Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Solicitação de apoio dos senadores à Proposta de Emenda à Constituição 29, de 2008, de autoria de S.Exa., que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Autor
Geovani Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Geovani Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Solicitação de apoio dos senadores à Proposta de Emenda à Constituição 29, de 2008, de autoria de S.Exa., que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Publicação
Publicação no DSF de 16/07/2008 - Página 27585
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, RECONHECIMENTO, CODIGO, SINALIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, ANALISE, CARACTERISTICA, COMPLEXIDADE, LINGUAGEM, SURDO, IMPORTANCIA, VALORIZAÇÃO, DIVERSIDADE, CULTURA, PROTEÇÃO, DIREITOS HUMANOS, DEFESA, INCLUSÃO, ENSINO, AMBITO, CURSO SUPERIOR, FONOAUDIOLOGIA, MAGISTERIO, ENSINO ESPECIAL.

            O SR. GEOVANI BORGES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apresentei a esta augusta Casa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 29, que altera os arts. 13 e 210 da Constituição Federal, para dispor sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

            A Língua Brasileira de Sinais, ou simplesmente Libras, que muitos imaginam ser mímicas e gestos soltos, no máximo uma espécie de Português sinalizado, tem, na verdade, status de língua, porque possui fonologia, morfologia, sintaxe e semântica específicas, bastante distintas do Português ou de qualquer outra língua oral-auditiva.

            Em vez de palavras, ela tem sinais, que são compostos com base na combinação da forma e do movimento das mãos e do ponto no corpo ou no espaço onde são produzidos. E essa combinação, devemos dizer, não é universal, pois sofre as influências da cultura nacional e, muitas vezes, comporta regionalismos.

            A língua de sinais brasileira vem sendo difundida desde 1857 e tem sua origem na língua de sinais francesa. Pasmem V. Exªs! Pesquisas recentes revelam que a língua de sinais é comparável em complexidade e expressividade a qualquer língua oral.

            É estruturada a partir de unidades mínimas que formam unidades mais complexas, ou seja, possui os níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico. Como toda e qualquer língua, aumenta seu vocabulário com novos sinais em resposta às mudanças sociais, culturais e tecnológicas. E, ainda como as outras línguas, varia de país para país e sofre também variações regionais dentro do mesmo território. É composta de um alfabeto manual e de expressões faciais e corporais, que se combinam formando algo semelhante aos fonemas e morfemas da língua portuguesa.

            Toda essa riqueza de expressão costuma passar despercebida aos olhos dos ouvintes, que vêem a surdez como deficiência e não percebem o aporte dela para a visão de mundo dos que experimentam a vida sem som.

            Desprezando a diferença, os ouvintes parecem não se dar conta de que os surdos pensam, criam, expressam suas idéias e suas crenças de modo diverso - mas não inferior -, e que eles precisam ser bilíngües para interagir com a maioria ouvinte. Não se dão conta, em suma, de que os surdos são competentes produtores de cultura e de ciência. Pelo contrário, quase sempre os julgam lentos e despreparados.

            Nesse contexto, a proposta de reconhecimento constitucional da Libras adquire grande relevância política, pois coloca surdos e ouvintes no mesmo plano de igualdade, não obstante suas especificidades lingüísticas.

            Essa proposta não só reafirma a diversidade cultural do povo brasileiro, já consagrada na Lei Maior do País como uma de nossas maiores riquezas, mas também reforça a tradição de vanguarda que o Brasil sempre assumiu no sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

            É bem verdade que já demos alguns passos importantes na direção de uma sociedade mais inclusiva, como prova a adoção da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que incluiu a matéria de que trata essa proposta de emenda à Constituição no ordenamento jurídico interno, mediante o reconhecimento da Libras e a ordem de inserir o ensino dessa língua nos cursos de Fonoaudiologia, Educação Especial e Magistério.

            Isso, porém, não basta. Importa conferir à norma status constitucional, para quebrar de vez o paradigma da deficiência e da sujeição de uma das partes e enxergar as vantagens e as restrições tanto do ouvinte quanto do surdo.

            Algumas situações, podemos afirmar, ilustram bem esse ponto: o surdo não pode conversar no escuro, como faz o ouvinte, mas esse não consegue conversar embaixo d’água, como faz o surdo; em local barulhento, o surdo conversa sem problemas, ao contrário do ouvinte.

            O objetivo maior é dar reconhecimento constitucional à língua dos surdos-mudos.

            Nos termos na Constituição Federal de 1988, a cidadania e a dignidade da pessoa humana são dois dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que tem entre seus objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a marginalização e promover o bem de todos, sem preconceitos e discriminação.

            Nossa Lei Maior também declara a prevalência dos direitos humanos e imputa ao Estado o dever de garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais. 

            Aberta à pluralidade da cultura nacional, ela ainda reconhece a existência das línguas indígenas e assegura aos índios o direito de receber o ensino fundamental tanto em suas línguas maternas quanto em Português.

            Mas o que significa tudo isso para as centenas de milhares de brasileiros surdos, cuja língua não tem o reconhecimento constitucional? Referimo-nos especificamente àqueles que nasceram surdos e que, por absoluta impossibilidade sensorial, desconhecem os fundamentos e os valores das culturas centradas na fala e na audição.

            Esses brasileiros tornam-se estrangeiros em nossa pátria, porque a eles não garantimos o direito à própria cultura, visual por excelência, como é vísuo-espacial a língua que utilizam, sem correspondente oral e com escrita ainda muito incipiente.

            Cuida-se, em resumo, de seres humanos idênticos em dignidade, mas diversos na forma como constituem sua identidade e pertinência cultural, embora compartilhem a mesma nacionalidade, o mesmo espaço físico e geográfico, a mesma alimentação e o mesmo vestuário, entre outros hábitos e costumes.

            Por último, devemos enfatizar que o reconhecimento constitucional ora proposto não apresenta riscos para a unidade nacional, pois aceitar que os surdos representam uma minoria lingüística não elide o fato de que sua educação ocorre no meio social e cultural da maioria ouvinte e falante da língua portuguesa.

            O reconhecimento da Libras e a garantia do uso dessa língua no processo educacional significam o respeito à diferença e a promoção do convívio pacífico, solidário e construtivo de grupos lingüísticos distintos, ambos convidados a participar da vida nacional. Mais: significam a materialização da igualdade entre ouvintes e surdos, além da efetiva liberdade (para os surdos) de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, um dos princípios norteadores do ensino no País. 

            Em face do exposto, Sr. Presidente, conto com o apoio dos meus ilustres pares para a aprovação dessa proposta de emenda à Constituição, certo de que esse será um passo importante na construção de uma sociedade mais justa e solidária.

            Dentro do tempo regimental, atendendo à recomendação da Presidência desta Casa, encerro o meu pronunciamento.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/07/2008 - Página 27585