Discurso durante a 139ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória do médico e geógrafo Josué de Castro pelo transcurso do centenário de seu nascimento.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do médico e geógrafo Josué de Castro pelo transcurso do centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2008 - Página 29545
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO, JOSUE DE CASTRO, MEDICO, SOCIOLOGO, GEOGRAFO, CIENTISTA, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), IMPORTANCIA, OBRA INTELECTUAL, GEOGRAFIA, FOME, DEBATE, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, NATUREZA POLITICA, NATUREZA SOCIAL, RECONHECIMENTO, AMBITO INTERNACIONAL.
  • IMPORTANCIA, COLABORAÇÃO, HERBERT DE SOUZA, SOCIOLOGO, MAURO MORELLI, BISPO, LANÇAMENTO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, GOVERNO, COMBATE, FOME, MISERIA, ELOGIO, CONDUTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME.
  • COMENTARIO, PESQUISA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ALTERAÇÃO, CLIMA, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, ALTERNATIVA, AREA AGROPECUARIA, REGISTRO, NUMERO, POPULAÇÃO, SITUAÇÃO, FOME.
  • COMENTARIO, COBRANÇA, PRESIDENTE, BANCO MUNDIAL, REUNIÃO, GRUPO, PAIS INDUSTRIALIZADO, POSIÇÃO, COMBATE, FOME, SUGESTÃO, PESQUISA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DEMONSTRAÇÃO, ATUALIDADE, OBRA INTELECTUAL, GEOGRAFO, BRASIL.
  • COMENTARIO, HISTORIA, JOSUE DE CASTRO, ESCRITOR, INTELECTUAL, IMPORTANCIA, TRABALHO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CRITICA, EXILIO, REGIME MILITAR, ESFORÇO, COMBATE, FOME, INFLUENCIA, ATUALIDADE, ESPECIFICAÇÃO, PROJETO, NATUREZA SOCIAL.
  • NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, REDUÇÃO, DESEMPREGO, ALTERAÇÃO, PROGRAMA, DOAÇÃO, ALIMENTOS.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Cristovam Buarque, Presidente desta sessão e Senador Jarbas Vasconcelos, ilustres autores do requerimento de realização desta sessão; Srª Socióloga Anna Maria Castro, filha do homenageado; Srª Tereza Sales, Presidente do Centro Josué de Castro; Prefeito do Recife, João Paulo Lima e Silva; Ministro do Desenvolvimento Social de Combate à Fome, Patrus Ananias; ilustre Ministro amigo, Bispo Mauro Morelli, duas pessoas que nos ajudam a lembrar a figura do nosso homenageado, mostrando que se está fazendo coisa positiva.

O Bispo Mauro Morelli, junto com Betinho, pela primeira vez levantou a hipótese de se fazer algo concreto com relação ao combate à fome, que era um movimento extraordinário, que realmente teve início e não acabou. Foi grande aquele início em que Dom Morelli e Betinho, com o apoio do Presidente, lançaram o grande movimento de combate à fome.

Hoje, tenho dito e tenho repetido que admiro muito V. Exª, Ministro Ananias, porque reconheço que esse é um grande plano, grande lado positivo. V. Exª tem uma dignidade digna de respeito. Não vejo V. Exª anunciar o plano, eu não vejo V. Exª sair pelo Brasil a lançá-lo, como muitas pessoas o fazem. V. Exª não. V. Exª realiza, mas não tenta somar o que poderia somar imensamente, que é esse extraordinário plano.

Meus irmãos, a comemoração pelo centenário de nascimento de Josué de Castro nos dá, neste momento, uma das mais importantes oportunidades para discutir um tema que, para mim, deveria estar na ordem do dia de todos os parlamentos de todos os países do mundo, em todas as mídias, em todas as universidades, em todas as Igrejas e em todas as organizações da sociedade mundial.

Eu não consigo imaginar o mundo em paz, mesmo que sem as barbáries dos senhores da guerra, enquanto milhões de pessoas ainda sofrem a dor da fome, embora tamanhas sejam as nossas possibilidades de produzir alimentos. Mais do que isso, tamanhos são os desperdícios, muitas vezes regados pela ganância e pela insensibilidade de quem a loteria biológica propiciou fartar-se em cima dos outros.

Josué de Castro faria, no próximo dia 5 de setembro, cem anos. Desde menino, segundo ele próprio, viu a miséria nos mangues e alagados do Recife. Fez da medicina um sacerdócio.

Buscou, sempre, a cura da dor da fome.

Reuniu seus conhecimentos numa publicação traduzida em dezenas de idiomas, A Geografia da Fome, há pouco mais de seis décadas.

As nossas homenagens a Josué de Castro. Mas, o que mais me preocupa, neste momento, é dizer que esta mesma homenagem vem realmente em boa hora.

Isso significa que, passado um século, e mais de sessenta anos depois de ele publicar sua principal obra, ainda debatemos, com mais necessidade, o tema que o fez tão conhecido em tantos países.

Há poucos meses, cientistas de quarenta países, reunidos pela Organização das Nações Unidas, elaboraram um documento dos mais importantes sobre o futuro da humanidade, tendo em vista o chamado “aquecimento global”.

Se as projeções se confirmarem, haverá uma “geografia da agricultura” diferente da atual.

A estrutura produtiva de imensas regiões será modificada.

A produção de alimentos e a geografia da fome também serão profundamente modificadas.

Se nada ou pouco acontecer em sentido contrário, grandes ondas de migração modificarão, por completo, a demografia do planeta.

Será que é necessário um novo Josué de Castro para nos mostrar como será, daqui a sessenta ou cem anos, a nova geografia da fome?

Parece que não, porque, como ele, sabemos onde e como vivem os miseráveis de hoje, e, igualmente como ele, também sabemos que a fome não é um flagelo gerado por condições naturais, mas por falta de ação de todos os homens.

Há um flagrante flagelo anunciado, agora fundamentado pelo estudo da ONU. Mas, não podemos nos esquecer jamais de um flagelo vivenciado por todos nós, aqui e agora, que atinge mais de um bilhão de pessoas em todo o planeta: a mesma fome, tão bem denunciada e estudada por Josué de Castro, na metade do século passado.

Um, em cada seis seres humanos, nossos irmãos, dormirá a próxima noite, com fome. Fome crônica! Uma fome que mata um nosso contemporâneo, muitas vezes conterrâneo, a cada quatro segundos, mais do que o terrorismo, mais que qualquer doença, mais do que a nossa insensibilidade poderia imaginar.

Eu já disse, nesta mesma tribuna, que quase três milhões de indivíduos, quase a metade da população mundial sobrevive com menos de dois dólares por dia, a metade deles com menos de um dólar por dia.

Neste exato instante, 130 milhões de crianças estão chorando, ou morrendo de fome. Como falar, então, em prosperidade, em crescimento, em progresso ou até em paz, se não seremos ouvidos, porque há um barulho ensurdecedor dos gemidos de tantas crianças? Gemidos de fome?

Quase um bilhão de pessoas, em todo o Planeta, moram em favelas. Serão 1,4 bilhão em duas décadas, o equivalente a uma China inteira, apinhada na geografia dos morros e das mais perigosas encostas.

Eu tenho certeza, como Josué de Castro, que a fome não é um fenômeno natural, mas social e político. A solução do problema depende do homem, da vontade política de erradicar essa mácula que persiste nesse início de século e de milênio.

A sua obra mais importante deveria chamar-se, portanto, como já disse alguém, Fome e Política.

Quem sabe, então, a obra de Josué de Castro possa ser reeditada, novamente, nas consciências de quem tem o poder político de alterar significativamente a geografia da fome.

Se é possível extrapolar algumas pesquisas já realizadas, no Brasil e em outros países, com o que se desperdiça de alimentos, seria possível saciar quase a totalidade dos famintos do nosso planeta.

E não se trata de um novo milagre de multiplicação, é apenas um exercício de racionalização, de combate ao desperdício e, principalmente, de combate à especulação. Quer dizer, em nome da ganância, da ostentação e do lucro, jogamos no lixo o que na falta na mesa de nossos semelhantes. Risos que se sustentam de choros.

A obra de Josué de Castro está, mais do que nunca, viva. É preciso que todos nós nos debrucemos sobre ela. Não importa se mudou a geografia, se não mudou a história, se essa mesma história se agravou ainda mais nesses 60 anos da sua principal obra, nesses 100 anos que ele completaria no próximo dia 5 de setembro.

O Presidente do Banco Mundial, numa recente reunião do chamado Grupo dos Oito, cobrou dos líderes dos países mais ricos do mundo uma posição mais firme ante o problema da fome no mundo.

Ele chamou de desastre as projeções de que, a curtíssimo prazo, mais 100 milhões de seres humanos se somarão aos famintos já existentes. Eu, e agora ele, dizemos “a curtíssimo prazo”, muito antes, portanto, da tragédia anunciada decorrente do aquecimento global, tão alardeada pela mídia dos últimos tempos.

Eu não sei se o Presidente do Banco Mundial leu ou se inspirou na obra de Josué de Castro. Acho que não, embora pareça que sim. Pelo menos isso mostra o quanto é atual a obra desse brasileiro do nosso querido Nordeste, nascido em Recife, médico aos 21 anos, embaixador junto aos mais importantes órgãos das Nações Unidas. Gerações inteiras se formaram lendo seus livros, escritos numa época áurea de profundas reflexões sobre o Brasil.

A sua obra coincide com o lançamento de outros importantes estudos sobre o Brasil, como Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Eu vivi, nos meus longos 78 anos, intensamente os anos que se sucederam à publicação dessas obras. Josué de Castro sempre foi uma das referências maiores quando se desejava conhecer com profundidade as razões da fome no Brasil e no mundo.

Eu me indignei, com a mesma intensidade de quando era jovem, quando um brasileiro como ele, reconhecido mundialmente por combater a dor da fome, teve seus direitos políticos cassados por um regime político que se estendeu por mais de duas décadas. Embaixador na ONU, homem ligado às organizações internacionais de combate à fome, reconhecido mundialmente, quando houve o golpe de 64, ele imediatamente renunciou. Renunciou. Precisava ser cassado? Precisava a revolução, no primeiro ato, cassar Josué de Castro, que não era parlamentar? Tinha renunciado num primeiro momento ao cargo de embaixador. Renunciado. E Josué de Castro viveu exilado na França, trabalhando, debatendo, fazendo palestras, sendo um nome mundial.

E morreu no exílio, não podendo voltar à sua terra. Precisava isso? Precisava um homem da expressão de Josué de Castro, uma literatura mundial, um nome mundial? Isso era essa estupidez ridícula! Um homem que, no Governo anterior a 64, estava na ONU, estava na FAO, estava em Genebra, era líder nacional, era o homem que o mundo inteiro colocava na presidência do Conselho pelo que ele representava, e o movimento de 64 o cassou. Mas ele já tinha renunciado à embaixada, ele já tinha reconhecido que o movimento havia, que existia e que ia se recolher à sua vida. Não pôde voltar ao Brasil. Morreu exilado, em Paris. Por amor de Deus! Por amor de Deus! Sinceramente, não consigo entender como isso aconteceu. Alguém que sustenta a tese que a fome é uma questão política é cassado por um regime político. Essa é a grande realidade.

Que efeito tão devastador teria a verdadeira compreensão dos motivos da fome a ponto do seu maior estudioso ter seus direitos políticos interrompidos? Talvez tenha sido exatamente essa compreensão o que motiva hoje as preocupações com a fome no mundo.

Não me move a inocência de imaginar que o Banco Mundial, como instituição e através do seu presidente, tenha sido arrebatado por encantos humanitários.

É que a fome, hoje, preocupa o poder mundial pelos seus efeitos de imobilização, e não é possível, hoje, os regimes, quaisquer que sejam, cassarem os direitos políticos de todos que, como Josué de Castro e seus seguidores, se aprofundam no conhecimento das verdadeiras causas da fome.

Quem sabe possa ser essa a grande oportunidade de se pensar com maior ênfase sobre esse flagelo vivenciado. O Presidente do Banco Mundial sugere uma mobilização de inteligências de igual ou maior abrangência que os cientistas da ONU, que anteciparam os possíveis efeitos do aquecimento global para buscar soluções para o problema da fome no planeta. Neste caso, não seria premonição, seria a constatação. Os estudos desses mesmos cientistas serviriam, portanto, para fundamentar decisões políticas já conhecidas, ainda que tardias.

Também tenho certeza de que o Betinho conhecia profundamente a obra de Josué de Castro. Ele dizia que a “alma da fome é política”. É por isso que também estou certo de que a inspiração da Ação pela Cidadania contra a Fome e a Miséria comungava, como D. Mauro e agora V. Exª, Ministro Ananias, dos mesmos princípios manifestados por Josué de Castro. E sua ação ia muito além dos motivos puramente humanitários. Ele também dizia que a fome e a miséria têm que estar em todos os debates, em todos os palanques, em todos os comícios. E ele dizia: “O Brasil tem fome de ética e passa fome em conseqüência da falta de ética na política”.

Meu Deus do céu! Isso ele dizia lá, quantos anos atrás? Parece que foi ontem. Repito: O Brasil tem fome de ética e passa fome em conseqüência da falta de ética na política.

Há quem discuta que interesses verdadeiramente movem programas como o Fome Zero. Eu me coloco entre aqueles que defendem a tese de que a distribuição de alimentos não pode ser definitivamente uma dádiva, mas defendo que ela é justa e necessária e está fazendo um magnífico trabalho. Para mim, a cidadania plena se concretiza com o trabalho do homem, com o seu suor, com o desenvolvimento de suas habilidades.

Vamos fazer com que o artigo da Constituição brasileira seja real. Todo cidadão tem direito ao trabalho, e todo cidadão que tem direito ao trabalho deve receber uma remuneração que lhe dê condições para viver com dignidade, ele e a sua família. Esse deve ser o nosso objetivo - tenho certeza de que é o seu, Ministro Ananias. Não apenas distribuir alimentos como forma excepcional - estão aí as estatísticas mostrando que muitos saíram da miséria e sumiram. Acho isso uma notícia espetacular, mas não é o ideal. O ideal é que isso aconteça onde o cidadão tenha trabalho, e que, do seu trabalho, ganhe com dignidade o seu alimento.

Mas defendo, com igual ênfase, a tese de que algo tinha de ser feito - algo tinha de ser feito a curtíssimo prazo - para curar a dor da fome. E aí as estatísticas, Ministro, têm sido gratificantes.

Ainda há muito que caminhar, mas não há dúvida de que muitos passos já foram dados no Brasil. Basta que a gente percorra os grotões que antes eram motivo de consternação, tamanha a miséria. Ela continua, mas muita coisa mudou, é preciso reconhecer.

Os dados não são frios. Ao contrário, espelham uma realidade que, embora num ritmo menor do que desejávamos, mostra sinais de relativo avanço.

Quem sabe tenhamos de buscar novamente a orientação nas idéias de Josué de Castro. Construir a cidadania no lugar da dádiva - isso era de Josué de Castro. Construir a cidadania no lugar da dádiva. A fome erradicada pela melhor distribuição de renda - isso dizia Josué de Castro. Renda como fruto do trabalho digno - isso dizia Josué de Castro. O suor do trabalho dignifica.

A obra de Josué de Castro é também contemporânea de um documento que deveria ser de cabeceira de todas as mesas de decisões políticas: a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Artigo XXV.

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perdas de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”

Que maravilha! Não precisa nova lei, não precisa inventar nada, o preceito está lá na carta. Quem sabe, também, um dia, e que seja muito próximo, Geografia da Fome possa ser consultada apenas como matéria de ensino da nossa História. Por enquanto, infelizmente, embora os avanços continuem, Geografia da Fome continua sendo matéria curricular da nossa Geografia. A fome ainda está não somente nas regiões pobres em recursos naturais; ela é tão e mais dolorida nas regiões ricas e mal distribuídas em todos os tipos de recursos. Daí a necessidade de vontade política, para que a fome, ainda geografia, torne-se apenas história.

Encerro, Sr. Presidente. Apenas não posso fugir: quero dizer que eu era um jovem Deputado quando vi e conheci Josué de Castro. Que coisa interessante! O nobre Líder do PSOL dizia que vamos festejar neste mês Josué de Castro e Dom Helder Câmara. Juro por Deus que, nos meus 78 anos, são as duas imagens que mais guardo ao longo da minha vida. Dom Helder Câmara, Arcebispo do Rio de Janeiro, vestido com a batina preta e surrada, magrinho. Quando falei com ele, lá no Rio de Janeiro, parecia que eu estava falando com um homem com os dons do Espírito Santo. Ele falava, mas Deus falava por intermédio dele. E Josué de Castro, quando falamos com ele, quando pedi para que autografasse - tenho na minha biblioteca Geografia da Fome -, ele disse: “Olha, meu jovem, você vai ver que, fruto deste trabalho, a tua geração vai ser diferente”. Eu me lembro da frase; não a coloquei no meu pronunciamento, porque achei que todos os oradores que me antecederam iriam usá-la. Parece que eles não a usaram. Mas é uma frase que li, de Josué de Castro, em Geografia da Fome; que reli, reli, reli. São dois textos que não esqueço na minha vida:

Mateus, com o Sermão da Montanha - acho a página mais fantástica da história da humanidade; ali, não precisa código, não precisa lei, não precisa nada -, e a frase: no Brasil há aqueles que não dormem, porque estão com fome e aqueles que não dormem, porque têm medo daqueles que estão com fome.

Eu nunca esqueci essa frase. O Brasil é um País em que há aqueles que não dormem, porque têm fome e aqueles que não dormem, porque têm medo daqueles que têm fome.

Olhem Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo. A moda agora são as residências em circuito fechado; o chique agora são cidades dentro da cidade, com segurança particular, altas divisões, muralha. Lá em São Paulo, dizem que há um que é espetacular. São Paulo é a cidade que tem mais helicópteros; só ganha de São Paulo Nova Iorque, em número de helicópteros. Então, o grande empresário tem helicóptero lá na cidade, longe de São Paulo; vai com seu helicóptero e desce em cima do seu prédio e volta para lá. E lá é uma maravilha, casa espetacular, uma vida espetacular, é uma cidade.

A moda, hoje, aqui em Brasília, também é esta: condomínio fechado.

São as pessoas que estão ali com medo do assalto, com medo da miséria, com medo de tudo. É o que dizia Josué: os que não dormem com medo dos que têm fome. Só que alguns acharam agora que podem dormir tranqüilos nesses condomínios fechados. Até quando?

Eu felicito, meu querido Cristovam, você e o Jarbas. Acho que essa é uma das sessões mais importantes na história deste Senado. Sei que sou um intruso aqui: não sou de Pernambuco, não sou do Nordeste, não tenho nenhuma ligação, nenhum Partido me indicou - aliás, não me indicam nunca, é normal -; estou falando em meu nome pessoal, mas sei que falo em nome de muitos brasileiros. Era uma obrigação para mim, para minha consciência, para minha alma falar aqui, eu tinha que fazer. Eu nunca me justificaria se, estando há 25 anos no Senado, viesse a uma sessão, como esta, em homenagem a Josué de Castro e, de uma maneira pura e sincera, não dissesse o que estava pensando.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2008 - Página 29545