Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Sugestão ao Governo Federal, de campanha educativa capaz de mobilizar a população no combate à inflação.

Autor
Augusto Botelho (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Sugestão ao Governo Federal, de campanha educativa capaz de mobilizar a população no combate à inflação.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/2008 - Página 27670
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, AMEAÇA, INFLAÇÃO, DETALHAMENTO, PROCESSO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, ORIGEM, DESEQUILIBRIO, MERCADO IMOBILIARIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EFEITO, BRASIL, EVASÃO DE DIVISAS, SIMULTANEIDADE, AUMENTO, PREÇO, PETROLEO, GRÃO, MINERIO, CRESCIMENTO, DEMANDA, ALIMENTOS, ENERGIA, PAIS EM DESENVOLVIMENTO.
  • SAUDAÇÃO, COMPETENCIA, PREPARAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, PROTEÇÃO, RISCOS, MERCADO INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, PRESERVAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, PROBLEMA, INFLAÇÃO, CONFIANÇA, ATUAÇÃO, GOVERNO, SUGESTÃO, CAMPANHA, MOBILIZAÇÃO, POVO.

            O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, depois de um longo período de estabilidade e de crescimento, a economia mundial acende novamente os indicativos de alerta, ao mesmo tempo em que os países preparam-se para fazer frente a uma crise global, cujos desdobramentos e conseqüências apenas começam a ficar mais claros.

            A economia dos países é hoje muito mais interdependente do que foi num passado relativamente recente. Isso implica dizer que também as crises ganharam amplitude e extensão maiores, por força do maior grau de integração dos diversos sistemas econômicos nacionais - inclusive o brasileiro.

            Se, por um lado, não há como fugir a algum nível de impacto negativo em conseqüência do que vier a ocorrer de mal lá fora, é evidente, por outro, que determinadas medidas podem e devem ser tomadas para reduzir os efeitos indesejados no Brasil.

            Antes, entretanto, é preciso entender melhor o que ocorre.

            Um dos pontos de partida da crise internacional parece localizar-se no sistema de crédito imobiliário americano, que vinha experimentando um vigoroso crescimento nos últimos anos. Com uma demanda extremamente aquecida, os preços subiam; a alta de preços motivava o implemento da atividade de produção de novas casas, cuja comercialização ficou extremamente facilitada, em função das condições permissivas no acesso ao crédito.

            Nos Estados Unidos, existem grandes empresas cuja função estrutural, no contexto do mercado imobiliário, é prover capital para empreendimentos construtivos; e elas fazem isso comprando os créditos decorrentes dos contratos de financiamento, cujos direitos, chamados recebíveis, passam a ser colocados junto a grupos diversificados de investidores.

            Assim, quem compra um imóvel financiado vê os direitos sobre a sua dívida migrarem das mãos do financiador original para as de um investidor financeiro que não participa necessariamente do ciclo direto da produção de imóveis. Os empreendedores, capitalizados por meio da venda das prestações a receber - os recebíveis - estão novamente livres para reiniciar uma nova rodada de construção e venda de imóveis. As baixas taxas de juros, então vigentes naquele país, completaram o quadro, estimulando que o dinheiro fluísse com extrema facilidade.

            Estaria tudo certo, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Presidente Mão Santa, não fosse um detalhe muito importante. Todo o sistema norte-americano estava baseado na premissa de que as famílias haveriam de honrar suas dívidas; sem isso, ele passaria a trafegar em uma faixa de alto risco.

            Mas o que havia concretamente sob a aparência de grande solidez e de inesgotável dinamismo que caracterizava todo esse mercado?

            O fato é que, no afã de incrementar negócios e lucros, descuidou-se de aferir, com precisão, a capacidade de endividamento e de pagamento do público. Muitas famílias já se achavam em situação complicada no quesito de dívidas, com passivos crescentes junto aos cartões de crédito e a outras fontes de financiamento normalmente associadas ao consumo. O nível de inadimplência crescia de forma perigosa. Mas, nessa hora - precisamente nessa hora -, falharam praticamente todos os mecanismos de controle prudencial que protegiam os investidores.

            A inadimplência aumentou rapidamente. O excesso de produção não mais teve como ser canalizado para novos compradores, levando a uma queda abrupta dos preços dos imóveis por excesso de oferta. Já as famílias sobre as quais pesavam as hipotecas, essas ficaram cada vez menos dispostas a pagar suas prestações, que estavam calculadas por cima, no momento em que os preços das garantias, ou seja, dos imóveis, passaram as ser cotados por baixo.

            O resultado foi tal como já se sabe: aumento brutal da inadimplência das carteiras de empréstimo, o que levou, em pouco tempo, à realização de graves prejuízos nos balanços financiadores, contaminando quase todas as instituições envolvidas no sistema. A ação das autoridades monetárias americanas, muita atrasada, vem, neste momento, tentando circunscrever o desastre, mas os esqueletos já começam a se avolumar em todo o mercado.

            Alguém pergunta: “E o Brasil com isso?”.

            Infelizmente, entretanto, o Brasil tem tudo a ver com isso.

            Inicialmente, com as perdas lá fora, vários investidores tiveram que vender seus ativos no Brasil - ações, investimentos financeiros e até mesmo inversões de longo prazo - para cobrir os prejuízos. Isso fez soar alguns alertas em nosso País.

            Outro problema, também de grande magnitude, é o aumento dos preços que vem abalando os mercados das chamadas commodities minerais e agrícolas: os grãos e os minérios. As novas economias emergentes, BRIC - Brasil, Rússia, Índia e China -, crescem rapidamente e demandam cada vez mais energia, na forma de petróleo e de gás, e mais metais industriais, como o aço, o cobre e o alumínio. Seu preço, portanto, vem crescendo constantemente, uma vez que o aumento da produção está, no momento, abaixo do demandado por essas jovens economias que, espero, continuem crescendo para o nosso bem.

            No setor de alimentos, basta relembrar que a China e a Índia juntas representam dois bilhões de seres humanos ou mais ou menos um terço de toda a humanidade. Com seu continuado nível de crescimento econômico, cresce também a renda dos trabalhadores chineses e dos indianos, assim como cresce seu potencial de consumo, que se traduz em um aumento explosivo da demanda por alimentos em escala mundial. Nessas circunstâncias, o preço crescerá muito, a menos que a produção de alimentos se desenvolva na mesma proporção, o que infelizmente não vem acontecendo. E é difícil de se fazer rapidamente.

            Acho que, nesse ponto, já está claro de que forma a crise mundial vem afetando o Brasil. Por outro lado, a insegurança do mercado financeiro internacional coloca mais pressão em nossas contas externas, obrigando a uma série de medidas de proteção que incluem o aumento de juros e até mesmo uma disciplina fiscal mais rigorosa. Isso significa cortes orçamentários imediatos e a convivência com suas conseqüências negativas na condução dos programas de Governo.

            De outro lado, a inflação das commodities, grãos e minérios, afeta diretamente o preço aqui mesmo, em nosso País. A gasolina, o diesel, o aço, o gás mais caros pressionam o preço dos produtos industriais e de diversos serviços, notadamente os de transporte. A comida mais cara pressiona diretamente os preços da cesta básica e do alimento que vai à mesa do brasileiro.

            Essa situação obriga a uma série de medidas de proteção que já foram citadas: aumento de juros, redução dos investimentos. É aí, portanto, que os desequilíbrios internacionais passam a ameaçar nosso equilíbrio interno.

            Graças a Deus, entretanto, nossa economia e nossas finanças públicas estão hoje muito mais bem preparadas para enfrentar esse tipo de situação do que estiveram num passado recente. O nosso nível de reservas em moeda estrangeira é alto, e ninguém precisa ficar preocupado com a possibilidade de o Brasil dar qualquer tipo de calote em seus credores. Essa, aliás, é uma das conseqüências extremamente benignas da competência com que vem sendo administrada a nossa economia, cuja gestão se caracteriza pelo respeito aos contratos, pela disciplina fiscal, pelo estímulo ao aumento da produtividade nacional e, principalmente, pela sustentação inflexível dos dois grandes pilares do nosso modelo econômico: o câmbio flutuante e o regime de metas da inflação.

            O primeiro faz com que um nível extra de proteção seja dado às nossas contas externas contra os rápidos movimentos de capital. Se houvesse, por exemplo, uma fuga acelerada de ativos em moeda estrangeira, o preço do dólar subiria proporcionalmente ao aumento da demanda, desestimulando a repatriação desses recursos.

            O segundo - o regime de metas inflacionárias - destina-se a proteger o poder de compra da moeda nacional, evitando a escalada inflacionária e os seus devastadores efeitos junto à atividade econômica e, em especial, Presidente Mão Santa, junto aos setores sociais mais desprotegidos, ou seja, junto aos pobres. Não é preciso relembrar que é o pobre quem mais sofre com a escalada dos preços, seja porque é o que tem menos, seja porque não dispõe, ao contrário dos outros segmentos sociais, de acesso aos mecanismos financeiros de proteção antiinflacionária, tais como os investimentos e os fundos.

            Apesar, Sr. Presidente...

(Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Pode usar com tranqüilidade, que jamais ousarei cortar a palavra de V. Exª.

            O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Obrigado, Senador Mão Santa.

            Srs. Senadores, Srªs Senadoras, apesar dos aspectos positivos que ressaltam desse quadro, a inflação, de fato, voltou a ser um grande fantasma. Senador Papaléo, Senador Flávio, readquirir em definitivo o controle dos preços, perdido por mais de quatro das últimas décadas do século XX, foi, ao mesmo tempo, o grande desafio e a grande vitória do Estado e do povo brasileiro na luta para endireitar a economia do Brasil. E esse controle não significou apenas e tão-somente a volta da racionalidade à gestão das contas nacionais - públicas e privadas.

            Significou, e ainda significa, preservar a clara injeção de renda que foi feita, pela estabilização da moeda, em benefício das camadas menos favorecidas da população.

            Significou, e ainda significa, mais comida, mais educação, mais saúde, mais conforto e mais lazer para os que pouco ou nada tinham. Um adequado controle da inflação é - e deve ser! - uma conquista definitiva, da qual não se pode abrir mão, sob qualquer pretexto e sob nenhuma circunstância!

            Assim, Sr. Presidente Mão Santa, a despeito da crise internacional, a despeito de seus respingos em nossa economia, é preciso lançar mão de todos os meios capazes de evitar a volta da escalada inflacionária.

            Vimos como a leniência do Governo e do regramento institucional norte-americano demonstrou-se fatal no caso da crise das hipotecas imobiliárias. Creio que qualquer cochilo de parte das nossas autoridades monetárias e governamentais no controle da inflação é igualmente lesivo ao País e à sua população.

            A inflação não pode voltar. Repito: nada pode sobrepor-se a essa prioridade!

            Registro que confio imensamente nos atuais fundamentos da economia brasileira. Da mesma forma, confio no modo como o Governo - mais maduro hoje que no passado - vem reagindo ao novo ambiente mundial, mais complexo e mais hostil. Confio, ainda, que nossas autoridades monetárias continuarão a portar-se à altura dos desafios do momento, com coragem, com isenção, com competência e com independência.

            Mas confio, sobretudo, na gente, no povo brasileiro. Acho que ele representa a mais forte arma do Brasil contra qualquer dificuldade.

(Interrupção do som.)

            O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Sr. Presidente, só mais um minuto e termino.

            Penso que - como coroamento de sua estratégia global - deveria o Governo brasileiro chamar o povo para combater, explicitamente, por meio do esclarecimento, da reflexão e do exemplo.

            O povo brasileiro, mais esclarecido e mais bem informado, é o verdadeiro trunfo do Brasil na ultrapassagem das dificuldades impostas de fora. E o Governo, que de forma tão sóbria e consistente tem lidado, até o momento, com as complexidades da crise, ainda peca por não investir nesse fiel e poderoso parceiro: o povo brasileiro.

            Ainda falta, nobres colegas, uma campanha educativa e cívica, capaz de mobilizar os recursos do apoio popular na construção de uma verdadeira muralha contra-inflacionária. A hora é grave, e ainda há tempo suficiente para corrigir rumos. E a principal correção a fazer é, do meu ponto de vista, abrir e compartilhar o problema do risco de volta da inflação com o conjunto da população, com toda a franqueza. Não tenho dúvidas de que a resposta que virá será surpreendentemente clara, vigorosa, decisiva. Será uma resposta a bem do Brasil.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/2008 - Página 27670