do capital. Eu pergunto...

            (Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pergunto, Senador João Pedro: a pessoa para receber, no Brasil, rendimentos na forma de juros, lucros e aluguéis, precisa comprovar que esteja trabalhando? Precisa comprovar que suas crianças estejam indo às escolas ou que os seus adolescentes estejam indo às melhores escolas, às melhores universidades? Não. Se nós asseguramos aos mais ricos o direito de receberem os rendimentos do capital, juros lucros e aluguéis, sem quaisquer exigências dessa natureza, por que não estender simplesmente a todos, ricos e pobres, o direito inalienável de partilhar da riqueza das nações?

            O caso emblemático e importante que ilustra isso tão bem é o do Alasca, onde, há 25 anos, se distribui, todos os anos, um dividendo igual a todos os seus habitantes. Em 1976, isso começou quando o governador Jay Hammond perguntou aos 300 mil habitantes e aos seus representantes se seria bom se separassem 50% dos royalties, decorrentes da exploração de recursos naturais, para fazer um fundo que a todos pertenceria, pois era preciso pensar não apenas na geração presente, mas na vindoura. À proposta 76 mil pessoas disseram “sim”, e 38 mil, “não”. De dois para um, venceu a proposta, e, desde então, os recursos foram sendo investidos em títulos de renda fixa, ações de empresas do Alasca, contribuindo para diversificar a sua economia, ações de empresas dos Estados Unidos, internacionais, inclusive brasileiras, empreendimentos imobiliários. O fundo passou de US$1 bilhão em 1980, para US$40 bilhões hoje. E cada pessoa residente no Alasca foi recebendo um dividendo, que foi evoluindo desde US$300.00, US$400.00, US$500.00, até chegar, ano passado, a US$1,654.00 per capita, como um direito de todos os atuais setecentos mil habitantes, desde que ali residindo há um ano ou mais. Todos participam da riqueza daquela nação. Qual foi o resultado disso, Senador João Pedro? O programa fez do Alasca o mais igualitário dos cinqüenta Estados norte-americanos.

            Quando estive em janeiro último, no Iraque, explicando essa proposta de como o Iraque poderia inclusive utilizar-se desse exemplo para criar uma renda básica de cidadania, a partir de sua riqueza de recursos naturais, especialmente do petróleo, os Parlamentares, os Ministros que me receberam e o próprio Presidente Al Mashhadani, do Conselho de Representantes do Iraque, acharam que era uma proposta de muito bom-senso. Agora, ali, no diálogo com o Presidente José Ramos Horta, com o Primeiro-Ministro do Timor Leste, Xanana Gusmão, com os professores e estudantes da Universidade Nacional do Timor Leste, bem como com os Parlamentares que me ouviram na semana passada, todos acharam que se trata de uma proposta de muito bom senso.

            Espero, Senador João Pedro, que possamos agora estimular todos os Municípios brasileiros e, portanto, os prefeitos atuais, em especial os que serão candidatos a prefeitos e prefeitas em todos os Municípios brasileiros, a realizarem experiências pioneiras da garantia de uma renda básica.

            Quero aqui registrar que, da mesma maneira como os programas de renda mínima pioneiros associados à educação se iniciaram em Campinas, Belo Horizonte, Ribeiro Preto, Belém, Mundo Novo - com Doralice, que foi uma pioneira naquela época -, também agora são adotados em municípios pequenos, médios e grandes. Até Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus, Fortaleza e Recife poderão ser exemplos pioneiros da Renda Básica de Cidadania.

            Conforme disse hoje à tarde, ainda no primeiro pronunciamento, me disponho a ir a Manaus - como vou, quarta-feira, a Belém do Pará - e a todos os municípios brasileiros para ajudar todos aqueles que são candidatos a prefeito e que estão escolhendo sua plataforma de governo.

            Já transmiti isso à própria candidata à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, ao ex-Governador Geraldo Alkmin, ao Gilberto Kassab, ao Deputado Ivan Valente, também candidato, companheiro, a todos os candidatos, inclusive a Soninha, se for candidata, e ao Aldo Rebelo, que será o candidato a Vice-Prefeito. Estou disposto a ajudar a equipe de todos eles a pensar a maneira viável de fazer a transição do Programa Bolsa-Família para a Renda Básica de Cidadania, ajudando o Presidente Lula a fazê-lo.

            Vou concluir, Sr. Presidente.

            Em junho do ano passado, fui convidado pelo Professor Götz W. Werner, da Universidade de Karlsruhe, juntamente com o Professor Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz, a fazer uma palestra sobre o microcrédito e a renda básica de cidadania como instrumentos para erradicar a pobreza e promover o empreendedorismo.

            O Professor Götz Werner deu-me um livro Uma renda para todos para que o desse ao Presidente Lula. Sua Excelência, justamente, estava de passagem em Berlim. Fui à Embaixada Brasileira e, diante do Ministro Celso Amorim, dei-lhe o livro do Professor Götz Werner e transmiti ao Presidente Lula o convite para que fosse à Alemanha logo que fosse instituída uma renda básica para todos os brasileiros. O Presidente Lula, que inclusive me autorizou a relatar o episódio na palestra que lá fiz, respondeu-me: "Eduardo, vamos garantir três anos de bom crescimento econômico do Brasil. Daí nós o faremos." E darei o máximo de mim para que esse objetivo possa ser alcançado pelo Presidente Lula e pelo Brasil.

            Muito obrigado, Presidente João Pedro. Agradeço-lhe a tolerância especial.

 

            O SR. PRESIDENTE (João Pedro. Bloco/PT - AM) - V. Exª falou por 38 minutos. Espero que V. Exª tenha externado fundamentalmente essa palestra em Dublin.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Peço a gentileza que possa ser transcrita na íntegra.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY

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            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2008 - Página 22645