Discurso durante a 139ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a memória do médico e geógrafo Josué de Castro pelo transcurso do centenário de seu nascimento.

Autor
Geovani Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Geovani Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória do médico e geógrafo Josué de Castro pelo transcurso do centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2008 - Página 29538
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO, JOSUE DE CASTRO, ESCRITOR, MEDICO, GEOGRAFO, SOCIOLOGO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), REGISTRO, ESFORÇO, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, RECONHECIMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, IMPORTANCIA, OBRA INTELECTUAL, ESPECIFICAÇÃO, GEOGRAFIA, FOME.
  • IMPORTANCIA, DIVULGAÇÃO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV), REGISTRO, AMPLIAÇÃO, CLASSE MEDIA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, OPORTUNIDADE, HOMENAGEM, ESCRITOR.

O SR. GEOVANI BORGES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Jarbas Vasconcelos, Presidente desta sessão especial do Senado Federal; nosso querido Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Patrus Ananias; Srª Socióloga Anna Maria Castro, filha do nosso homenageado; Senador Cristovam Buarque, que acabou de deixar esta tribuna; nosso querido Senador Marco Maciel do Estado de Pernambuco; Srª Tereza Sales, Presidente do Centro Josué de Castro; nosso Prefeito de Recife João Paulo Lima e Silva, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, senhoras e senhores, “Fome é expressão biológica de males sociais”. Com essa frase lapidar, o pernambucano médico, geógrafo, professor, escritor, sociólogo, intelectual e político, que faria cem anos no próximo dia cinco de setembro se vivo ainda estivesse, sintetizou “Geografia da Fome”, no seu livro de título homônimo.

Josué de Castro, o inconformado nordestino que chegou a embaixador do Brasil junto aos Órgãos das Nações Unidas, em Genebra, teve seus direitos políticos cassados em 1964.

Foi mais uma vítima da ditadura daqueles anos complicados que o País viveu, quando injustiças foram cometidas sem dó, vozes foram caladas na marra e talentos sucumbidos a baionetas.

A sua cassação, todavia, não tirou o brilho de sua cátedra, uma vez que foi um professor brilhante, nem apagou a sua notável passagem pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), oportunidades nas quais foi fiel ao tema que elegeu para lutar, destrinchar, dissecar, radiografar e combater ao longo de toda a sua vida: a fome.

Esta sessão solene, Sr. Presidente, é especialmente oportuna porque o Brasil comemora, desde ontem, a augusta divulgação de estudos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da Fundação Getúlio Vargas, demonstrando que, em seis anos, três milhões de brasileiros entraram na classe média nas grandes capitais.

E tem mais: embora ainda haja desequilíbrio na distribuição de renda, a classe média já é maioria no País, e a pirâmide social brasileira começa a se inverter.

São números animadores, alvissareiros, porque, como dizia o nosso homenageado, “a fome é um flagelo fabricado pelos homens, contra outros homens”.

O livro de Josué de Castro Geografia da Fome foi lançado em 1946.

Já foi traduzido para 25 idiomas. Desta forma, e há mais de cinqüenta anos passados, ele criava uma teoria explicativa para a fome como a triste perversidade do subdesenvolvimento, fruto do desrespeito do homem pelo homem, filha das distorções econômicas e irmã do descaso social e nefasto.

No seu romance Homens e Caranguejos há uma passagem impagável que descreve a fome e a forma como ela corrói a dignidade humana, até subtrair-nos a vida no sentido lato.

Diz assim:

(...) Não foi na Sorbonne, nem em qualquer outra universidade sábia que travei conhecimento com o fenômeno da fome. A fome se revelou espontaneamente aos meus olhos nos mangues do Capiberibe, nos bairros miseráveis do Recife - Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite. Esta foi a minha Sorbonne. A lama dos mangues de Recife, fervilhando de caranguejos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejo.

São seres anfíbios - habitantes da terra e da água, meio homens e meio bichos. Alimentados na infância com caldo de caranguejo - este leite de lama -, se faziam irmãos de leite dos caranguejos.

Cedo me dei conta desse estranho mimetismo: os homens se assemalhando em tudo aos caranguejos. Arrastando-se, acachapando-se como caranguejos para poderem sobreviver.

A impressão que eu tinha era de que os habitantes dos mangues - homens e caranguejos nascidos à beira do rio - à medida que iam crescendo, iam cada vez se atolando mais na lama.

Foi assim que senti formigar dentro de mim a terrível descoberta da fome. (...)

Pois bem, Srªs e Srs. Senadores, aqueles que já sentiram sabem que a fome dá a noção exata da nossa pequenez. Sacos vazios, de fato, não ficam em pé.

Outro dia lembrei aqui, nesta tribuna, a célebre frase do Ministro José Américo de Almeida. O paraibano, que iniciou o gênero regionalista na literatura brasileira, deu um tiro certeiro de espingarda calibre 12 quando sentenciou que “meio-dia já é tarde para quem tem fome”.

Eu gostaria de encerrar, Sr. Presidente, lembrando uma frase do nosso homenageado, que mais do que um aforismo, é uma sentença de vida e morte: “No mangue, tudo é, foi ou será caranguejo, inclusive o homem e a lama.”

É para fazer pensar...

Parabéns ao Brasil, aos brasileiros, aos que trabalham, aos que dão emprego, aos que comem, aos que dão de comer, pela vitória que obtivemos nesse flagelo chamado fome!

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2008 - Página 29538