Discurso durante a 134ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a operação de resgate da ex-Senadora Ingrid Betancourt. Defesa da atualização do Direito Penal brasileiro.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Reflexões sobre a operação de resgate da ex-Senadora Ingrid Betancourt. Defesa da atualização do Direito Penal brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 18/07/2008 - Página 28260
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, RESGATE, EX SENADOR, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, ELOGIO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, EXERCITO ESTRANGEIRO, COMBATE, GRUPO, GUERRILHA, TERRORISMO.
  • EXPECTATIVA, ENTREGA, GRUPO, TERRORISMO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, MOTIVO, PERDA, REFEM, MORTE, LIDER, COMENTARIO, DESCOBERTA, DOCUMENTO, PROVA, LIGAÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, GOVERNO ESTRANGEIRO, VENEZUELA, BOLIVIA, EQUADOR.
  • QUESTIONAMENTO, TEMPO, PERMANENCIA, PRISÃO, REU, HOMICIDIO, CRIANÇA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMENTARIO, CONDUTA, POPULAÇÃO, BRASIL, ANTECIPAÇÃO, JULGAMENTO, DEMONSTRAÇÃO, REVOLTA, IMPUNIDADE, EXCESSO, VIOLENCIA.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, AUMENTO, PUNIÇÃO, REU, ESPECIFICAÇÃO, CRIME, ACIDENTE DE TRANSITO, MOTORISTA, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, REDUÇÃO, BUROCRACIA, FAVORECIMENTO, CRIMINOSO.

           O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, passado o impacto inicial da notícia do resgate da ex-Senadora Ingrid Betancourt e de mais 14 reféns que estavam em poder das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, é hora de refletirmos sobre os acontecimentos e sobre seu significado mais amplo.

           A competência demonstrada pelo Exército colombiano na operação de resgate provou definitivamente que a única política correta diante do desafio representado por uma organização terrorista é a de enfrentamento, com o uso combinado de pressão militar e de ações de inteligência.

           Foi impossível não se emocionar com as entrevistas de Ingrid Betancourt, submetida a um cativeiro de seis anos, em condições degradantes. Mas o longo período de sofrimento não lhe roubou a lucidez, pois ela foi a primeira a elogiar o trabalho dos militares, que classificou como “impecável”.

           A política do Presidente colombiano, Álvaro Uribe, está dando certo, e o resgate dos reféns foi a evidência mais espetacular de que uma ofensiva militar conduzida com planejamento cuidadoso, habilidade e astúcia é capaz de desarticular e desmoralizar os narcoguerrilheiros. Eles perderam boa parte do escudo humano que os reféns lhes proporcionam. Sua única saída agora é depor as armas e tentar negociar a rendição com o governo.

           Encurralados na selva, divididos em grupos dispersos, que aparentemente têm dificuldades para manter contato, os integrantes dessa quadrilha de seqüestradores e traficantes de cocaína - capaz de matar a sangue-frio e de cometer atentados em que inocentes perdem a vida - chegaram ao fim de sua trajetória de crimes.

           Se as Farc puderam resistir até agora, foi graças à ajuda de vizinhos. Os governos da Venezuela e do Equador continuam devendo explicações sobre seus vínculos com os terroristas. A mais recente vitória do presidente Álvaro Uribe é também o segundo golpe nas pretensões de pacificador de seu colega venezuelano, Hugo Chávez.

           O primeiro foi dado em dezembro, quando a morte do número 2 das Farc, Raul Reyes, expôs, guardadas em computadores, as relações promíscuas entre Chávez e os narcoguerrilheiros. Saem prejudicados também seus coadjuvantes, como Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador, este último o único país que “lamentou” a forma como aconteceu a libertação dos reféns.

           Com o resgate de Ingrid Betancourt, três americanos e 11 militares colombianos, a civilização venceu a barbárie. Bandidos que se escondem atrás de uma suposta motivação ideológica merecem o tratamento que estão recebendo do governo colombiano, e a população do país sabe disso, como comprovam os altíssimos índices de popularidade do Presidente Uribe.

           Como segundo assunto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero dizer que não se trata de apontar culpados, tarefa a cargo da polícia e da Justiça. Mas é o caso de indagar, uma vez estabelecida a culpa, quanto tempo o assassino - ou assassinos - da menina Isabella Nardoni, de 5 anos, permanecerá na cadeia.

           Isabella morreu em São Paulo, no final do mês passado, pouco mais de um ano depois do martírio de outra criança, o menino João Hélio Fernandes, assassinado também de maneira hedionda, por assaltantes que o arrastaram por 7 quilômetros pelas ruas dos subúrbios cariocas, preso ao cinto de segurança de um carro. Cinco bandidos, um deles menor de idade, cometeram um crime bárbaro, que revoltou o País. João Hélio foi morto em fevereiro de 2007. Em março, completaria 7 anos de idade.

           A mesma violência, que quase nos faz descrer da espécie humana, esteve presente no assassinato de Isabella. Espancada e esganada até perder a consciência, por seu algoz ou algozes, ela foi jogada, inconsciente, da janela de um apartamento no sexto andar de um prédio na Zona Norte da capital paulista. Morreu ao atingir o solo, a uma velocidade de 80 quilômetros por hora, dois segundos depois.

           Há quem veja exagero e irracionalidade na reação popular a um crime odioso. Devemos, contudo, examiná-la por um ângulo ao qual normalmente não recorremos, e compreender que o apelo à justiça sumária, a condenação antecipada - todas essas atitudes reprováveis -, nada mais são que a expressão do cansaço e da revolta com a sucessão de crimes cometidos com requintes de selvageria, e com a impunidade de muitos de seus autores.

           Diante de leis que merecem o qualificativo de frouxas, que permitem a réus confessos o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado de sentenças condenatórias, o que se pode esperar do povo? Que confie na Justiça? Poderia citar aqui vários casos famosos de assassinos condenados que passaram algumas semanas ou meses na cadeia, se é que passaram, e até hoje não cumpriram suas sentenças, beneficiados por uma infinidade de recursos a que têm direito.

           Mata-se muito neste país, e pune-se muito pouco, como escreveu o jornalista Ricardo Noblat. Ele cita dados do desembargador Alberto Silva Franco, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, segundo os quais, só em 2006, foram cometidos 46 mil 660 homicídios no Brasil. Do total, apenas 12 por cento são processados e julgados. Não é à toa que prevalece entre o povo, como se vê agora no caso de Isabella, a crença na Lei de Talião, no olho por olho, dente por dente.

           A mesma impunidade estende-se aos crimes cometidos no trânsito. No domingo, dia 20, no trecho da BR-101 que passa pelo município de Viana, no Espírito Santo, um motorista com sinais evidentes de embriaguez e que se recusou a fazer o teste do bafômetro causou um acidente em que morreram três pessoas, duas delas crianças, de 13 e 3 anos. Liberado depois de pagar fiança, ele provavelmente receberá uma punição leve, apesar de ter destruído uma família.

           Nossa legislação faz com que vidas perdidas no trânsito devido à imprudência ou embriaguez de motoristas valham apenas algumas cestas básicas - assassinos sobre rodas quase sempre são condenados a penas alternativas, não importando as dimensões da tragédia que tenham provocado.

           Sobram, portanto, razões para uma reforma urgente da nossa legislação penal e do Código de Trânsito. Temos um sistema burocrático, emperrado e arcaico, que, graças à sua ineficiência, acaba premiando quem deveria receber punição severa. É indispensável, entre outras medidas, racionalizar o sistema de recursos, que permite impugnações sucessivas numa infinidade de instâncias, e estabelecer penas coerentes com a gravidade dos delitos cometidos no trânsito.

           É bom lembrar as palavras do ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, que reconhece a necessidade de atualização do direito penal brasileiro. Ele aponta dois efeitos negativos do sentimento de impunidade, o da insegurança generalizada e o de descrédito na própria Justiça. A reação popular à morte de Isabella mostra que chegou a hora de deixar de fazer remendos e partir para uma verdadeira e ampla reforma penal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/07/2008 - Página 28260