Discurso durante a 129ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária à lei de cotas e o estatuto racial.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Manifestação contrária à lei de cotas e o estatuto racial.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2008 - Página 27161
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, ENTREGA, DOCUMENTO, SUBSCRIÇÃO, SINDICALISTA, DEFENSOR, GRUPO ETNICO, DIVERSIDADE, MOVIMENTAÇÃO, NATUREZA SOCIAL, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEFESA, INCONSTITUCIONALIDADE, SISTEMA, COTA, NEGRO, ALEGAÇÕES, MA-FE, AGRAVAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO.
  • CRITICA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, INFERIORIDADE, QUALIDADE, ENSINO, DEFASAGEM, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, BAIRRO, CLASSE MEDIA, PERIFERIA URBANA, DEMONSTRAÇÃO, DADOS, PESQUISA, AMOSTRAGEM, DOMICILIO, LIMITAÇÃO, ACESSO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, UNIVERSIDADE.
  • CRITICA, SISTEMA, COTA, UNIVERSIDADE, ESTATUTO, RAÇA, AMPLIAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, NEGRO.
  • COMENTARIO, HISTORIA, SEPARAÇÃO, RAÇA, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AFRICA DO SUL, ALEMANHA.
  • REGISTRO, AUSENCIA, CONCEITO, RAÇA, CRITICA, UTILIZAÇÃO, ATUALIDADE, SEPARAÇÃO, POPULAÇÃO.

           O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem Apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: no dia 30 de abril, um grupo de 113 sindicalistas, ativistas de movimentos negros e de outros movimentos sociais, intelectuais e empresários entregou ao ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, uma extensa carta, intitulada “Cento e Treze Cidadãos Anti-racistas Contra as Leis Raciais”. Trata-se de um documento que expõe, com extrema lucidez e argumentação sólida, as nefastas conseqüências da política de cotas raciais que vem sendo adotada no Brasil.

           Os signatários começam por citar o artigo 19 da Constituição Federal, segundo o qual “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. Lembram que a alegação dos proponentes de cotas raciais, de que o princípio da igualdade de todos perante a lei exige tratar desigualmente os desiguais, pode ser aplicado em áreas como o direito tributário, com a tributação progressiva, ou em políticas sociais de transferência de renda. Mas usá-lo como amparo a leis raciais, afirmam, não passa de um sofisma.

           Nada melhor que o sistema de cotas raciais para desviar a atenção de dois importantes problemas, nenhum deles vinculado à cor da pele dos brasileiros. O primeiro é a profunda desigualdade social, que não discrimina entre pretos e brancos. O segundo é a baixa qualidade do ensino em geral, conjugada à existência de um abismo entre as escolas localizadas nos bairros de classe média e as da periferia.

           A pobreza no Brasil, lembra a carta, “tem todas as cores”. A edição de 2006 da PNAD, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, mostrou que, entre 43 milhões de pessoas com 18 a 30 anos de idade, quase 13 milhões tinham renda familiar per capita de meio salário mínimo ou menos. Neste grupo, 30 por cento declaravam-se “brancos”, 9 por cento “pretos” e 60 por cento “pardos”. Desses quase 13 milhões, só 21 por cento dos “brancos” e 16 por cento dos “pretos” tinham completado o ensino médio. Muito poucos, de qualquer cor, continuaram estudando.

           O que os números demonstram é que a barreira que limita o acesso ao ensino superior não é a cor, e sim a pobreza. Não importa se o pobre é branco, preto ou pardo, ele enfrentará os mesmos obstáculos, quase sempre intransponíveis, para completar seus estudos.

           O Estado brasileiro, ao decidir-se pela adoção das cotas raciais, cometeu dois erros. O primeiro foi o de ignorar evidências reforçadas por estatísticas como as do PNAD. O segundo foi o de ressuscitar o conceito de raça, exatamente quando os cientistas acabaram de comprovar que ele simplesmente não existe.

           As diferenças entre o que chamamos de “raças humanas”, como afirmam os autores da carta, são diferenças físicas superficiais. É o caso da cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de raios ultravioleta em diferentes regiões, que está expressa em menos de 10, dos 25 mil genes do genoma humano. “A única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de ‘raças’”, escreve o geneticista brasileiro Sérgio Pena.

A quem deve interessar manter vivo o ultrapassado e desacreditado conceito de “raça”, a valorização das diferenças biológicas entre os seres humanos? Aos racistas, naturalmente. Na Alemanha de Hitler e na África do Sul dos tempos do apartheid, a “raça” determinava o destino do indivíduo. Podia condená-lo à miséria, à morte, ou justificar a concessão de privilégios. Na maioria dos Estados do Sul dos Estados Unidos, até o fim da década de 1950, vigorou uma rigorosa segregação racial, que fazia dos negros cidadãos de segunda classe.

           A política de cotas raciais foi uma das maneiras que os norte-americanos encontraram para reduzir as desigualdades resultantes dessa segregação. Mas, décadas depois de ter sido introduzida, sua ineficácia foi reconhecida recentemente pela Suprema Corte, que declarou inconstitucionais as políticas educacionais baseadas no critério racial. Vale citar aqui um trecho do voto do juiz Anthony Kennedy, reproduzido na carta entregue ao ministro Gilmar Mendes: “Quem exatamente é branco e quem é não-branco? Ser forçado a viver sob um rótulo racial oficial é inconsistente com a dignidade dos indivíduos na nossa sociedade''.

           É assim que viveremos, sob a política de cotas raciais. Num país marcado pela miscigenação, pela mistura das raças - que se tornou um valor cultural brasileiro -, monstruosidades jurídicas como a lei de cotas e o estatuto racial vão oficializar o racismo. Certidões de nascimento, prontuários médicos e carteiras do INSS vão informar a raça do portador, e, ao matricularem os filhos na escola, os pais terão de informar se eles são “negros”, “brancos” ou “pardos”.

           Ninguém dotado de bom senso pode negar a existência de preconceito racial no Brasil. Mas trata-se de um preconceito envergonhado, subterrâneo, incapaz de alimentar a exclusão. Não existem movimentos racistas organizados. E está mais do que comprovado que é a educação das pessoas, e não a cor de sua pele, que explica as diferenças de renda e as oportunidades que lhes são oferecidas ao longo da vida.

           Para avaliar o quanto a mestiçagem evolui no País, basta analisar os dados estatísticos. No censo nacional de 1940, os que se declaravam “pardos” representavam 21 por cento da população. Em 2006, na PNAD, eles saltaram para 43 por cento. Os “brancos” caíram de 63 por cento em 1940 para 49 por cento em 2006, e os “negros”, de 15 por cento para 7 por cento.

           No Brasil, assim como nos Estados Unidos, é impossível responder à pergunta do juiz Anthony Kennedy: “Quem exatamente é branco e quem é não-branco?” Em nossas universidades, criaram-se tribunais, disfarçados em comissões, que determinam a “raça” dos jovens candidatos ao vestibular. É impossível negar que essas “comissões de certificação racial” evocam memórias desagradáveis, de ideologias totalitárias, há muito desaparecidas...

           São comissões que já cometeram inúmeros erros, em vários Estados. Basta citar dois casos de gêmeos, univitelinos, gerados no mesmo óvulo, que se inscreveram no vestibular da Universidade de Brasília, fazendo uso do sistema de cotas raciais, adotado pela UnB e por mais 33 universidades brasileiras. Em ambos os casos, um dos gêmeos foi considerado “negro”, e o outro, “branco”...

           Existe um imenso preconceito contra os pobres, e a cor desta pobreza não tem a menor importância. É preciso combatê-lo de todas as formas, mas não é introduzindo o racismo oficializado que vamos resolver o problema. Estamos criando um novo problema, sufocando a valorização da diversidade, fabricando raças, justamente quando a ciência prova que elas não existem. E adiando a solução da questão verdadeira, que deveria ser o centro de nossas preocupações - que é proporcionar condições de ascensão a todas as nossas crianças, por meio de uma educação de qualidade, sem levar em conta a cor da pele.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2008 - Página 27161