Fala da Presidência durante a 92ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem aos 200 anos da Imprensa Brasileira e a seu patrono, Hipólito José da Costa.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM. IMPRENSA.:
  • Homenagem aos 200 anos da Imprensa Brasileira e a seu patrono, Hipólito José da Costa.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2008 - Página 17850
Assunto
Outros > HOMENAGEM. IMPRENSA.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, IMPRENSA, OPORTUNIDADE, SAUDAÇÃO, HIPOLITO JOSE DA COSTA, PIONEIRO, FUNDADOR, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, PERIODO, IMPERIO.
  • COMENTARIO, HISTORIA, RESTAURAÇÃO, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, INICIATIVA, ASSIS CHATEAUBRIAND (PR), JORNALISTA, LANÇAMENTO, INAUGURAÇÃO, CAPITAL FEDERAL.
  • HOMENAGEM, PRESIDENTE, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), JORNALISTA, EMPENHO, RENOVAÇÃO, ELOGIO, EDIÇÃO, HIPOLITO JOSE DA COSTA, FUNDADOR, GARANTIA, LIBERDADE DE IMPRENSA, ETICA, VERDADE, INFORMAÇÃO, SOCIEDADE.
  • REPUDIO, TENTATIVA, RESTRIÇÃO, LIBERDADE DE IMPRENSA, ESPECIFICAÇÃO, OCORRENCIA, ATENTADO, JORNALISTA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • COMENTARIO, HISTORIA, VIDA, PATRONO, IMPRENSA, BRASIL.

            O SR. PRESIDENTE (Pedro Simon. PMDB - RS) - Agradeço a exposição e o posicionamento de V. Exª.

            Prezado Sr. Roberto Wagner Monteiro, Presidente do Conselho Superior da Abratel; meu querido amigo Paulo Tonet Camargo, diretor do Comitê de Relações Governamentais da Associação Nacional dos Jornais; senhoras e senhores, o Senado da República realiza hoje uma sessão especial para destacar os 200 anos da Imprensa Brasileira, transcorrido em 1º de junho, e para homenagear o seu patrono, Hipólito José da Costa, fundador do nosso primeiro jornal, o querido Correio Braziliense.

            Criado em Lisboa, Hipólito da Costa, um cosmopolita, transitou entre dois continentes, mas nunca mais voltou ao seu País. A imprensa brasileira surge na história do mundo sob o signo da intolerância. Nosso jornalista pioneiro foi perseguido por suas idéias, e o primeiro jornal circulou de forma clandestina no nosso País desde o início até a última edição, em dezembro de 1822.

            Hoje, com o País em plena democracia, o Correio Braziliense vive uma nova fase, uma brilhante fase, diga-se de passagem. O primeiro número desse renascimento, ditado por Assis Chateaubriand, foi lançado na inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960. O Brasil vivia uma época de ouro, um período de grande otimismo no futuro do País, e o Correio, renovado, registrava os acontecimentos com grande alegria.

            Presto minhas homenagens ao Correio Braziliense na pessoa do seu presidente, Álvaro Teixeira da Costa; dirijo-me também à equipe de profissionais, trabalhadores, que tornam o jornal uma referência nacional. Sua criatividade surpreende quase diariamente os leitores.

            Um exemplo é a revista em quadrinhos encartada na edição de domingo passado, sobre Hipólito da Costa. De forma didática, a revista ilustrada conta a história do Patrono da Imprensa Brasileira e da fundação do Correio Braziliense - “um jornal que nasceu duas vezes: em 1808, em Londres; e, em 1960, em Brasília”.

            A iniciativa de abordar assuntos de interesse político e público em forma de revistas em quadrinhos é elogiável e poderia se tornar, dentro do possível do seu preço, permanente. Um tema que me ocorre é a questão da Amazônia, que desperta curiosidade, a cada momento, no Brasil e no mundo inteiro.

            O nosso querido Cristovam chamou a atenção para a frase que está ali: “Revelar a verdade é um dever sagrado para o jornalista”. Ela resume a relação que Hipólito da Costa tinha com o jornalismo, visto também como um serviço público em benefício da sociedade e da cidadania. De fato, nada pode ser mais importante para a imprensa quanto a obediência ao princípio de verdade. Mais ainda do que qualquer outra profissão, porque, no caso da comunicação social, sua credibilidade e relevância decorrem diretamente do grau de observância a esse princípio da liberdade.

            A verdade tem relação estreita com a ética e com a liberdade, conceitos que implicam responsabilidade, respeito e compromisso com o próximo, pilares fundamentais da democracia e da civilização.

            Tanto é assim que a referência à liberdade está presente nas Constituições de praticamente todos os países do mundo. A Constituição do Brasil, em seu art.5º, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais do Cidadão”, assegura a todos essa informação.

            A liberdade de imprensa está garantida amplamente no art.220, “Da Comunicação Social”, que veda qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística.

            Diz ainda a nossa Carta Magna que não pode haver monopólio dos meios de comunicação de forma direta ou indireta. Está na Constituição. Mas a virtude de uma República, evidentemente, não se faz somente na Constituição e nas leis.

            A liberdade de expressão também consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, em seu preâmbulo, considera a liberdade de palavra e a liberdade de pensamento sob a proteção do Estado de direito.

            E, numa dimensão poética, Os Estatutos do Homem, do nosso querido Thiago de Mello, estabelece, em seu art.1º, simplesmente: “Fica decretado que agora vale a verdade”.

            A verdade, meus amigos, era a pauta, a essência do trabalho do nosso primeiro jornalista. A busca da verdade permanece atual e necessária, principalmente num mundo globalizado, que vive a maior revolução na área da informática, das comunicações da história da humanidade.

            Entretanto, em que pese esse avanço tecnológico, o advento da internet, dos blogs com notícias e opiniões instantâneas, continua a intolerância contra jornalistas e veículos que contrariam o Governo, a elite, os grupos dominantes.

            O jornalismo de caráter investigativo, que tem no repórter Tim Lopes um verdadeiro mártir, sofreu nesses dias um novo golpe: a detenção e tortura de uma equipe de um jornal carioca por milicianos de uma favela.

            Há poucos dias, aconteceu um atentado contra um repórter de uma emissora de TV em São Paulo.

            O jornalismo investigativo virou profissão de alto risco no Brasil, o País onde mais se processa jornalistas no mundo. São quatro mil ações contra jornalistas por ano.

            Senhoras e senhores, que figura singular e admirável a do nosso Hipólito da Costa!

            Num país quase sem referências na vida pública nacional, a coragem e a convicção de Hipólito da Costa na luta em defesa das suas idéias e em seu amor pela pátria merecem ser louvadas.

            Hipólito nasceu em 1774, no povoado de Colônia de Sacramento, quando Colônia de Sacramento era território português, que mais tarde se tornou o Uruguai. Tinha quatro anos de idade e um irmão recém-nascido quando, com sua família, deixou a região, que passara ao controle espanhol.

            Os pais, Félix da Costa, um militar brasileiro, e Ana Josefa, uma moça portuguesa, atravessaram a fronteira e fixaram-se como fazendeiros no meu Estado do Rio Grande do Sul.

            Até os 18 anos de idade, o futuro Patrono da imprensa brasileira e membro da Academia Brasileira de Letras, viveu em solo gaúcho, entre Rio Grande e Pelotas. Posteriormente, formou-se na Universidade de Coimbra, em Portugal, em Direito, Ciências Naturais, Filosofia e Matemática. Sua inteligência, sua curiosidade, sua capacidade de observação, chamavam a atenção da Corte.

            Hipólito foi enviado aos Estados Unidos, em missão oficial, com o objetivo de registrar o que acontecia no país que, então, dava seus primeiros passos como nação independente. Com base em suas observações, escreveu um livro primoroso Diário de Minha Viagem à Filadélfia. Essa viagem mudou o pensamento e a vida de Hipólito José da Costa. A liberdade de imprensa de que desfrutava a jovem nação despertou o futuro jornalista.

            Ligado à maçonaria desde então, organização considerada subversiva pela monarquia, acabou preso em Lisboa pela Inquisição. Permaneceu dois anos e meio no cárcere. A experiência traumática foi relatada no livro Narrativa da Perseguição, em que, pela primeira vez, se divulgavam publicamente autos e regimentos internos do Santo Ofício.

            Socorrido por amigos influentes, Hipólito conseguiu fugir. Exilou-se na Inglaterra e nunca mais pôde voltar a Lisboa ou ao Brasil.

            Foi sepultado no estrangeiro, mas seus restos mortais foram transferidas para o Brasil e hoje estão no Museu da Imprensa Nacional aqui em Brasília.

            “O retorno de Hipólito ao Brasil é, de certa forma, o encontro do País consigo mesmo”, conforme a feliz definição do Professor Jaques A. Wainberg, no artigo “As várias faces de Hipólito da Costa”.

            Em Londres, Hipólito sobreviveu, inicialmente, como professor e tradutor, até lançar o primeiro jornal brasileiro, muito bem recebido por um público ávido por notícias e informações sobre a Colônia do Brasil.

            Seus leitores formavam a elite de comerciantes, altos funcionários, políticos e intelectuais, nos dois continentes.

            O Correio Braziliense recebeu esse nome - interessante salientar - porque na época o termo “brasileiro” se aplicava apenas a quem vinha ao Brasil para enriquecer e depois voltar a Portugal. Brasileiro, na época, era quem vinha para o Brasil para enriquecer e voltar a Portugal. Ao passo que “brazilienses” eram aqueles que tinham o Brasil como pátria, mesmo se portugueses de nascimento. Os indígenas eram referidos como “brasilianos”.

            Cada número do jornal tinha cerca de 100 páginas, era editado uma vez por mês. Os leitores encontravam de tudo, desde notícias sobre novidades tecnológicas e suas aplicações práticas, até análises e comentários sobre assuntos políticos, econômicos e culturais, especialmente literatura - o Correio também trazia na capa o título “Armazém Literário”.

            A coleção dos 29 volumes do jornal está preservada na Biblioteca Nacional, com textos introdutórios de Barbosa Lima Sobrinho, José Mindlin e Paulo Cabral de Araújo entre outros. É uma excelente fonte para historiadores, uma ótima fonte para pesquisadores que podem analisar o jornal e os fatos históricos comentados por Hipólito da Costa.

            O jornalista não era agressivo. As suas críticas não eram radicais. O jornalista acreditava na justiça e não deixava de dizer o que pensava.

            Escreveu certa vez que considerava “triste para um jornalista que deseja o bem de sua pátria ser obrigado a revelar ao mundo verdades tão humilhantes para a sua nação”. Assim, Hipólito da Costa deixa claro que considerava um dever do jornalista dizer a verdade e relatar os fatos, mesmo que isso contrariasse até o sentimento e condição de patriota.

            Apesar das dificuldades, o Correio Braziliense exerceu grande influência e tinha muitos leitores também no Brasil, onde chegava de forma clandestina. Dizia-se à época que o próprio Dom João VI estava entre os seus leitores, pois, pelo jornal, Dom João VI podia tomar conhecimento até mesmo sobre o que andava fazendo os seus ministros.

            Em todos os acontecimentos importantes à época em que circulou, o Correio esteve presente através de seus comentários e suas notícias. As campanhas pela abolição da escravatura, as campanhas pela permanência no Brasil do Príncipe Dom Pedro I, as campanhas e a luta pela independência foram objeto da análise, das críticas e da opinião de Hipólito da Costa, um jornalista que honrou a profissão.

            Na última edição do seu jornal, Hipólito despediu-se, alegando ser desnecessário manter a impressão de um jornal no exterior dedicado às coisas do Brasil, quando já existia liberdade de imprensa no País.

            Cá entre nós, foi um otimismo exagerado de Hipólito da Costa, como ficou mais do que amplamente comprovado mais tarde, com a perseguição contra jornalistas que se arriscavam a contrariar o novo poder estabelecido, ainda que com a Independência.

            Hipólito morreu em Londres, em 11 de setembro de 1823, oito meses depois da sua despedida no Correio Braziliense.

            Em 1999, seu nome foi sugerido como símbolo da Imprensa Nacional pela Associação Rio-grandense de Imprensa.

            É importante, senhoras e senhores, é muito importante que não esqueçamos aqueles que lutaram, até com o sacrifício da própria vida, para defender suas idéias e a liberdade de expressá-las.

            Destaco o exemplo notável de profissionais que entraram para a história política do País, como Barbosa Lima Sobrinho, histórico Presidente da Associação Brasileira de Imprensa nas horas mais amargas da nossa história brasileira e exemplo de dignidade; Wladimir Herzog, vitimado pelo regime militar, no qual vejo representadas as centenas e centenas de jornalistas que lutaram pela causa da liberdade. É possível citar ainda muitos outros nomes que honraram a profissão, desde Cipriano Barata até Machado de Assis e José do Patrocínio, que publicavam desde manifestos e opiniões até contos literários nas páginas das folhas e gazetas da imprensa brasileira.

            É nossa responsabilidade a construção da sociedade que queremos para viver. A imprensa deve cumprir seu papel, estimular o debate e o pluralismo de idéias, tão salutar para os regimes democráticos.

            Com esta homenagem procuramos destacar o valor da liberdade de expressão e da imprensa independente para a construção e a manutenção da sociedade democrática.

            A nossa querida Imprensa no Brasil tem uma história rica e emocionante, que deve ser muito conhecida para que a nossa própria história tenha o devido valor e seja devidamente respeitada.

            Está virando praxe a Presidência avançar um pouco o sinal, mas tenho a obrigação de falar aqui, concluindo o meu pensamento, sobre - eu diria - o desabafo do Presidente Garibaldi no início desta sessão. Muito, muito, muito importante o pronunciamento do Senador Garibaldi! Aliás, justiça seja feita, o Senador Garibaldi, desde que assumiu a Presidência, está tomando uma posição realmente significativa em torno da credibilidade do Senado Federal. S. Exª se referiu às chamadas medidas provisórias.

            Estamos vivendo uma fase em que, na verdade, na verdade, o Senado e a Câmara dos Deputados estão longe de legislar, e o Presidente da República está tendo superpoderes que, nem na ditadura, os regimes militares tinham. O regime militar ditava o decreto-lei, mas o decreto-lei era por uma vez só. Valia por 60 dias e acabava. E o decreto-lei tinha de ser editado sobre uma única matéria.

            As medidas provisórias, na verdade, são um escândalo absurdo, porque o Governo faz o que bem entende e dita uma medida provisória com sete, oito assuntos diferentes. Houve uma medida provisória em que, no art. 25 ou 26, o Governo baixava uma norma completamente diferente que não tinha nada a ver com a matéria e que alterava profundamente a legislação brasileira.

            Nós vivemos uma hora amarga.

            O Supremo Tribunal tomou uma decisão fantasticamente importante: disse que crédito extraordinário não pode constar de medida provisória. Fez aquilo que sabemos e não quisemos fazer. A Constituição é muito clara. O que o Senado e a Câmara teria de fazer seria devolver ao Presidente da República a medida provisória que não estivesse de acordo com aquilo que é determinado. A medida provisória tem de ser sobre matéria urgente, absolutamente urgente, e determinada. O Governo está mandando medida provisória sobre o que bem entende, e o Congresso não tem a coragem, porque lamentavelmente a Maioria não deixaria que ele fizesse isso, de devolver, de rechaçar, desde o início, a medida provisória.

            Acho que resta um momento importante. Diz bem o Senador Garibaldi que o uso do cachimbo deixa a boca torta. O Governo está tão acostumado com medidas provisórias... Justiça seja feita, as medidas provisórias vêm desde Sarney, passando por Collor, por Fernando Henrique e Lula. Se bem que este editou o dobro das medidas provisórias que o anterior. Já se acostumou de tal maneira que não sabe governar sem medida provisória. Mas encontrar uma fórmula, encontrar um entendimento, é absolutamente necessário. A pauta está sobrestada? Sim. O que o Governo está querendo é que a medida provisória não tranque a pauta, mas que continue existindo. Acho que não é apenas isso. Trancar a pauta é um escândalo, um absurdo, mas está chamando a atenção para o exagero da edição de medidas provisórias. Se tivéssemos a coragem de devolver a medida provisória, já seria uma grande coisa. O Supremo Tribunal teve coragem de dizer: “não pode”. O Advogado-geral da União, em uma atitude infeliz, falando para a televisão ainda no prédio do Tribunal, disse: "Essa é uma medida só. Não diz respeito às outras. As outras são, cada uma, um caso à parte".

            E o Presidente mandou nova medida para cá com créditos extraordinários. Felizmente, o Governo teve a grandeza de retirá-la. Estamos agora nessa expectativa.

            Acho que o Presidente Garibaldi tem que sair na nossa frente. E nós temos que ter coragem de devolver medida provisória que não cumpra a Constituição, que não esteja de acordo com a Constituição. Isso eu acho realmente muito importante.

            Agradeço a presença de todos. Foi uma honra muito grande tê-los aqui, nesta sessão que, apesar de singela, representou o pensamento do Senado Federal com relação ao grande jornalista Hipólito e com relação ao nosso querido Correio Braziliense.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2008 - Página 17850