Discurso durante a 139ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a memória do médico e geógrafo Josué de Castro pelo transcurso do centenário de seu nascimento.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem a memória do médico e geógrafo Josué de Castro pelo transcurso do centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2008 - Página 29540
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, SENADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME, FILHO, PREFEITO, MUNICIPIO, RECIFE (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL.
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO, JOSUE DE CASTRO, MEDICO, GEOGRAFO, ESCRITOR, INTELECTUAL, ANTROPOLOGO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), RECONHECIMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, ELOGIO, CARATER PESSOAL, ETICA, MORAL, IMPORTANCIA, COMBATE, FOME, FORMAÇÃO, CIDADÃO, ESPECIFICAÇÃO, CRISTOVAM BUARQUE, SENADOR.
  • REGISTRO, DECLARAÇÃO, DARCY RIBEIRO, EX SENADOR, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, ELOGIO, JOSUE DE CASTRO, INTELECTUAL, CONFIRMAÇÃO, ANTERIORIDADE, MANIFESTAÇÃO, DEFESA, RENDA MINIMA, COMBATE, FOME.
  • QUESTIONAMENTO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, CONTINUAÇÃO, OCORRENCIA, FOME, COMENTARIO, TENTATIVA, CRIAÇÃO, ORADOR, COMISSÃO, FUNDO NACIONAL, COMBATE, POBREZA, ELOGIO, ESFORÇO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - De acordo com o Regimento Interno, peço licença para falar sentada, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Jarbas Vasconcelos. PMDB - PE) - Pois não.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Em primeiro lugar, quero cumprimentar os proponentes desta sessão de homenagem pela iniciativa, mas também quero agradecer ao PT pela oportunidade de falar nesta sessão de homenagem, cumprimentando o Senador Jarbas Vasconcelos, que foi o primeiro signatário desse requerimento e preside os trabalhos; o Senador Cristovam Buarque, que também assina esta sessão de homenagem; o Exmº Ministro de Estado Patrus Ananias, meu amigo e parceiro durante cinco anos de profícuo trabalho; a Srª socióloga Anna Maria Castro, filha do homenageado; o Sr. João Paulo Lima e Silva, prefeito de Recife; a Srª Tereza Sales, Presidente do Centro Josué de Castro; e todos os presentes nesta sessão solene.

Fica muito difícil dar prosseguimento às homenagens quando já foram feitas tantas manifestações colhendo os frutos e os louros da vida do homenageado. Mas como o nosso homenageado, Josué de Castro, tem muitos frutos, muitas raízes e muitas flores, sempre haverá espaço para que possamos colher dessa árvore frutífera uma parte para fazer a nossa manifestação.

E como alguém já disse no filme O Carteiro e o Poeta, a poesia não é de quem faz, mas de quem precisa, também o discurso não é de quem faz, mas de quem precisa. E sempre uso essas palavras para alimentar as minhas falas. Ouvi, aqui, várias manifestações homenageando a memória de Josué de Castro e achei muito interessante. E gostaria de repeti-las porque, talvez, elas digam aquilo que todos nós gostaríamos de dizer. Ele deu sua contribuição como filósofo, como geógrafo, como antropólogo, para esses ramos do conhecimento nos espaços acadêmicos em que atuou, para além dos inúmeros papéis que desempenhou, das funções importantes que ocupou, da forma como foi acolhido e reconhecido no cenário internacional pela sua produção intelectual, mas, sobretudo, pelo seu compromisso ético e moral, porque, às vezes, se pode produzir algo árido e, às vezes, produz-se algo que é muito fértil, porque essa fertilidade vem do compromisso e do coração. É isso que podemos identificar na sua vida e na sua obra.

Então, há uma frase do Betinho em que ele faz menção a algo que ele diz que foi Josué que disse. É o seguinte: “Não se morre só de enfarto ou de glomerulonefrite crônica. Morre-se também de saudade”. Acho que ele tem inteira razão, porque, além de morrer de fome, também morremos de saudade, também morremos pela falta de sentido, pela falta de compromisso.

E nunca me canso de citar, e acho bem interessante as coisas que escreve o psicanalista italiano Contardo Calligaris, que diz que a nossa sociedade, a nossa cultura, é adoecida por falta de significado e de significação. E quando não somos capazes de significar a nossa vida, o nosso compromisso, não somos capazes de dar sentido àquilo que vivemos, e aquilo que vivemos acaba se transformando num sintoma, e um dos piores sintomas que temos é o sintoma da fome, porque ele se manifesta em algo muito concreto, desconstituindo a cultura, desconstituindo os valores e desconstituindo a própria vida.

De sorte que tem inteira razão, morremos de saudade e de outras coisas que não são, digamos assim, tão letais, mas que são responsáveis pela letalidade daquilo que leva à fome, ao descompromisso e ao não uso das forças e das energias que temos para aquilo que é ético, aquilo que é moral, aquilo que é constitutivo da vida, como diz o Frei Leonardo Boff.

            E lembrando as palavras sempre corajosas do nosso querido Professor Darcy Ribeiro, ressalto que só ele poderia falar algo de uma pessoa com tanta sinceridade. E fico lembrando do Darcy aqui, neste plenário, dizendo as coisas. E sempre dizia: só o Darcy pode falar tantas vezes ”povo brasileiro, povo brasileiro, povo brasileiro” sem parecer demagogia. O único político do mundo que podia falar de boca cheia “povo brasileiro” é o Darcy Ribeiro. Qualquer um de nós que fique falando “povo brasileiro” faz parecer demagogia. E o nosso grande Senador Darcy Ribeiro e grande antropólogo e cientista disse o seguinte:

Josué era uma das pessoas que eu mais admirei. Eu digo mesmo que Josué é o homem mais inteligente e mais brilhante que eu conheci”. “[...] o diabo é que me dava uma inveja enorme - Josué era brilhante em todas as línguas... Incrível!” “[...] mas isso do intelectual mais eminente do País, a figura mais importante do território brasileiro, a mais visível [o que ele era]... esse, ser levado à morte em tristeza, querendo vir”. Darcy Ribeiro.

Quando ele disse que tinha inveja, isso é um dos maiores elogios, porque só dois gigantes podem sentir inveja um do outro sem que um não se sinta diminuído e sem que a gente possa acreditar que seja qualquer tipo de inveja mesquinha. Eu acho que todos nós aqui estamos fazendo esta homenagem porque estamos diante de um precursor.

O Senador Suplicy ontem fez uma homenagem ao filósofo Josué de Castro - vou tratá-lo assim - e ele me ligou, já com a porta do avião fechando, e eu ouvindo dizer que tinha que desligar o celular, mas, na persistência “suplicystica”, ele me dizia: “Marina, diga que eu não posso estar lá. Mas diga que, em 1956, Josué de Castro fez, na Câmara dos Deputados, a primeira manifestação sobre uma renda de cidadania para todos os brasileiros”.

Isso o Suplicy me disse ainda há pouco, antes de vir para cá.

Ouvindo lá, do meu gabinete, o Senador Cristovam dizendo que ele foi um dos intelectuais mais importantes na sua formação, fico imaginando quantos não foram alimentados por essas raízes, quantas pessoas não foram embevecidas pelo aroma dessa árvore frondosa. E eu fiquei pensando nas palavras do maior orador da cultura e da língua portuguesa, Padre Antônio Vieira, que disse que um pigmeu, nos ombros de um gigante, consegue ver mais além. E todos nós nos sentimos, às vezes, pigmeus nos ombros de determinados gigantes. E é incrível, ele diz aqui também, que eles viram antes de nós para que pudéssemos enxergar mais longe. Eles viram antes de nós, e aí se constitui o mérito, porque, por mais que possamos avançar nos conceitos, nas formulações, nas respostas e até na implementação das políticas sociais, eles serão sempre maiores, porque eles são o primeiro degrau. E o primeiro degrau é que é importante, porque o último degrau pode ser o menor, diz Antônio Vieira, mas sobre esse último degrau podemos enxergar mais longe, porque o profeta da história é aquele que é capaz de confirmá-la na própria história, e foi isso que ele fez. Numa fala profética - que metaforicamente aqui uso porque ele fazia também ciência, mas uma ciência que tinha a competência de lidar, sobretudo, com o humano - dizer que a gente morre também de saudade é a maior radicalidade dessa fragilidade humana colocada a serviço da ética, da ética que o Senador Cristovam muitas vezes diz que está na pré-história da técnica. Porque nós temos tecnologia e conhecimento para produzir grãos - vou utilizar uma palavra bem nordestina e bem nortista - para empanzinar o planeta; no entanto, nós temos pessoas que passam fome. Nós temos tecnologia que nos levam à Lua, nos levam a lugares que nem imaginamos, mas nós temos pessoas que não têm sequer uma casa modesta para morar. Nós temos tecnologia para nos comunicar em tempo real, mas não temos a ética que nos faz sentir e agir em tempo real para diminuir a fome daqueles que, como diz Dom Mauro Morelli, não têm, não sabem e não podem. Não ousamos avançar na ética para que a nossa técnica possa ser colocada a serviço dos que não têm, não sabem e não podem para que um dia possam, saibam e tenham.

E eu fico muito feliz de ser um pigmeu que, inspirada nesses gigantes, propôs aqui a Comissão de Combate à Pobreza e que, junto com o então Governador Cristovam, tentamos criar um fundo nacional de combate à pobreza. E fico feliz que tenhamos agora resultados na agenda social de diminuição dos índices de pobreza. E aí, meu amigo Patrus Ananias, eu sei do seu esforço, da sua dificuldade para fazer as políticas sociais avançarem no sentido de uma inclusão produtiva, ainda que ela não aconteça da noite para o dia - e os índices que foram colocado aqui ainda há pouco pelo colega Senador que me antecedeu são animadores, mas nós sabemos, é apenas o começo.

Com certeza, aqueles que iniciaram antes de nós essa reflexão e que fizeram o mapa e a geografia da fome nos ajudam agora a fazer o mapa e a geografia do compromisso, do compromisso em fazer com que aquilo que dizemos tenha efetividade, para que não sejam consensos ocos.

Então, só quero mesmo agradecer, como mulher de fé que sou, porque, graças a Deus, não depende de ter fé para ser iluminado.

Muito obrigada. Parabéns.

Não estou dizendo que ele não tinha fé, só estou dizendo que as coisas grandiosas tomam conta de todos os corações. Muitas vezes - repito - não somos nós que temos a causa, é a causa que nos tem. E eu acho que a causa da inclusão social, a causa do combate à pobreza, a causa da busca da dignidade da pessoa humana, para que ela possa viver entendendo que combinar pão e verbo é fundamental para que se tenha uma vida fértil e, sobretudo, para que se tenha sentido, uma vida com significado, é fundamental. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2008 - Página 29540