Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da mobilização do Congresso Nacional e da sociedade para iniciar os preparativos da comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, que ocorrerá em 2022.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Defesa da mobilização do Congresso Nacional e da sociedade para iniciar os preparativos da comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, que ocorrerá em 2022.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/2008 - Página 27781
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE RESOLUÇÃO, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, COMISSÃO, CONGRESSO NACIONAL, PREPARAÇÃO, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, INDEPENDENCIA, PAIS, IMPORTANCIA, VALORIZAÇÃO, DATA, HISTORIA, BRASIL, INCENTIVO, NACIONALISMO, DEBATE, PROBLEMAS BRASILEIROS, MOBILIZAÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, FEDERAÇÃO, SUBSIDIOS, PLANEJAMENTO, FUTURO.
  • COMENTARIO, INICIATIVA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, CHILE, COLOMBIA, ANTECIPAÇÃO, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, INDEPENDENCIA, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Muito obrigado, nobre Senador Mão Santa. V. Exª expressa o sentimento nordestino. Suas palavras são extremamente generosas, posto que V. Exª é do Piauí, e eu, de Pernambuco.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje falar sobre um tema que me parece atual, merecedor de uma iniciativa do Congresso Nacional. Vamos celebrar, no ano 2022, o bicentenário de nossa Independência. Preocupado com a questão, tive oportunidade de apresentar projeto de resolução, em junho de 2004, com o objetivo de que fosse constituída uma comissão do Congresso Nacional - Câmara e Senado, para não somente festejarmos o bicentenário de nossa emancipação política, mas, antes, refletir sobre o nosso passado, isto é, fazer uma reflexão sobre a evolução do nosso País ao longo da história, mormente a partir de 1822.

Para elaborar o referido projeto de resolução, aprovado na Comissão de Educação e em tramitação na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania, socorri-me de obra referencial, de autoria de Rio Branco, que por doze anos, foi Ministro das Relações Exteriores do País e reputado como pai da Diplomacia brasileira - há quem diga que Alexandre Gusmão é o avô da Diplomacia brasileira.

O Barão do Rio Branco, Pai da Diplomacia brasileira, deixou uma obra inconclusa, intitulada Efemérides, que foi completada por um grande historiador, ainda que muito discreto, nascido no Rio Grande do Norte, esteve em Pernambuco e terminou seus dias no Rio de Janeiro: Rodolfo Garcia.

Quando Rio Branco faleceu, consta que Capistrano de Abreu teria ficado preocupado porque a obra não estava pronta e chamou Rodolfo Garcia para acrescentar os eventos que ainda não redigira Rio Branco, o que fez com muito talento. Destaco um detalhe muito importante. Rodolfo Garcia, figura muito serena e de excelente caráter, ao assumir a tarefa, disse: “Vou completar a obra, mas não vou assinar nenhum desses verbetes, porque seria uma injustiça com Rio Branco”. Parece que ficaram faltando cinqüenta ou sessenta verbetes. Ele os concluiu, não assumiu a sua paternidade e a obra, ao final, foi editada.

Nessas Efemérides de Rio Branco, pude fazer um balizamento de como o Brasil viu crescer, como nação, sua população e consolidarem-se as suas instituições. Essa obra me ajudou também a salientar os pontos mais importantes da nossa evolução histórica.

Com que fim tive essa preocupação? Porque deveríamos aproveitar os diferentes eventos históricos para uma reflexão sobre a significação do evoluir do nosso País.

Já este ano transcorre o evento da vinda da Família Real para o Brasil, fato inédito na história. A Corte se transferiu para a colônia em 1808 no Brasil, com a chegada de D. João VI e sua comitiva.

A partir daí, a meu ver, está o início do grande processo que culminou com a nossa Independência. Se compulsarmos diferentes historiadores, vamos verificar que, com a exceção de Oliveira Lima, aliás meu conterrâneo, pernambucano, portanto, todos concordam que a vinda da Família Real precipitou a nossa Independência, trouxe a Corte, a Impressão Régia, que hoje chamaríamos de Imprensa Oficial, permitiu a abertura dos portos e erigir o Jardim Botânico. Não vou enumerar todos os eventos para não tomar muito o tempo do Senado Federal.

Estamos registrando esse evento, mas, infelizmente, sem um projeto prévio devidamente aprovado. Seria muito bom que, de agora até 2022, pudéssemos refletir. Não só o Senado, não só a Câmara, o Congresso Nacional, mas, a sociedade brasileira e suas instituições, inclusive o Governo Federal, os governos estaduais e municipais. Esse trabalho não pode deixar de ser feito.

Lembro-me quando ocorreu o centenário da república, 1989. Em 1983, apresentei um projeto para que pensássemos em 1989, ou seja, no centenário da república. Como o tempo foi escasso, poucos eventos ocorreram. E, para completar, o ano de 1989 coincidiu com as eleições presidenciais. O 15 de novembro de 1989 coincidiu com o segundo turno das eleições presidenciais, quando foi eleito o Presidente da República Fernando Collor.

Então, não celebramos adequadamente o centenário da nossa república. Diferentemente do que aconteceu com os Estados Unidos da América do Norte com relação ao bicentenário da sua constituição, diferentemente do que ocorreu com países hispânicos no tocante à descoberta da América.

Também podemos nos referir ao bicentenário da revolução francesa, celebrado quase no mesmo período, que representou uma grande reflexão sobre suas reverberações na Europa e no mundo.

Quando houve o centenário da primeira constituição republicana, em 1991, era Presidente do Senado o Senador Nelson Carneiro que me procurou e perguntou: “Marco, você tem alguma sugestão sobre o que poderíamos fazer com relação ao centenário da primeira Constituição brasileira?” Foi uma boa Constituição, que vigorou trinta e nove anos, de 1891 até 1930, quando houve a revolução liderada por Getúlio Vargas. Estávamos em cima do prazo, pois as comemorações ocorreriam um pouco depois. Sugeri, então, a reedição de Os Comentários à Constituição de 1891, de João Barbalho Uchôa Cavalcanti, pois a Gráfica do Senado tinha condições de fazer uma edição fac similar, uma vez que a obra estava esgotada. Não quero censurar outros comentaristas à Constituição de 1891 - tivemos outros bons comentaristas -, mas a de João Barbalho tem a vantagem de ser extremamente didática.

E foi feita uma reedição, com a apresentação do Professor Walter Costa Porto.

Nelson Carneiro perguntou-me que complementação deveria ser feita. Respondi-lhe que fosse distribuída a todas as faculdades de Direito, posto que muitas não possuíam sequer um exemplar desse livro.

Fiz essa digressão para voltar novamente ao bicentenário da nossa Independência. Estou vendo o tempo passar, a “banda passar” sem iniciativas articuladas no sentido de uma reflexão sobre os 200 anos da nossa Independência.

Quando falamos em memorar - lembrando a matriz latina, memorar é lembrar, memorare -, comemorar é lembrar conjuntamente. Nós, então, precisamos lembrar isso não apenas para festejar a data, mas, sobretudo, com o objetivo de tirar lições dos fatos positivos ocorridos. Essa é uma forma de fazer um exercício coletivo de nacionalidade.

Machado de Assis, cujo centenário de sua morte estamos comemorando neste ano, tem um trabalho intitulado Instinto de Nacionalidade. Seria o caso, então, de aproveitarmos a ocasião para estimularmos o instinto de nacionalidade do brasileiro, pensar o seu passado, o seu presente e o seu futuro. Gilberto Freyre disse certa feita, que há entre presente, passado e futuro uma interposição de tempos: o passado interfere sobre o presente, o presente é a passagem para o futuro. Daí haver Gilberto Freyre cunhado uma palavra, que acho muito boa, ao afirmar que o tempo é “tríbio”, porque é interligação entre presente, passado e futuro.

Então, o que precisamos fazer é justamente, aproveitando o ensejo do bicentenário, tratar desse assunto de forma competente e mobilizando a sociedade.

O projeto que apresentei foi aprovado, como disse, na Comissão de Educação e Cultura, teve o parecer do Senador Demóstenes Torres. e agora se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde, hoje, como Presidente do órgão, o distribuí ao nobre Senador Antonio Carlos Júnior, que também se interessa pela matéria. Acho que está na hora de nós tentarmos mobilizar, não somente o Senado Federal, mas as instituições brasileiras de modo geral, inclusive instituições não-governamentais. Quando me refiro a não-governamentais, refiro-me ao empresariado, aos sindicatos, aos órgãos de classe, a todos que se juntem nessa empreitada.

Sr. Presidente, para dar ênfase ao que agora expresso, recorri a três países sul-americanos que estarão celebrando, proximamente também, a sua independência.

A Argentina celebra o centenário da sua independência em 2016. A data da sua independência é 9 de julho de 1816. A primeira Constituição argentina é de 1853 e ainda se encontra em vigor. Houve apenas uma emenda em 1994, quando se encerrou o período da intervenção militar naquele país. O curioso é que, na Argentina, quando houve o movimento militar, não se revogou a Constituição. A vigência da Constituição foi suspensa, mas não revogada. De tal maneira que, terminado o período da intervenção militar, a Constituição de 1853 voltou a vigorar. Uma emenda de 1994 fez adaptações à Constituição para adequá-la à semântica dos novos tempos, às necessidades de um país que se modernizara.

A Argentina já realizou uma série de eventos alusivos ao bicentenário: o 1º Fórum sobre Inovação Tecnológica e Desenvolvimento - estou me valendo de uma publicação argentina -, um outro fórum sobre Seguridade e Cidadania. Esses eventos são chamados Fóruns do Bicentenário. 

Estão os argentinos, inclusive, contando com instituições internacionais, como é o caso do PNUD.

Em 2008, prevêem-se outras reuniões, além das já referidas, que abordarão os seguintes temas: o desenvolvimento sustentável com justiça social, democracia representativa, povos indígenas, reforma do Poder Judicial e o sistema de governo - lá é presidencialismo também, há também um sistema bicameral, como no Brasil, ou seja, Câmara e Senado. Com isso, estão fazendo uma mobilização da sociedade como um todo.

Não vou, Sr. Presidente, ler toda a documentação, mas mencionaria que há uma comissão constituída de pessoas do governo e da chamada sociedade civil, permitindo que se realizem festivais, não no sentido que adotamos no Brasil, mas usando mais aquela terminologia de Émile Durkheim, um grande antropólogo e sociólogo e que tem, aliás, um livro sobre suicídio.

Eles aproveitaram um pouco essa metodologia de Durkheim e estão trabalhando esses eventos, que mobilizam a sociedade.

Estamos prestes, assim posso dizer, à celebração do bicentenário, mas não há ainda mobilização do Governo, sobretudo do Poder Legislativo. Já houve quem dissesse que o Parlamento é a palavra da Nação, o Parlamento é a palavra do País. Aqui estão os representantes do povo e dos Estados. Então, precisamos começar a dar aqui o exemplo.

É certo que o Presidente Garibaldi Alves está empenhado no ano cultural. . Vamos fazer eventos importantes, inclusive uma exposição sobre Machado de Assis, que tem muito a ver com o desenvolvimento das atividades culturais em nosso País.

Precisamos ir mais além. Mobilizar o Executivo, o Judiciário, os Estados, os Municípios. Somos um Estado federal, temos de incorporar os entes federativos. Praticamos, como disse Miguel Reale, um federalismo trino: União, Estados e Municípios. Então, precisamos engajá-los.

O mesmo, Sr. Presidente, poder-se-ia dizer com relação ao Chile, que já mobilizou a soiedade e constituiu a chamada Comissão do Bicentenário da República, composta por um grupo heterogêneo de pessoas. Entre seus membros, contam-se autoridades e líderes dos setores públicos e privados, como representantes do mundo empresarial,das etnias, da política, das artes, das comunicações, dos desportos e das ciências. Essa Comissão é presidida pelo Ministro do Interior e tem uma série de eventos já previstos. Encontra-se em operação e conta com a assessoria de 30 personalidades de grande significação nacional, com destacadas trajetórias na vida pública do Chile.

O Chile comemorará seu bicentenário no dia 12 de fevereiro de 2018, ou seja, quatro anos antes do Brasil. É um país com o qual não temos fronteira. O Chile está no sudoeste da América do Sul, voltado para o Pacífico. Não significa que não tenhamos amizade sem limites. Ainda que não tenhamos fronteiras, somos amigos, e há um grande intercâmbio entre Brasil e Chile. Joaquim Nabuco, por exemplo, escreveu um livro muito interessante, intitulado Balmaceda, em que faz uma série de observações extremamente importantes sobre a vida política do Chile.

O Chile é uma república democrática, segundo a Constituição aprovada em 1980, e oferece, portanto, um bonito exemplo de mobilização também. Podemos falar nas independências da Colômbia, porque, primeiro, Bogotá era a capital do Vice-Reinado de Nova Granada, que agregava os territórios do Panamá, Equador, Venezuela e Colômbia, esses hoje também países independentes

A Colômbia conheceu duas independências: a primeira em 1810 e a segunda, ocorrida em 1819, quando foi promulgada sua primeira constituição e declarado Simon Bolívar seu primeiro presidente.

Igualmente, na Colômbia: há mobilização de intelectuais e empresários com relação à celebração dessa data, com a participação do Governo. Isso demonstra que nos encontramos, no mínimo, de alguma forma, atrasados em relação a tema tão relevante.

Não gostaria de encerrar, Sr. Presidente, sem insistir em um ponto essencial. Se queremos construir a Nação que certamente seremos, democrática, aberta, justa, desenvolvida, com grande projeção no exterior, sobretudo com um papel cada vez mais saliente na sociedade internacional, precisamos ter presente a necessidade de olhar a História.

A História é uma grande mestra da vida, como diziam os romanos: Historia magistra est. A História pode nos apontar os caminhos. Para isso, é necessário que haja um esforço coletivo, ou seja, uma mobilização dos Governos que engaje toda a sociedade. A partir daí, podemos pensar nas nossas opções com relação ao desenvolvimento, às nossas instituições, à nossa política externa, aos desafios que o século XXI nos oferece. Esses desafios vão exigir mais, investimentos em educação, em ciência, em tecnologia. Se isso não fizermos, certamente podemos perder a grande batalha de termos uma maior participação na sociedade internacional.

Concluirei minhas palavras, Sr. Presidente, agradecendo o tempo que V. Exª me destinou, dizendo que está na hora de pensarmos o bicentenário da Independência. Está na hora, conseqüentemente, de trabalhar para que possamos iniciar uma nova etapa do País, olhando o passado como forma de iluminar o futuro. Mesmo porque, como disse o historiador Carlo Levy, “o futuro tem um coração antigo”.

Isso quer dizer que não podemos pensar o futuro sem olhar o passado. Assim se interpreta essa frase. É o que o Brasil precisa fazer já, agora. Porque, do contrário, temo que se repita o que aconteceu por ocasião do centenário da nossa Independência, quando foram feitos alguns eventos no começo do século.

Tivemos depois o centenário da República, o centenário da primeira Constituição republicana, sem maiores comemorações. Receio que o acontecido no passado possa voltar a ocorrer. com relação ao bicentenário.

Espero que, com a sensibilidade do Senado Federal, das instituições representativas, do Governo e da sociedade possamos começar já a pensar o futuro com os referenciais que nos levem a uma sociedade consciente da necessidade de termos um projeto de desenvolvimento não somente calcado na democracia, mas também nos valores da liberdade, da solidariedade, da paz e da justiça.

Muito obrigado a V. Exª, nobre Senador Mão Santa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/2008 - Página 27781