Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Participação de S.Exa. nas comemorações dos quatrocentos anos do Convento e da Igreja de Santo Antônio, no Largo da Carioca, Rio de Janeiro, no último dia 2 de junho.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • Participação de S.Exa. nas comemorações dos quatrocentos anos do Convento e da Igreja de Santo Antônio, no Largo da Carioca, Rio de Janeiro, no último dia 2 de junho.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/2008 - Página 27324
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, CONVENTO, IGREJA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CERIMONIA RELIGIOSA, DEFESA, POLITICA, PAZ, BRASIL, SOLIDARIEDADE, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POVO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 02 de junho, tive a honra de fazer a homilia, numa das missas da comemoração e das homenagens aos quatrocentos anos do Convento e da Igreja de Santo Antonio, no Largo da Carioca, Rio de Janeiro. Foi, para mim, uma das mais belas emoções nesta minha vida, que já vai longe, e que caminha à luz dos desígnios de Deus. Quando entrei naquele belíssimo Convento, eu me senti mergulhando na história brasileira.

Caminhei, emocionado, por corredores por onde passaram a nossa independência, a nossa soberania e, principalmente, a construção da nossa cidadania.

Contemplei os mesmos lugares onde se encontraram o rei e o povo, o velho e o novo, a esperança, a mudança, a solidariedade, a compaixão, a graça, a fé.

Encontrei com frades franciscanos que não se contentam em contar e a preservar a história do Brasil. Mais do que isso, continuam a construí-la, com os mesmos princípios de vida e de oração, por exemplo, de Frei Sampaio, mentor religioso e político de D. Pedro. Princípios de todos os missionários, capelães e semeadores do Evangelho que por lá passaram, cujos ensinamentos floresceram e frutificaram na santidade do nosso Frei Galvão, que, naquele mesmo lugar, formou-se teólogo e sagrou-se sacerdote.

São Francisco de Assis, considerado o homem do milênio, na sua peregrinação, em nome dos mais pobres e desvalidos, disse ter, um dia, ouvido uma voz: “não vês que a minha igreja está em ruínas? Vai, e restaure-a, para mim”. Pois, eu, lá, parece que ouvi a voz de São Francisco: “Essa é a igreja restaurada, não somente a igreja de tijolos e argamassa, mas a igreja construída na fé, na humildade e no amor ao próximo, destes nossos irmãos que aqui habitam, e que aqui freqüentam”.

Há oito séculos, numa das cerimônias daqueles tempos de barbárie em que viveu o nosso Mestre, o celebrante leu uma parte do Evangelho de São Mateus, onde Cristo se dirige aos apóstolos, para proclamar o reino de Deus: “Eis que vos envio, como ovelhas no meio de lobos”.

São Francisco reconheceu, naquele instante, que as mensagens apostólicas, as mesmas que Cristo ordenara aos discípulos, para que espalhassem ao mundo, era o que ele tinha que viver, na plenitude. Ato contínuo, começou a pregar os princípios de humanidade, de solidariedade e de compaixão, por todos os lugares por onde passava.

Pois bem, já se vão oito séculos desde a primeira pregação de São Francisco. Oito séculos de franciscanismo! Quis Deus que, no meio deste caminho do tempo, se erguesse uma igreja, no Rio de Janeiro, no maior país católico do mundo. Quatro séculos desde São Francisco, até a construção daquele convento franciscano, na cidade maravilhosa. Quatro séculos, desde esta mesma construção, até nós, franciscanos da nossa época!

Quem sabe Deus esteja, também, nesses nossos tempos, dizendo, novamente, por meio dos freis franciscanos do Convento Santo Antonio, herdeiros e seguidores dos princípios de São Francisco de Assis: “não vês que a minha igreja está em ruínas? Vai, e restaure-a, para mim!” Agora, mais que em outros tempos, entendemos, melhor, que não é, somente, aquela igreja de lugares e corredores por onde passei, naquela manhã, mas uma igreja fincada na humanidade, na solidariedade, na compaixão e no amor ao próximo.

São Francisco viveu numa época de impetuosa mercantilização de bens materiais. Nós vivemos um momento de criminosa mercantilização de consciências. Muitas vezes, de pecaminosa mercantilização da fé.

            Não sei se podemos nos considerar, agora, como as ovelhas dos textos bíblicos, mas, estou certo, nesses nossos novos tempos de barbárie, que estamos, novamente, “no meio de lobos”. Onde se incluem, também, os “lobos” que estão dentro de nós.

Não é concebível, por exemplo, que, numa cidade que Deus fez tão maravilhosa, como o Rio de Janeiro, homens, criados à Sua semelhança, arrastem, pelas suas ruas, um menino inocente, ante a aflição dolorosa de sua mãe. Ou que um menino seja metralhado por quem, na verdade, deveria protegê-lo, mesmo que ele já estivesse no colo da mãe, aflita. Nem que uma menina, também inocente, tenha seus mais belos sonhos ceifados, supostamente, pelo próprio pai. Nem que se banalize, enfim, o sopro divino da vida, nas miras ou nas balas perdidas.

            O resgate dos valores perdidos pela humanidade é a igreja a ser reconstruída.

Uma igreja edificada nos princípios da paz. Como disse Mahatma Gandhi, “a não-violência é a mais alta qualidade de oração. A riqueza não pode consegui-la, o orgulho devora-a, a gula e a luxúria ofuscam-na, a mentira a esvazia, toda pressão não justificada a compromete”. “Não há caminho para a paz, a paz é o caminho”.

As “políticas de paz para o Brasil”, tema que me foi proposto para a homilia, só se concretizarão se compreendermos, e viabilizarmos, as verdadeiras necessidades do povo, enquanto seres verdadeiramente humanos, tal e qual foram concebidos pelo Criador.

Este caminho de paz já foi orientado, para todos nós, pelo Papa Bento XVI. Disse ele: “somente através de um comum empenho de partilha, é possível responder ao grande desafio do nosso tempo, isto é, construir um mundo de paz e de justiça, no qual cada ser humano possa viver com dignidade”.

Martin Luther King, em um dos mais inesquecíveis momentos do século passado, que inspirou uma geração inteira, na luta de um povo pelos mesmos princípios franciscanos de liberdade, de dignidade, de humanidade, de solidariedade e de cidadania, bradou, ante milhares de pessoas: “eu tenho um sonho”. Disse ele: “Eu tenho um sonho que, um dia, esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais”.

Como Luther King, eu também tenho os meus sonhos. Aliás, eu tenho mais que sonhos: eu tenho fé.

Eu tenho fé em um Brasil onde todos, homens e mulheres, sejam, realmente, cidadãos na sua plenitude, sendo-lhes assegurados todos os direitos sociais, políticos e econômicos.

Eu tenho fé em um País onde os políticos sejam, realmente, representantes das aspirações do seu povo, e não seus usurpadores, e que a vontade coletiva ocupe o lugar dos interesses individuais.

Eu tenho fé em um País sem impunidades, onde a lei seja cumprida, em todos os segmentos da população, não importa se para o mais humilde dos cidadãos, ou se para aquele que a loteria biológica parece ter-lhe soprado, antecipadamente, todos os resultados da premiação.

Eu tenho fé em um País onde as crianças possam sonhar com um futuro mais digno, mais humano e mais cidadão.

Eu tenho fé em um País que, bonito por natureza, seja respeitado no seu meio-ambiente, não importa se nas pequenas flores dos seus jardins, ou na imensidão da sua maior floresta.

Eu tenho fé em um País sem qualquer discriminação de raça, de cor, de gênero, de condições sociais, econômicas e geográficas.

Eu tenho fé em um País onde os idosos, detentores de experiências acumuladas, tenham direito a uma existência digna, e que sejam respeitados nas suas necessidades de políticas públicas.

Eu tenho fé em um País iluminado pelo saber, fora da escuridão do analfabetismo.

Eu tenho fé em um país onde as pessoas possam transitar, livres e seguras, por suas ruas e avenidas, sem o risco da bala perdida, ou mirada.

Eu tenho fé em um País sem tamanhas desigualdades pessoais e regionais de renda, e onde todos tenham direito ao trabalho dignificante.

Eu tenho fé em um País sem a dor da fome e da miséria, onde todas as mesas de refeições sejam, de fato, de comunhão.

Eu tenho fé em um País onde todos tenham direito à moradia, mesmo que singela, fora das pontes e dos viadutos que lhe servem de lar, e das sarjetas, que lhes restam como meio-fio.

Eu tenho fé em um País sem as dores das filas dos hospitais, na mesma loteria da vida, em que se decide quem pode viver, e quem lhe resta morrer.

Eu tenho fé em um País onde a contribuição de cada um, não importa o valor, seja, efetivamente, partilhada entre todos, de acordo com as suas necessidades, e não apropriadas por poucos, que se locupletam do poder.

            Eu tenho fé, enfim, em Deus e, mesmo que tenham se distanciado, tanto, Dele, eu também tenho fé nos homens, exatamente porque foram feitos à Sua imagem e semelhança.

A Igreja tem que voltar a ser, juntamente com a família e a escola, fonte geradora e propagadora de políticas de paz para o Brasil e para o mundo.

            Quantos foram os brasileiros que também passaram por aquele Convento de Santo Antonio, nestes quatro séculos de disseminação da obra de São Francisco? E que se inspiraram nos ensinamentos dos franciscanos que lá viveram, e dos que lá habitam, nestes nossos dias? Quantos serão os que ainda virão? A paz para as novas gerações depende de nós, do tijolo e da argamassa das nossas almas.

Eu acho que todos os brasileiros deveriam passar, um dia, por aqueles corredores. Teriam, todos, a emoção que permanece comigo. Ainda bem que o franciscanismo tem o dom de construir caminhos, inspiradores como os do Convento de Santo Antonio, no Rio de Janeiro. Felizmente, são muitos os franciscanos que percorrem os corredores das nossas cidades, semeando, irrigando e colhendo emoções, na dedicação aos que pouco têm, além de fiapos de vida. Também eles constroem a nossa história. Uma história sedimentada nos princípios de solidariedade, de compaixão e de humanidade.

Vem daí, a razão da minha fé.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/07/2008 - Página 27324