Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre matéria intitulada "Supremo vigiado", publicada no jornal Folha de S.Paulo, edição de hoje.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Comentários sobre matéria intitulada "Supremo vigiado", publicada no jornal Folha de S.Paulo, edição de hoje.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/2008 - Página 27308
Assunto
Outros > JUDICIARIO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), QUESTIONAMENTO, CONDUTA, POLICIA FEDERAL, GRAVAÇÃO, VIDEO, GABINETE, PRESIDENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ATENDIMENTO, PEDIDO, JUIZ, DIVULGAÇÃO, DIALOGO, ASSESSOR, ADVOGADO, BANQUEIRO.
  • QUESTIONAMENTO, FALTA, COMPETENCIA JURISDICIONAL, JUIZ, PRIMEIRO GRAU, INVESTIGAÇÃO, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), COMPETENCIA, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, REALIZAÇÃO, CONTROLE EXTERNO, APURAÇÃO, CONDUTA, MINISTRO, TRIBUNAIS.
  • APREENSÃO, SUBVERSÃO, ORDEM JURIDICA, BRASIL, OCORRENCIA, ABUSO DE PODER, POLICIAL, REPRESENTANTE, JUDICIARIO, EXCESSO, DIVULGAÇÃO, IMPRENSA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, RESULTADO, INVESTIGAÇÃO, PROVOCAÇÃO, INJUSTIÇA, COMPARAÇÃO, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ESPECIFICAÇÃO, COMISSÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, APURAÇÃO, SISTEMA, PENITENCIARIA, ANTECIPAÇÃO, INDICIAMENTO, MAGISTRADO, PROMOTOR, AUSENCIA, PRODUÇÃO, PROVA JUDICIAL, PROVA TESTEMUNHAL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, SEGURANÇA, NATUREZA JURIDICA, NECESSIDADE, IGUALDADE, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, CIDADÃO.
  • QUESTIONAMENTO, IMPRUDENCIA, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ANTECIPAÇÃO, DECLARAÇÃO, CRITICA, METODO, ATUAÇÃO, POLICIA FEDERAL.

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia passar ao largo de toda esta crise que hoje começa a dar sinais de uma extensão que pode prejudicar a vida institucional do País.

Desde a prisão do investidor e banqueiro Daniel Dantas, do ex-prefeito Celso Pitta e do megaespeculador Naji Nahas, o noticiário tem trazido constantes e surpreendentes revelações, que não podem deixar de ser analisadas por esta Casa.

Compulsando o jornal Folha de S.Paulo, numa das respeitáveis colunas que esse diário exibe ao seu público, chamada “Painel”, da lavra da jornalista Renata Lo Prete, vi uma revelação, na manhã de hoje, que merece a maior e mais serena reflexão de todos aqueles que têm algum tipo de responsabilidade com a coisa pública. E é exatamente sobre essa matéria que eu gostaria de tecer alguns comentários. “Supremo vigiado” é o título.

Gilmar Mendes foi avisado por uma desembargadora do TRF - SP de que a PF monitorou seu gabinete na presidência do Supremo Tribunal Federal a pedido do juiz Fausto Martin de Sanctis - que mandou prender Daniel Dantas e, depois que Gilmar mandou soltar, mandou prender de novo. A partir do alerta, o ministro confirmou informação recebida pouco antes, segundo a qual a PF tem em mãos um vídeo, com imagens gravadas no Supremo, em que assessores da presidência conversam com advogados de Dantas.

No STF, a notícia da existência do vídeo foi recebida com indignação, mas também com algum sarcasmo. Funcionários do tribunal dizem que inexiste cena mais corriqueira ali do que a romaria de advogados em busca de habeas corpus para seus clientes.

Sr. Presidente, se o Presidente da Corte Suprema deste País está sujeito à bisbilhotagem - e, neste caso específico, determinada até por um juízo singelo, um juízo de primeiro grau -, imagine só a que grau de exposição estão os cidadãos mais simples deste País! A que grau de insegurança está vivendo o cidadão que tem negócios, que tem família, o cidadão que vive um cotidiano, mas que tem uma proteção constitucional, que é o sigilo de suas conversas, o sigilo de sua vida e, de repente, nenhuma dessas garantias pode ser efetivamente assegurada!

           É bem verdade que a lei confere ao magistrado a competência para quebrar sigilo telefônico e fiscal, mas é uma medida que exige um certo comedimento e que tem que observar, rigorosamente, o objetivo específico que leva o magistrado a decretá-la, na apuração de uma infração grave, na apuração de um crime, existindo indícios de que determinado indivíduo tenha envolvimento com ele, existindo evidências claras, evidências fortes, aliás.

É claro que o juiz não deve vacilar e deve efetivamente investigar porque, acima de tudo, quando se quebra a paz social com a prática de um crime, é preciso que se conheçam os autores e que se desvendem todas as suas nuanças. Portanto, no momento em que o legislador atribuiu ao magistrado o direito de quebra do sigilo bancário deste ou daquele individuo, está também atuando em defesa da sociedade.

Mas aqui vai uma indagação: o Ministro Gilmar Mendes estava sendo investigado por algum magistrado sobre algum tipo de crime? Havia evidências contra esse magistrado pela prática de alguma infração grave? Cabe indagar também, Sr. Presidente: um juiz singelo, ou seja, um juiz de primeiro grau tem competência jurisdicional para investigar e para processar um Ministro do Supremo Tribunal Federal? Será que a estrutura jurisdicional do nosso País só vale para os homens comuns? Pelo que aprendi na faculdade de Direito, Sr. Presidente, existe não apenas uma hierarquia no ordenamento jurídico do nosso País, mas também uma hierarquia na estrutura orgânica dos órgãos judicantes.

Ora, o Congresso Nacional dotou o nosso País de um órgão chamado Conselho Nacional de Justiça, cuja função precípua é exatamente apurar todas as irregularidades que eventualmente venham a afetar a conduta do magistrado, ou os defeitos de todos os órgãos judicantes do Brasil.

Na minha avaliação, o juiz singelo, o Juiz Fausto Martin de Sanctis, como magistrado e cidadão, tem todo o direito de suspeitar de desembargadores, de ministros e até de colegas seus do mesmo grau. Todavia, como magistrado que é, portanto dotado de formação jurídica, cumpria-lhe buscar os caminhos legais, e o caminho legal seria representar ou pedir, mesmo em caráter reservado, uma investigação no órgão próprio. Se ele tivesse alguma suspeita contra o Presidente do Supremo Tribunal Federal, teria de acionar o Conselho Nacional de Justiça. Esse órgão, sim, tem competência legal, jurisdição, para investigar ministros de todos os tribunais. É o chamado controle externo, que foi criado pelo Congresso Nacional por meio de lei.

Então, aquilo a que estamos assistindo hoje... Não quero aqui discutir o mérito do Juiz Fausto Martin quanto às investigações que ele está promovendo e que merecem os aplausos de toda a sociedade brasileira. Acho que investigar a corrupção, apurar os crimes financeiros que ocorrem neste País é mais do que um direito, é um dever da magistratura, é um dever de todos os magistrados deste País, é um dever do Ministério Público e é uma atribuição constitucional das organizações policiais. Não questiono o mérito. Acho que, se o ex-prefeito Celso Pitta, o megaespeculador Naji Nahas, o banqueiro Daniel Dantas aprontaram as suas, dilapidaram o patrimônio público ou cometeram crimes financeiros de qualquer ordem, mesmo contra acionistas, isso precisa, efetivamente, ser investigado, e os responsáveis têm de ser punidos. Mas o que me preocupa e que me traz a esta tribuna é essa subversão da ordem legal que está ocorrendo em nosso País, principalmente quando enxergo que muitas das ações que ocorrem, tanto pelas organizações policiais como por certos representantes do Ministério Público, por certos representantes do Poder Judiciário, são pela busca do holofote. E isso vale, inclusive, para a nossa Casa, para o próprio Poder Legislativo. A quantas CPIs assistimos em que a investigação, que deveria orientar os trabalhos de seus componentes, cedia lugar para a busca fácil do holofote?

Só que, quando se busca o holofote, comete-se a injustiça. Em alguns casos, não. Em muitos casos, sim, comete-se a injustiça.

Agora mesmo, a CPI que estava apurando o sistema carcerário, constituída pela Câmara dos Deputados, cometeu grandes injustiças. Seus componentes deslocaram-se para Campo Grande, fizeram uma avaliação superficial, uma investigação superficial e, de repente, para os holofotes anunciaram que iam pedir o indiciamento de magistrados, de membros do Ministério Público, de componentes da Defensoria Pública, por infrações que, efetivamente, não foram apuradas, estudadas, até porque, quando se vai fazer a apuração de uma infração, é indispensável a produção de provas. E, quando se fala em produção de provas, necessariamente, tem-se de ter a prova material e também a prova testemunhal.

Então, essa CPI vai a Campo Grande, não ouve um magistrado, não ouve um promotor, não ouve as pessoas que, de repente, apareceram no relatório como passíveis de serem indiciadas.

Obviamente, quando se trata de operadores do Direito, imediatamente se busca a solução jurídica. O que fizeram os magistrados? Buscaram a proteção do Supremo Tribunal Federal e conseguiram, por meio de um habeas corpus, livrar-se de indiciamento injusto. Injusto por quê? Porque não houve nenhuma apuração. E, se não houve nenhuma apuração, é necessário que se inutilize esse tipo de investigação.

Então, veja, Sr. Presidente, o que estou procurando mostrar é que essa busca do holofote tem trazido para as instituições do nosso País um risco muito grande, um risco que tem comprometido conquistas sociais, as quais têm garantido segurança para o cidadão e segurança jurídica. Não me estou referindo aqui à segurança pública, que hoje está em situação calamitosa. Mas a segurança jurídica é fundamental.

A lei existe para proteger todos os cidadãos, e não para proteger alguns, e os rigores da lei têm que ser aplicados a todos. Mas há que se observar uma grande conquista constitucional, que são os direitos inscritos no art. 5º da Constituição Federal, sobretudo o chamado devido processo legal, o contraditório. O que é o contraditório, Sr. Presidente? É aquela prática de se ouvir uma parte e ouvir a outra. É fundamental, é essencial, para que se faça justiça e não se cometam, em nome da lei, verdadeiras arbitrariedades.

Entendo que, nesse episódio específico, houve uma certa imprudência por parte do Ministro Gilmar Mendes. A primeira declaração que S. Exª fez, questionando o método truculento da Polícia Federal, não deveria ter ocorrido, porque o magistrado que, a qualquer momento, pode ser instado a decidir sobre determinadas questões deve se reservar ao silêncio. No entanto, Sr. Presidente, quando leio essa notícia de que já havia, antes de todo esse episódio, uma informação que chegara ao Supremo Tribunal Federal acerca de bisbilhotagem ao Presidente da Corte Suprema deste País; quando percebo que, nos bastidores do Poder Judiciário...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (João Durval. PDT - BA) - Concedo a V. Exª mais cinco minutos para a conclusão do seu discurso.

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Muito obrigado.

Quando percebo que, nos bastidores do Poder Judiciário, existe também uma política em que não falta intriga, em que não falta astúcia e em que não falta competição, é claro que começo a entender, de certa forma, a reação antecipada, precoce, do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes.

Honra-me, Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador, fico satisfeito que o senhor traga o assunto aqui num nível elevado, tentando, inclusive, salvo quando é realmente preciso, fulanizar o assunto. O senhor está analisando o assunto na essência. De fato, precisamos nos debruçar sobre isto. Primeiro, há o lado caótico - digamos assim - do processo judiciário no Brasil, em que uma decisão do Presidente do Supremo no outro dia é contestada, embora com argumentos diferentes. Não foi o mesmo processo exatamente. Mesmo assim, é algo que surpreende a opinião pública, esse conflito interno na hierarquia do Poder Judiciário. Temos que enfrentar isso. Segundo, é a desigualdade como o Sistema Judiciário é aplicado no Brasil, Sr. Presidente da Mesa, João Durval, porque ninguém levantou dúvidas sobre algemar pobre, quando são pegos roubando um pão. E levantam-se dúvidas sobre algemar ricos. Eu não sou favorável a algemas quando não são necessárias. De fato, não são necessárias: a pessoa não está armada, não tem dois metros de altura, não tem a índole de enfrentar os policiais - não preciso algemar. Mas, aí, vamos fazer com todos. Aí, não vamos escolher a quem se algema e a quem não se algema. Não vamos nem mesmo escolher quando é que a gente descobre a algema, porque nunca se descobriu. E isto é geral no Brasil em todo. Ninguém, até hoje, põe na televisão o fato de que, nas paradas de ônibus, nas cidades deste País, todos os dias, 30 milhões sofrem o atraso dos ônibus.

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Mas V. Exª há de convir, Senador Cristovam Buarque, - e V. Exª me honra muito com o aparte que faz - que a Polícia Federal foi que chamou a imprensa, a televisão, para filmar aquelas cenas às 6 horas da manhã. Mas a Polícia Federal não tem chamado a televisão para filmar as algemas que ela coloca nas mãos dos pobres.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Vou colocar isso no terceiro ponto, que é o da espetacularização. Vou chegar lá. O primeiro ponto é a maneira como funciona o Poder Judiciário no Brasil, e isso está gerando suspeições grandes. Esse é o problema sério, começa a gerar suspeições. Eu, por exemplo, ouvi uma pessoa dizendo que é francamente favorável, como quase todos nós, a que uma pessoa com a ficha suja não possa se candidatar. Mas a pessoa perguntava: “E quem vai analisar a ficha do juiz?” Supõe-se, como um dogma, que todos os juizes têm a ficha limpa. Até acho que a grande maioria tem, como também a maioria dos políticos tem. Então, essa suspeição é que é um desserviço à República. O segundo é o fato do tratamento desigual do ponto de vista das regras. O terceiro é o espetacular. Mas aí a dizer “não pode aparecer na televisão com algemas”... Não é isso que se está discutindo. Está-se discutindo se põem ou não algemas; depois se discute se avisa ou não à televisão. Aí, sim, a Polícia cometeu um erro. Não têm de fazer trabalho policial sob os holofotes da televisão. Com isso estou de acordo. Isso é um equívoco, para os ricos e para os pobres. Então a espetacularização, como ficou chamado, é um equívoco que a polícia cometeu e cujo responsável deve ser apurado.

(Interrupção do som.)

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Sr. Presidente, vou encerrar, para não gastar muito tempo, embora eu espere que hoje a gente tenha mais tempo. Então, o problema da...

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Mas a discussão está salutar!

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - O problema da espetacularização é algo cujo responsável tem de ser apurado. Isso não é possível tolerar, mas é uma questão técnica. Tem de apurar e punir quem faz isso de avisar à televisão o momento em que vai prender uma pessoa, qualquer que seja. Agora, os outros dois: é preciso que a gente trabalhe como se a Justiça fosse cega, para todos. Vamos, portanto, dar tratamento igual a todos, ao que rouba um pão e ao que rouba um milhão. A gente não está vendo essa preocupação com as algemas nos braços finos dos pobres, esfomeados, que roubam de vez em quando um pão. E a outra, que é a mais grave e difícil, é como resolver o que hoje parece um caos, o Sistema Judiciário, e o levantamento de suspeições nas relações entre juízes e policiais, por exemplo, e juízes e réus. Esse é um problema sobre o qual a gente devia se debruçar aqui com muito cuidado, com muito rigor, porque esta é a Casa realmente do povo, onde decisões devem ser tomadas, e a responsabilidade é nossa, de fazer com que as coisas funcionem igualmente para todos e igualmente bem, eficientemente para todos.

O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Um aparte, Senador.

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Obrigado, Senador Cristovam Buarque. Foi um honra muito grande incorporar a sua intervenção neste pronunciamento, com a sua voz sempre abalizada e sempre muito oportuna.

Honra-me, Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª trouxe a este Plenário hoje uma discussão muito oportuna. Nós temos hoje, no Brasil, duas algemas: a algema explícita, aquela colocada nos braços do cidadão; e aquela subjetiva, que é a algema pela escuta telefônica. Mas vamos primeiro para a tradicional algema. Nós não podemos comparar a algema praticada no morro, numa operação improvisada, com pessoas despreparadas muitas vezes, com salários ridículos, à algema colocada por advogados, por pessoas com curso superior e que tiveram oportunidade de, em 30, 60, 90 dias, estudar um processo que resultou naquele ato. É bom que fique bem clara essa coisa, Senador Valter Pereira, porque, daqui a pouco, pode transparecer para a Nação que há no Senado quem defenda a algema do pobre e a algema do rico. Ela é igual para todos. E acho que, em circunstâncias iguais, ela tem de ser colocada em quem quer que seja. A questão não é essa; a questão é a circunstância. Não vamos confundir as coisas: uma algema colocada numa blitz, uma algema colocada até por medo do policial de que o cidadão que está sob busca ou sob caça esteja armado ou possa fazer uma reação, é bem diferente desse caso.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - E eu falei isso.

O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Exatamente. Para ficar bem claro e transparente. O segundo ponto que me deixa estarrecido nessa questão é a banalização da escuta telefônica. Acho que ela é um instrumento eficaz para que se desvendem episódios, já que, somente por meio dessa escuta, se chegaria a uma conclusão. Mas a banalização da escuta telefônica no Brasil está se avolumando cada dia mais. Existe um terror, hoje, das pessoas em falar por telefone sobre qualquer assunto. Há um tal de sistema guardião. V. Exª foi Governador do Distrito Federal. Não sei se, naquela época, já existia esse sistema guardião e se o Governo, na sua época, comprou tal sistema, que grampeia simultaneamente 300 telefones. Só que esse sistema, às vezes, é entregue ao profissional preparado e, às vezes, ao esperto, aos que querem, na função que exercem, fazer trampolim para a vida pública e começam a bisbilhotar a vida alheia, muitas vezes sem autorização judicial. Vamos aqui a um fato concreto. V. Exª pode colaborar porque o conhece bem - eu não conheço -, militou com ele e deve ter batido palmas. Refiro-me ao caso do ex-Deputado Greenhalgh, que foi o mais notório advogado de presos políticos no Brasil; foi sempre o advogado das causas difíceis na militância do PT. Estava acabando de ler aqui uma matéria relatando que ele teve uma conversa gravada pela Polícia Federal. Nessa conversa, ele tratava, nada mais nada menos, com o Chefe de Gabinete do Presidente da República, Sr. Gilberto Carvalho. Algum dos dois estava sendo investigado? Que crime um cometeu? Que crime o outro cometeu? Sob que suspeita estavam um e outro para haver esse diálogo? É um fato gravíssimo, a não ser que as autoridades de investigação ainda tenham suspeitas sobre as acusações que fizeram ao Sr. Gilberto Carvalho naquele episódio de Celso Daniel e que isso esteja correndo em segredo de Justiça. Fora isso, vem inclusive mostrar que nem sequer o local de trabalho do Presidente da República, como V. Exª citou com relação ao Tribunal, está isento de grampos. O que é isso? Esses fatos precisam de esclarecimento, Senador Cristovam. Ou será que os funcionários do Palácio do Planalto estão sempre sob suspeita, tendo em vista os escândalos que jorram de lá? É preciso explicação. Gravação por ordem da Justiça sim; como aconteceu, não. E aí há um fato mais grave. A imprensa vem noticiando essa gravação envolvendo o chefe de gabinete do Presidente da República e um ex-Deputado e militante do Partido há dois ou três dias e não há uma palavra da Abin, do Ministro da Justiça e nem do General Félix. Para onde é que nós vamos? É a interrogação que faço. Agradeço a V. Exª.

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Muito bem. V. Exª engrandece nosso pronunciamento com a sensatez e o descortino de sempre.

Sr. Presidente, veja o seguinte: quando nós condenamos aqui essa bisbilhotagem da vida alheia, não estamos querendo inibir nenhuma ação das organizações policiais ou do Poder Judiciário, do Ministério Público, porque nós sabemos que aí existe efetivamente um instrumento que pode esclarecer crimes que a sociedade reclama sejam apurados. Só que se devem observar rigorosamente os limites da lei. A partir do momento em que se rompem os limites da lei, há um desequilíbrio institucional. Isso é ruim para a democracia, é ruim para o regime de liberdade.

O risco que se corre quando há esse abusos, principalmente quando se aplaudem os abusos, é que isso se torne uma nova instituição aceita pela sociedade, e muitos daqueles que hoje estão aplaudindo não se dão conta de que amanhã estarão na alça de mira. Hoje a bisbilhotagem é tamanha que até a imprensa está sujeita a ela.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Eu vejo, às vezes, noticiário da imprensa condenando severamente aqueles que ocupam a tribuna para tecer críticas a esses procedimentos exóticos que são praticados pelas organizações policiais, pelo Ministério Público ou por outras entidades. Mas é preciso atentar - aqueles que estão criticando - pois, do jeito que as coisas estão andando, daqui a pouco até a liberdade de imprensa vai ficar comprometida, porque, antes da publicação da notícia, haverá uma quebra de sigilo, uma bisbilhotagem muitas vezes ilegal, a pôr em risco a eficácia do próprio noticiário.

De sorte que, para a saúde da democracia,...

O SR. PRESIDENTE (João Durval. PDT - BA) - Vou conceder a V. Exª mais um minuto, para que V. Exª conclua o seu discurso.

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - De sorte, Sr. Presidente, que, para a saúde da democracia, é preciso que haja o respeito à lei.

Esse conflito que está havendo hoje denota, com muita clareza, que as instituições democráticas do nosso País estão sofrendo de uma patologia que pode comprometer a saúde da democracia. E é isso que cabe a esta Casa cobrar e defender.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/07/2008 - Página 27308