Discurso durante a 142ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações a respeito de pesquisa do Datafolha sobre fecundidade no Brasil e, análise da relação entre gravidez indesejada e violência urbana.

Autor
Geovani Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Geovani Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações a respeito de pesquisa do Datafolha sobre fecundidade no Brasil e, análise da relação entre gravidez indesejada e violência urbana.
Publicação
Publicação no DSF de 12/08/2008 - Página 29887
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, PESQUISA, DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, FALTA, CONTROLE DA NATALIDADE, JUVENTUDE, POPULAÇÃO, OCORRENCIA, GRAVIDEZ, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, ESPECIFICAÇÃO, CLASSE SOCIAL, SEXO, REGISTRO, AVALIAÇÃO, ESPECIALISTA, CENSO DEMOGRAFICO, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE).
  • IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, INFORMAÇÃO, PLANEJAMENTO FAMILIAR, CONTROLE, CONCEPÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, DIREITOS, ESCOLHA, AVALIAÇÃO, DIFICULDADE, BRASIL, ATENDIMENTO, IDOSO, APOSENTADO, MOTIVO, CRESCIMENTO DEMOGRAFICO.
  • DEFESA, EXTENSÃO, JUVENTUDE, BAIXA RENDA, TAXAS, REDUÇÃO, NASCIMENTO, BRASIL, ACESSO, INFORMAÇÃO, PRESERVATIVO, ORIENTAÇÃO, OBJETIVO, COMBATE, MISERIA, VIOLENCIA, ATENÇÃO, SAUDE, MULHER, PREVENÇÃO, ABORTO, GRAVIDEZ.

O SR. GEOVANI BORGES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, peço licença a V. Exªs para fazer uma breve análise da mais recente pesquisa, conduzida pelo Instituto Datafolha, sobre fecundidade no Brasil.

O estudo mostra que, mais de 50 anos depois da invenção da pílula anticoncepcional, quatro em cada dez gestações ocorridas no Brasil não foram planejadas. Embora isso aconteça com mais freqüência entre os mais jovens (56%) e os mais pobres (44%), não é fenômeno exclusivo deles: entre os que estão no topo da pirâmide social, 34% tiveram filhos sem planejar.

A pesquisadora do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, Professora Cristiane Cabral, lembra que esses percentuais seriam ainda maiores, se fossem consideradas as gestações que acabaram em aborto, que não foram contabilizadas pela pesquisa. E são dela as seguintes palavras:

É sempre importante ter acesso à informação, mas o aprendizado sobre o manejo contraceptivo se dá também na prática, a partir da experiência de cada um, na tentativa e erro. Imprevistos acabam acontecendo, em todas as faixas etárias ou de renda.

A demógrafa Suzana Cavenaghi, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Secretária-Geral da Associação Latino-Americana de População, afirma, no entanto, que não se deve confundir gravidez não-planejada com gravidez não-desejada.

O Datafolha perguntou também a pais e mães: “Se pudesse voltar no tempo, você teria o mesmo número de filhos, mais, menos ou nenhum?”. A maioria dos entrevistados (60%) afirmou que fariam escolhas diferentes: 24% teriam menos filhos, 21% teriam mais filhos, e 15% não teriam filhos.

Para o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, também do IBGE, esse percentual de 15% de brasileiros que, se pudessem voltar atrás, não teriam tido filhos foi “a grande novidade revelada pela pesquisa Datafolha”, feita em março deste ano. Ele considera o número elevado e chama atenção para um dado da pesquisa: “Mesmo entre a população mais pobre e com curso médio, esse número ficou igual ou acima de 15%”. O índice é maior entre as mulheres, de 18%, e entre os mais jovens, de 31% na faixa dos que têm entre 16 e 24 anos.

Na população de menor renda, o percentual dos que teriam menos filhos ou nenhum filho, se pudessem voltar atrás, supera o dos que teriam mais filhos. Entre os mais ricos, ocorre o inverso: os que disseram que teriam mais filhos superam aqueles que afirmaram que gostariam de ter tido menos filhos ou nenhum filho.

O Datafolha mostra, Sr. Presidente, que os brasileiros têm, em média, 2,8 filhos. Na população com renda familiar inferior a dois salários mínimos, essa média chega a 3,1; no outro extremo (renda superior a dez salários mínimos), fica em 2,0. Pessoas com quatro filhos ou mais já são minoria em todas as classes pesquisadas.

São números para nos fazer pensar, uma vez que a geração e a criação dos filhos formam tema delicadíssimo e afetam, de forma direta e intensa, a felicidade pessoal das mulheres, seus planos de vida, suas metas de crescimento pessoal, seus sonhos.

Programar o crescimento ou não da família nos dias de hoje é fundamental, não apenas porque economicamente a vida está mais difícil, mas também porque, muitas vezes, investir na carreira pode ser a prioridade do momento tanto para o homem como para a mulher.

É preciso discutir o tema sem paixões e ideologias, apenas com a consciência de que o direito da escolha é fruto e conseqüência direta da informação, da clareza, do diálogo franco. Não podemos focar um tema tão atual com os olhos e os pensamentos no passado. Não podemos achar normal que, em pleno século XXI, o planejamento familiar no Brasil ainda seja um privilégio exclusivo dos mais favorecidos financeira e culturalmente.

Até a metade do século XX, poucas famílias brasileiras, Senador Papaléo, deixavam de ter cinco ou seis filhos. Havia uma lógica razoável por trás de natalidade tão alta. A maioria da população vivia no campo, numa época de agricultura primitiva, em que as crianças pegavam no cabo da enxada já aos sete anos. Quanto mais braços disponíveis houvesse na família, maior a probabilidade de sobrevivência. Convivíamos com taxas de mortalidade infantil inaceitáveis para os padrões atuais. Ter perdido dois ou três filhos era rotina na vida das mulheres com mais de 30 anos. Não existiam recursos médicos para evitar a concepção.

Na década de 1960, quando as pílulas anticoncepcionais surgiram no mercado e a migração do campo para a cidade tomou vulto, algumas forças ideológicas ainda se opuseram ao planejamento familiar. Havia aí opiniões de cunho religioso e até político voltadas para a ocupação de um país com dimensões continentais. O resultado dessas ideologias não poderia ter sido mais desastroso: em 1970, éramos 90 milhões; hoje, há o dobro da população, parte expressiva da qual aglomerada em favelas e na periferia das cidades.

Isso nos faz perguntar: Suécia, Noruega e Canadá conseguiram oferecer os mesmos níveis de atendimento médico, de educação e de salários para os aposentados, caso tivessem duplicado seus habitantes nos últimos trinta anos? É bem pouco provável.

A bem da verdade, é preciso ser dito que as taxas médias de natalidade brasileiras têm caído gradativamente nos últimos cinqüenta anos, mas não há necessidade de consultar os números do IBGE para constatarmos que a queda foi muito mais acentuada nas classes média e alta: basta ver a fila de adolescentes grávidas à espera de atendimento nos hospitais públicos ou o número de crianças pequenas pedindo esmolas pelas ruas.

Não adianta cobrir uma situação de dura realidade com o manto da fantasia e do lirismo. As meninas pobres, longe dos bancos da escola, não engravidam aos 14 anos para viver os mistérios da maternidade; a mãe de quatro filhos, que mal consegue alimentá-los, não concebe o quinto só para vê-lo sofrer.

A gravidez indesejada e a violência urbana guardam uma perigosa relação. A irresponsabilidade brasileira diante das mulheres pobres que engravidam por acidente é caso de polícia.

Todos nós sabemos quanto custa criar um filho. Cada criança concebida involuntariamente por casais que não têm condições financeiras para criá-la empobrece ainda mais a família e o país, obrigado a investir em escolas, em postos de saúde, em hospitais, em merenda escolar, em vacinas, em medicamentos, em habitação, no Fome Zero e, mais tarde, lamentavelmente em muitos casos, na construção de cadeias para trancar delinqüentes.

Ao trazer de volta, portanto, os números da pesquisa conduzida pelo Datafolha, desejo, Sr. Presidente, tão-somente manter na pauta essa importante discussão, enquanto advogo com firmeza - por sinal, hoje é o Dia do Advogado; não sou advogado, mas vamos homenagear o Dia do Advogado - pelo acesso à informação e à facilidade de obtenção de meios contraceptivos sob orientação médica adequada como única maneira de preservar a saúde da mulher, evitando gestações indesejadas, diminuindo o número de gestações de alto risco e abortos inseguros e, conseqüentemente, reduzindo o padecimento social de mulheres e crianças.

Sr. Presidente, agradeço-lhe a generosidade do tempo que me proporcionou. Procurei concluir dentro das possibilidades, sem nenhuma desconsideração ao nosso querido Regimento Interno.

Muito obrigado. Agradeço a essa Presidência a generosidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/08/2008 - Página 29887