Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para dados do TCU, estimando que quase metade do dinheiro repassado pela União às ONGs tenha sido desviado de suas finalidades precípuas.

Autor
Heráclito Fortes (DEM - Democratas/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).:
  • Alerta para dados do TCU, estimando que quase metade do dinheiro repassado pela União às ONGs tenha sido desviado de suas finalidades precípuas.
Aparteantes
José Nery.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/2008 - Página 24138
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, ORADOR, PRESENÇA, SENADO, OBJETIVO, APROVAÇÃO, EMPRESTIMO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
  • ANALISE, ATIVIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), BRASIL, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, IDONEIDADE, ENTIDADE, AUSENCIA, RECEBIMENTO, REPASSE, GOVERNO.
  • GRAVIDADE, ESTIMATIVA, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), DESVIO, FUNDOS PUBLICOS, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DADOS, CRESCIMENTO, NUMERO, ENTIDADE, AUSENCIA, REGISTRO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), IMPORTANCIA, INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, CRITICA, BANCADA, GOVERNO, OBSTACULO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI).
  • DENUNCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ESTADO DO PIAUI (PI), ILEGALIDADE, ATUAÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), QUESTIONAMENTO, REPASSE, AREA, SAUDE, SOLICITAÇÃO, EXAME, MINISTERIO PUBLICO ESTADUAL, PROTESTO, MANIPULAÇÃO, PROMESSA, AUSENCIA, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA.
  • ANALISE, EFEITO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), AUMENTO, PROVIDENCIA, MINISTERIO PUBLICO.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero agradecer ao Senador José Nery pela generosidade. Ocorre que devo pegar um avião logo mais para Teresina.

Quero lembrar, Senador Paim, que na semana passada vim a esta tribuna com o mesmo objetivo de falar e viajar. Mas, tendo em vista o episódio envolvendo o empréstimo do Rio Grande do Sul, eu, prazerosamente, fiquei aqui até às 16h50min. Espero que hoje não haja a necessidade de uma nova vigília.

Mas quero lembrar que exatamente uma semana atrás...

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Permita-me, Senador?

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI) - Pois não, V. Exª tem a palavra.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Naquele momento, eu estava numa diligência pública no Rio Grande do Sul, a serviço, com o Senador José Nery inclusive, mas acompanhei o ocorrido. E quero, de público, agradecer em nome de todo o Estado do Rio Grande do Sul a sua solidariedade naquele momento, que foi fundamental, até que o Palácio mandasse para cá o empréstimo para o nosso Estado. Já cumprimentei os outros Senadores que estiveram aqui e o faço agora da tribuna a V. Exª.

Naquela manhã, conversei com o Senador Simon - e conversamos muito sobre a questão. No momento, agradeço especificamente a V. Exª.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI) - V. Exª fique absolutamente tranqüilo. Em primeiro lugar, não tem o que agradecer. Fizemos aqui aquilo que mandava a consciência, no estrito cumprimento do dever. Agora, de uma maneira prazerosa, porque se tratava do Rio Grande do Sul, e V. Exª sabe o apreço que tenho por V. Exª, pelo Senador Simon e pelo Senador Zambiasi.

Eu quero dizer que, no primeiro momento, eu me preocupei com a ausência de V. Exªs, e o Pedro Simon foi de uma correção tremenda. Disse-me: “Estiveram em contato comigo. Nós fizemos um rodízio, e hoje é a minha vez de estar aqui” - para evitar inclusive especulação de que os senhores estavam ausentes.

Há outro dado que é preciso levar em conta. Ninguém esperava que houvesse aquele atraso, aquela procrastinação por conta da burocracia.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Exato. Estava tudo ajustado.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI) - Foi uma decisão que teve de ser tomada aqui em cima da perna. Mas V. Exª, além de tudo, sabe que eu propus, há mais de um ano, o acordo do chimarrão com a rapadura, que é a aliança do Piauí com o Rio Grande do Sul, e que tem dado certo. Espero que continue assim.

Mas, Sr. Presidente, eu quero falar um pouco hoje aqui sobre um assunto, Senador Nery, que V. Exª defende, que o Senador Paim, defende e que eu defendo também. É exatamente pela defesa que nós fazemos dessa vertente que a sociedade brasileira tanto necessita que nós criamos uma CPI para separar o joio do trigo, como diz o bom gaúcho. Eu estou me referindo à CPI das ONGs.

Longe de mim a idéia de acabar com esse programa e essa atividade fantástica do terceiro setor. O Estado moderno exige a participação cada vez maior da sociedade, e nós temos ONGs que são exemplo disso.

Agora mesmo perdemos, de maneira muito triste para País, Dona Ruth Cardoso, que foi uma defensora de ONGs no Brasil e soube tratá-las de maneira austera, de maneira séria.

Temos outro exemplo, Senador José Nery, que é a Drª Viviane Senna com a sua Acelera Brasil. Ela tem um trabalho irreparável, irretocável e cumpre estritamente o papel das ONGs, uma vez que é não-governamental. A ONG Acelera Brasil não recebe dinheiro de governo. Ela se mantém às custas de doações e de repasses vindos da iniciativa privada.

Lá no Piauí, temos os que fazem o bom jornalismo, e é um jornalismo muito rico, Senador Nery, o jornalismo piauiense. O Francisco Magalhães tem um portal chamado Porteira e traz na sua coluna de hoje dados sobre a devassa que o Tribunal de Contas da União fez nas ONGs mantidas por órgãos públicos federais.

Senador Nery, se o Mão Santa aqui estivesse diria “Atentai bem”. Eu lhe peço apenas que preste atenção para este dado: o TCU estima que quase metade do dinheiro repassado pela União às ONGs, perto de R$1,5 bilhão, tenha sido desviado das finalidades ou surrupiado pelos dirigentes.

Em 2002, o Brasil tinha 22 mil ONGs. Em 2008, passaram a ser 260 mil. Veja bem: em 2002, de 22 mil para 260 mil; em 2007, pularam para 300 mil, das quais - olhe lá - 100 mil atuam na Amazônia, a qual V. Exª tão bem representa. Esses últimos dados são da própria CPI do Senado. Entre as 300 mil - olhe outro dado impressionante, Senador Nery -, somente 4,5 mil estão legalmente registradas no Ministério da Justiça.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse será o maior escândalo do País quando, na realidade, houver uma determinação de uma apuração séria sobre o setor.

Fico triste quando vejo a base do Governo fazer um esforço para que não se apurem esses escândalos. Fica a impressão de que a base ou setores da base sobrevivem às custas dessa imoralidade, com a qual não podemos compactuar. Temos a cada dia recebido notícias de ONGs eminentemente de cunho eleitoral.

No Piauí, temos uma ONG que foi, durante muito tempo, a base de sustentação política de um setor do PT ao qual é ligado o atual Governador. O próprio Secretário de Educação Antonio José Medeiros, certa vez, contestando-me na televisão, reconheceu que foi por ali que passaram pessoas da sociedade piauiense que hoje desfrutam de posições destacadas no cenário político do Estado, todas do PT, todas ligadas ao Secretário de Educação, que, aliás, especializou-se em ONGs. Em União, por exemplo, ele mantém uma com a qual faz toda sua movimentação política em detrimento de normas que regem esse instituto.

As notícias no Piauí são de liberação de recursos da ordem de R$ 2,5 milhões, recentemente, por parte do Governo do Estado para ONGs.

Surpreendi-me com o Secretário de Saúde ontem, repassando dinheiro para associações no interior do Estado para, por exemplo, combater a Aids. Ora, é muito esquisito! E essa notícia está relacionada ao Município de São Pedro, que é administrado pelo PT. Por que esses recursos não foram destinados à Secretaria Municipal de Saúde local ou à própria Prefeitura de São Pedro? Desconfiança da gestão do Prefeito? Ou será que essa foi uma maneira sutil de manipular recursos?

Eu queria que o Ministério Público do Piauí - por sinal, quero até elogiá-lo, porque tem sido atento a alguns fatos - examine.

Em outro Município, passaram recursos para uma ONG ligada a uma colônia de pescadores. Nada contra, mas ocorre, Sr. Presidente, que estamos em um ano eleitoral, momento em que a Justiça procura coibir, de todas as maneiras, os abusos. Já basta!

O Governador se dirigia a vários municípios, assinando ordens de serviços para obras, sem dizer a fonte de recursos, quando vão começar e quando vão terminar.

Eu mostrei aqui, no cumprimento do meu dever, dias atrás, quinze estradas anunciadas por S. Exª no ano de 2006, ano eleitoral, estradas que tiveram apenas cinco ou sete quilômetros de suas obras realizadas: as máquinas foram retiradas, deslocadas para outra região. E agora S. Exª começa novamente a fazer uma peregrinação, anunciando recursos exclusivamente com fim eleitoreiro. O Governador, que, na outra eleição municipal, teve uma participação discreta, agora entra, como se diz, de cabeça nesse processo eleitoral.

Temo pelos cofres do Piauí, porque obra começada e não terminada, meu caro Senador Nery, é um desastre, é um desastre para o Estado, é um desastre para a população.

Vemos obras novas sendo iniciadas, mas não vemos, por exemplo, nenhum cuidado com a recuperação da estrada que liga Teresina a Palmeirais. Aliás, seria bom que S. Exª cumprisse promessa que fez e construísse uma estrada tão importante para aquela região, que é a ligação de Palmeirais a Amarante. São promessas de campanha, ordens de serviço e por aí vai...

Faço este registro na certeza de que o Ministério Público vai acompanhar essas distribuições de ordem de serviço, principalmente em municípios como Campo Maior, como União, como Amarante, onde se tenta impor candidaturas para o fortalecimento do esquema político de S. Exª.

Aliás, o Governador, quando Deputado Federal, denunciou 154 prefeitos do Piauí. Hoje alguns são ex-prefeitos, outros voltaram a ser prefeitos, mas muitos esqueceram as denúncias e hoje estão de mãos dadas com o Governador. Mas essa não é a questão. A questão é que essas denúncias feitas no passado parecem ter caído no esquecimento de S. Exª, e se pratica exatamente aquilo que, durante muitos anos, foi combatido.

Senador Nery, com o maior prazer, escuto V. Exª.

O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Heráclito Fortes, em primeiro lugar, quero cumprimentá-lo pelo pronunciamento que faz. Num primeiro momento, V. Exª abordou, com precisão, um assunto que nos interessa bastante, que é o assunto relacionado à atuação das organizações não-governamentais em nosso País, as ONGs. Durante boa parte de minha vida, eu tive a satisfação e o privilégio de atuar numa organização não-governamental, a ONG Fase, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, talvez uma das mais antigas do País - daqui a pouco, completará cinqüenta anos. A Fase atuou num importante momento da vida brasileira. Um pouco antes da ditadura e, depois, no período da ditadura militar, foi uma instituição que se dedicou à educação popular, à organização de grupos populares nas cidades e nos campos, trabalhando com camponeses, operários e movimentos populares urbanos. No Pará, no baixo Tocantins, durante doze anos, atuei na equipe da Fase, contribuindo para a organização dos operários, dos camponeses, dos pescadores e dos trabalhadores rurais de forma muito decisiva. Sei que grande parte das organizações não-governamentais têm honrado a melhor tradição dessas organizações no sentido da lisura, da boa aplicação dos recursos e dos serviços imprescindíveis em muitas regiões do País. Porém, me associo com os esforços que possam ser feitos - e a CPI é um dos instrumentos que podem ser usados nesse sentido - para verificar quem, no mundo das ONGs, vem fazendo falcatruas, desviando recursos públicos, o que, sem dúvida, não pode receber o nosso apoio, pelo contrário, recebe a nossa condenação. Agora, tenho me preocupado com algo que vai justamente na linha do que V. Exª falou no início: devemos distinguir as boas ONGs daquelas que têm atuado de forma ilícita - às vezes são até constituídas para esse fim. Apóio a investigação com rigor, vamos ser rigorosos na apuração, mas vamos ser generosos com aqueles que trabalham bem, inclusive dando enorme contribuição ao desenvolvimento social, comunitário, popular, em nosso País. Então, parabenizo V. Exª por trazer esse tema. O fato de ter sido instalada a CPI já está provocando um pouco mais de interesse do próprio Governo, especialmente do Ministério da Justiça: hoje recebi a informação de que se pretende, por meio de decreto, normatizar, regulamentar, obrigar que essas organizações sejam todas cadastradas no Ministério da Justiça, com a obrigação de prestação de conta anual e de acesso público. Portanto, são medidas que podem vir no sentido de nos ajudar, de ajudar a sociedade a acompanhar o desenvolvimento e monitorar a atuação das ONGs em nosso País. Parabéns a V. Exª pelo tema que traz ao plenário nesta manhã. Muito obrigado.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI) - Agradeço a V. Exª e só lamento que essa regulamentação por parte do Ministério do Planejamento, anunciada, inclusive, pelo Ministro Paulo Bernardo, não tenha sido feita lá atrás, quando ele prometeu, exatamente porque aqueles que gostam de viver com o perigo convenceram o Governo de que não poderiam fazer este ano ou que se fizesse apenas a partir de julho para que os repasses com fins eleitoreiros ainda tivessem o amparo da legislação antiga. Isso é um absurdo! Então, as normas serão baixadas agora em julho, quando os repasses já estão proibidos. Esse é mais um crime que se comete. E se tenta fazer isso com a sutileza de um elefante. A sociedade toda está vendo porque atrasaram a normatização desse setor, o que é lamentável.

Mas, Senador José Nery, tem um fato interessante. Quando comecei a coleta das assinaturas, recebi a ameaça de que um grupo de comunicação, de que vários setores se voltariam contra mim. Tudo mentira, tudo pressão, tudo chantagem. Aliás, chantagens sofisticadas, que beiram aos dossiês. Depois disseram que eu iria comprar uma briga com a Igreja. Nós estamos com essa CPI funcionando já há algum tempo e não vi nenhuma ONG ligada ao movimento católico ser motivo de devassa ou pelo menos de suspeita. Essa gente confunde a ONG de origem humilde, de origem periférica com a ONG sofisticada, dos tapetes azuis, coloridos, dos móveis importados - ali é onde mora a corrupção.

Podemos encontrar, inclusive, falhas de origem técnica nessas ONGs de periferia, como eu chamo, mas não são falhas criminosas, são falhas que, pedagogicamente, podem ser corrigidas. Elas têm limitações de acompanhamento, elas têm limitações de toda natureza, mas, se formos ver, a obra está feita, o benefício chegou ao seu destino, atingiu seu objetivo. Interessa-nos investigar o desvio, interessa-nos o dinheiro que vem de fora para cá - e nós não sabemos com que finalidade -, interessa-nos a invasão que estrangeiros fazem em nosso País, degradando as nossas terras, invadindo as nossas matas, levando as nossas riquezas, invadindo pesquisas em que o Governo brasileiro e empresas privadas brasileiras gastaram anos e anos a fazê-las. O nosso problema é contra esse tipo de coisa; e as investigações, tenho certeza, acontecerão.

V. Exª disse uma coisa muito correta: a CPI está surtindo seus efeitos, até porque o Ministério Público pode não ter um mecanismo para sair buscando erros e falhas das ONGs e derivadas, mas, a partir do momento em que recebe denúncia, quer seja através desta tribuna, quer seja por meio da CPI que acompanha, o Ministério Público toma as devidas providências e os efeitos já estão sendo vistos.

Portanto, faço este registro, meu caro Senador Paulo Paim, agradecendo a V. Exª pela generosidade.

Não temos nada contra as ONGs boas. Mas não podemos aceitar as ONGs más, as que, segundo as estatísticas do próprio TCU, já tomaram conta do campo. É o joio e o trigo. Temos que lutar para que se sobressaia o trigo enquanto ainda houver no campo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/2008 - Página 24138