Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para o risco de graves tensões sociais e políticas devido à alta nos preços dos alimentos, apontando a especulação financeira como a principal causa da onda inflacionária.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Alerta para o risco de graves tensões sociais e políticas devido à alta nos preços dos alimentos, apontando a especulação financeira como a principal causa da onda inflacionária.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2008 - Página 26021
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, PREÇO, ALIMENTOS, ESPECIFICAÇÃO, PRODUTO ALIMENTAR BASICO, AMEAÇA, RETORNO, INFLAÇÃO, AGRAVAÇÃO, ONUS, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, COMENTARIO, DADOS, DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATISTICA E ESTUDOS SOCIO ECONOMICOS (DIEESE), ESTUDO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEFASAGEM, SALARIO MINIMO, COMPARAÇÃO, CUSTO DE VIDA, POPULAÇÃO CARENTE, CRESCIMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, GLOBALIZAÇÃO, POBREZA, FALTA, OPORTUNIDADE, MERCADO DE TRABALHO.
  • ANALISE, PROBLEMA, ESPECULAÇÃO, PRODUTO ALIMENTICIO, BOLSA DE MERCADORIAS, ORIGEM, CRISE, PREÇO, ALIMENTOS.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), INFLAÇÃO, MUNDO, ORIGEM, POLITICA, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, IMPOSIÇÃO, OBSTACULO, COMBATE, ESPECULAÇÃO, MERCADO FINANCEIRO, INCENTIVO, PRODUÇÃO, ALIMENTOS, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, PROTEÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, TRABALHADOR RURAL, CANA DE AÇUCAR.
  • ELOGIO, INICIATIVA, GOVERNO, CRIAÇÃO, PLANO, AGRICULTURA, PECUARIA, AUMENTO, SAFRA, GRÃO, REDUÇÃO, CUSTO, PRODUÇÃO, INCENTIVO, ECONOMIA FAMILIAR, PEQUENO PRODUTOR RURAL, NECESSIDADE, ESTABILIDADE, TAXAS, JUROS, CONTROLE, INFLAÇÃO.
  • DEFESA, AUMENTO, PRODUÇÃO, ALIMENTOS, ENERGIA RENOVAVEL, UNIÃO, PROGRAMA, ACELERAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PLANO, AGRICULTURA, PECUARIA, INCENTIVO, PRODUTOR RURAL, PRODUTO RURAL, MELHORIA, INFRAESTRUTURA, ZONA URBANA, REDUÇÃO, CARGA, TRIBUTOS, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, AMPLIAÇÃO, UTILIZAÇÃO, FERROVIA, HIDROVIA, ADOÇÃO, PLANO DE GOVERNO, EMERGENCIA, POLITICA DE PREÇOS, PRODUTO ALIMENTICIO.
  • APOIO, CRIAÇÃO, COMISSÃO, ANALISE, CRISE, ALIMENTOS, NECESSIDADE, DEBATE, SITUAÇÃO, BUSCA, SOLUÇÃO, INCENTIVO, AMPLIAÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, EXPANSÃO, MERCADO INTERNO, MELHORIA, RENDA, INCLUSÃO, POPULAÇÃO CARENTE.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero desta tribuna chamar mais uma vez a atenção e destacar a importância, a gravidade e a urgência do tema da inflação dos alimentos ou da ameaça inflacionária que bate às nossas portas.

            É um assunto que tem que merecer a nossa atenção política permanente. Esta crise, marcada por uma rápida subida da inflação, é grave por vários motivos:

            Em primeiro lugar, é grave porque atinge camadas sociais que já vivem no seu limite em termos de sobrevivência e de precárias condições de vida. E se considerarmos que cada trabalhador tem, em torno de si, sua família, mulher e crianças e às vezes um dependente idoso, vamos entender que cada aumento da cesta básica provoca mais padecimento, mais sofrimento.

            E temos que levar em conta que o próprio aumento, recente, do salário mínimo não acompanha essa carestia. Renda e salário mínimo entraram em descompasso; o salário mínimo subiu em março, de 380 para 415 reais e evidentemente enquanto os alimentos sobem velozmente depois de março. Não é preciso nem mencionar os cálculos do Dieese, segundo os quais, o mínimo necessário para uma família de quatro pessoas viver, avançou de 1.881 para 1987 reais. Basta considerar que o preço médio dos alimentos triplicou nos últimos doze meses. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou um aumento de 0,79% em maio - o maior patamar dos últimos 12 anos.

            Em segundo lugar, é muito grave porque se trata de uma inflação que vem atingindo em cheio os produtos que vão para a mesa, os mais básicos. E justamente estes produtos do item alimentos são os que habitualmente mais pesam no bolso das camadas mais pobres. Por gastar 40% de sua renda com alimento, a classe baixa já convive com inflação de mais de 8%, contra uma de 5,5% para os ricos. Esta inflação tem que ser cortada pela raiz. Ou seja, temos um círculo socialmente perverso: os mais pobres - que já sabemos que pagam mais impostos - são os que mais gastam com alimentos, são os que mais vão sofrer com essa carestia. O custo da cesta básica deu um salto de 23% no primeiro trimestre de 2008.

            E, finalmente, a situação é grave pela amplitude mundial que ela assumiu, mas também pelo fato de que ela se desenvolve dentro de uma globalização que, do ponto de vista da pobreza, deixa muito a desejar. Esta é uma razão de fundo que agrava o impacto do problema alimentar: a globalização aumentou a distância entre ricos e pobres.

            Segundo estudo recente da ONU, embora a renda per capita, se for tomada de conjunto, tenha crescido, este crescimento encolhe quando o compararmos com o crescimento da renda dos mais ricos. O abismo é chocante. Dados daquele levantamento da ONU, de 168 páginas, intitulado A fair globalization (Uma globalização justa), mostram que, no começo dos anos 60, a renda per capita das nações mais pobres era de US$212.00, enquanto nos países mais ricos era de US$11.417.00. Em 2002, essas cifras passaram, respectivamente, para US$267.00 e US$32.339.00. Vejam que os países ricos tiveram um aumento de 183% e os mais pobres apenas de 26% da sua renda per capita.

            Ou seja, enquanto a renda dos países pobres cresceu 26%, a dos ricos cresceu 183%. Por outro lado, o desemprego mundial já afeta um terço da força de trabalho global. Em uma palavra: a pobreza está se globalizando. Os direitos dos trabalhadores estão sendo desfeitos pelo mundo afora, o capital migra daqui para ali atrás da mão-de-obra mais barata. E se é verdade que a produtividade tem crescido, muito mais tem crescido a falta de oportunidades ou de empregos.

            Portanto, o que estou procurando argumentar é que o problema da inflação dos alimentos, que é, em si mesmo, grave, torna-se mais grave ainda porque está situado em um contexto de desigualdade crônica e crescente que o torna pior. Leva à criação de tensões sociais e políticas que podem alcançar o limite do insuportável. E isso tem que nos preocupar, deve preocupar ao Presidente Lula e a todos nós. Essa é a primeira consideração.

            Mas, por outro lado, quando vejo o debate sobre as causas e os remédios apontados para essa crise alimentar e inflacionária, fico ainda mais preocupado. As causas e os remédios. Entre as causas, por exemplo, costumam ser apontados a alta do petróleo, as variáveis climáticas e o etanol, ou seja, o crescente interesse dos Estados Unidos pelo biocombustível. Tudo isso é certo, mas há um outro elemento causador que tem que ser devidamente destacado e que raramente recebe a devida consideração: trata-se da especulação com os alimentos e preços de commodities por parte do capital especulativo.

            Uma das inegáveis causas dessa explosão no preço dos alimentos tem muito a ver com especulação: o capital mais parasitário está especulando com grãos, com alimentos, inclusive na bolsa de mercadorias futuras. Nunca se pode esquecer que os preços de commodities agrícolas são formados em bolsas internacionais.

            Reportagem da revista Carta Capital mostra que o grande estrago por trás dessa inflação mundial está na política de redução da taxa de juros norte-americana desde 2001 (por Alan Greenspan). Reduzindo juros, ele esperava empurrar a crise econômica norte-americana para adiante. Mas o resultado não se fez esperar. Com juros baixos, o mercado mundial ficou abarrotado de capital em busca de nichos de especulação. Foi daí que veio a bolha do subprime e a subseqüente crise imobiliária dos Estados Unidos.

            Ao mesmo tempo, é certo que a economia chinesa cresceu com toda força e veio com seu apetite voraz por matérias-primas e alimentos. O resultado final é que se vive um desequilíbrio mundial, com os fundos especulativos ganhando rios de dinheiro, jogando suas cartas na escalada dos preços dos produtos primários, e não somente agrícolas. Mas também estão especulando com petróleo. E, obviamente, as prateleiras brasileiras e do mundo inteiro estão amargando os resultados desse cassino em torno das bolsas de alimentos. Este, sim, é um grave problema e uma grave irresponsabilidade: estamos brincando com fogo quando o capital financeiro especula com um item crucial como grãos e alimentos em geral.

            Então, não se trata apenas de problema climático, de alta de petróleo e nem, muito menos, do etanol. Produzir etanol não está na raiz do problema e não tem que significar reduzir produção de alimentos. Esse problema tem solução: basta que o Governo incentive e proteja a produção de alimentos da cesta básica, que não avance sobre a área de alimentos e garanta o direito dos trabalhadores dos canaviais. Uma coisa não precisa se chocar com a outra.

            Já com relação ao capital especulativo e sua sede de lucrar com commodities, este ponto tem que ser atacado: é preciso uma reação enérgica do governo e de todos os governos o quanto antes. Não se pode, em nome da agiotagem, permitir que o circo pegue fogo, que a população mais pobre pague a conta da especulação para alegria dos aplicadores internacionais.

            E aqui também entramos no problema dos juros. Observo que, quando o Governo procura as saídas para conter a alta dos alimentos, o primeiro remédio que vem é a alta dos juros. Ora, reza o bom senso que não se pode combater um incêndio com gasolina. Juros altos inibem a produção. Juros altos atraem e vão atrair muito mais para nosso País aquele capital a juros que está especulando com matérias-primas, que anda pelo mundo ávido por juros altos.

            É verdade que o Governo está reagindo à crise dos alimentos e lançou o Plano Agrícola e Pecuário (PAP), por meio do qual abriu linha de crédito agrícola no valor de R$65 bilhões. Com esse plano, voltado para a safra 2009, pensa em incentivar a exportação de grãos para aproveitar as oportunidades mundiais, pensa em controlar, ao mesmo tempo, o preço dos alimentos mais consumidos no mercado interno, por exemplo, por meio do aumento dos estoques oficiais de grãos, principalmente de arroz e milho. Pretende também corrigir os preços mínimos pagos ao produtor, principalmente de arroz, feijão, milho e trigo. Em suma, objetiva aumentar em 5% a safra atual de grãos e promover a liquidez do produtor (redução de custos de produção), além de incentivar a agricultura familiar, com R$13 bilhões de crédito.

            Mas o problema, de toda forma, é que, se houver um arrocho nos juros, Sr. Presidente, qualquer idéia de crescimento econômico, produtivo, de forma sustentada, vai ficar comprometida. Vai haver um incentivo oficial à agiotagem, ao capital que nada produz, vamos ao desequilíbrio ainda maior das nossas contas públicas.

            Aumentar a taxa de juros é premiar os aplicadores estrangeiros em papéis brasileiros, em títulos da dívida pública. É premiar a desvairada especulação. O balanço de pagamentos do País vai se desequilibrar. E todos sabemos que, a partir da hora em que a conta comercial também ficar desequilibrada, em que as divisas encolherem, virá o estouro da boiada, a fuga maciça de capitais agiotas. O Governo, neste caso, só sairá perdendo, o povo só sairá perdendo. É como argumenta o ex-Presidente do BNDES, Carlos Lessa: pagar uma taxa de juros proibitiva impede o Governo de fazer política de saúde, política de educação, política de transportes, políticas públicas para todos os brasileiros.

            O Presidente Lula, no entanto, acerta quando chama a atenção para o biodiesel e combustíveis renováveis, como a energia hidrelétrica, e também quando procura aproveitar a febre mundial de commodities agrícolas para fazer o Brasil ocupar mais espaço - nosso País vem crescendo na exportação dos sete itens mais demandados pelo comércio global. Podemos e devemos produzir comida e energia renovável. Temos petróleo, temos a sexta reserva mundial de urânio, etanol, energia renovável, território que permite produzir de quase tudo. Não há por que não lutar contra a pobreza e não fazer com que um país com tantos recursos naturais dê certo.

            Mas, para isso, temos que questionar o remédio costumeiro e amargo das altas taxas de juros. Temos que unir o PAC e o PAP à urgente construção de infra-estrutura urbana do tipo metrô e trem, mais do que incentivar ao consumo de automóveis, que estão inviabilizando as grandes cidades com seu cortejo de mortes e poluição.

            Temos que desonerar tributos, sobretudo dos alimentos da cesta básica; incentivar transporte por ferrovias, rios; apoiar a produção local; adotar planos emergenciais de alimentos e incentivar a agricultura orgânica, que, além do mais, é saudável, consome menos pesticidas, menos máquinas agrícolas.

            E, como já disse antes, em meio a um quadro social mundial grave e com uma crise de petróleo que veio para ficar, temos que agir rápido. A crise mundial do petróleo tende a se consolidar, já que as reservas conhecidas e também as estimadas são menores do que o crescente consumo. Isso significa escassez. E escassez joga preço do petróleo para cima, justamente a matéria-prima que faz parte dos custos de quase todos os alimentos e commodities mundiais, seja insumos, seja transporte, tudo.

            Sou a favor da criação de uma comissão de alto nível, por parte do Governo, por parte do Congresso, para examinar essa questão, para examinar soluções e remédios que não sejam dos juros altos ou do aumento do superávit primário para pagar a dívida pública.

            Essas são soluções que podem melhorar os ganhos do capital especulativo, mas tendem a levar o País para um beco sem saída. Temos que discutir soluções que incentivem a produção, não somente de alimentos, mas a produção industrial em geral, a plena expansão do mercado interno, da renda da classe trabalhadora e da inclusão social. Há a dívida social que temos que combater.

            O relatório da ONU tem razão: se não diminuirmos urgentemente a distância entre as camadas ricas e a enorme massa pobre, não haverá crescimento e nem equilíbrio social que se sustentem.

            Era o que queria dizer, Sr. Presidente, em homenagem aos brasileiros, aos trabalhadores que dependem dos alimentos baratos para sobreviverem e terem uma vida decente, digna.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2008 - Página 26021