Discurso durante a 139ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória do médico e geógrafo Josué de Castro pelo transcurso do centenário de seu nascimento.

Autor
Flexa Ribeiro (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando de Souza Flexa Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem à memória do médico e geógrafo Josué de Castro pelo transcurso do centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2008 - Página 29550
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO, JOSUE DE CASTRO, MEDICO, ESCRITOR, SOCIOLOGO, DISTRITO FEDERAL (DF), DIAGNOSTICO, DOENÇA, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, VITIMA, FOME, POSTERIORIDADE, ANALISE, SITUAÇÃO, POBREZA, BRASIL, MUNDO.
  • COMENTARIO, DEMONSTRAÇÃO, JOSUE DE CASTRO, MEDICO, COMPLEXIDADE, FATOR, NATUREZA ECONOMICA, NATUREZA SOCIAL, NATUREZA POLITICA, MEIO AMBIENTE, CULTURA, RESULTADO, FOME, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, ORDEM ECONOMICA E SOCIAL, VIABILIDADE, DESENVOLVIMENTO, HOMEM, QUESTIONAMENTO, RELAÇÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, AUSENCIA, IGUALDADE.
  • COMENTARIO, ATUALIDADE, PENSAMENTO, ESCRITOR, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, REGISTRO, PESQUISA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), QUANTIDADE, POPULAÇÃO, SITUAÇÃO, FOME, NECESSIDADE, REDUÇÃO, MISERIA, AUMENTO, PREÇO, ALIMENTOS, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA.

O SR. FLEXA RIBEIRO (PSDB - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, Josué de Castro, eminente cientista, humanista e pensador brasileiro, deve ser lembrado não só pelo brilho e pela agudeza de seu pensamento, mas também pela corajosa coerência desse pensamento com toda sua trajetória de vida.

Voltando-se, como médico, para o tratamento e o estudo dos problemas nutricionais, teve a coragem de enxergar e nomear a grande causa dos males de saúde que afligiam a população pobre do Brasil. Era a fome, esse tema proibido, que estava por trás da falta de ânimo e de incontáveis doenças dos trabalhadores.

Esse conhecimento, ou antes, a aguda sensibilidade para ele tinha suas origens no contato, desde a infância, com a população pobre do Recife, que residia e retirava o seu sustento dos manguezais. Logo Josué poderia estender e generalizar sua descoberta para a zona da mata e o sertão nordestinos, situando-a, enfim, em uma escala nacional e mundial.

Dois terços da humanidade sofriam, então, naquele pós-guerra em que Josué de Castro publica seus livros pioneiros, “de maneira epidêmica ou endêmica, os efeitos destruidores da fome”. E não caberia, a seu modo de ver, suavizar o problema adotando conceitos como os de desnutrição ou subnutrição. Josué enfatizou que a fome mais socialmente danosa era aquela que não se mostrava de modo mais ostensivo, “a fome aguda e total”, mas sim “a fome crônica ou parcial, que corrói silenciosamente inúmeras populações do mundo”. Seu pensamento, expresso por um estilo empolgante, iria de fato repercutir no mundo inteiro.

Com sua visão abrangente, Josué de Castro mostrava o complexo de fatores econômicos e sociais, ambientais, culturais e políticos que resultavam no fenômeno da fome. Ressaltou, particularmente, a necessidade de mudanças das estruturas econômico-sociais, que subjugavam a população trabalhadora e roubavam-lhe, a começar pela alimentação, as condições necessárias para seu desenvolvimento humano.

Pois era esse desenvolvimento, acima de tudo, o que buscava e julgava imprescindível o pensador pernambucano, como afirmou com suas inspiradas palavras:

Só há um tipo de verdadeiro desenvolvimento: o desenvolvimento do homem. (...) É o cérebro do homem a fábrica de desenvolvimento. É a vida do homem que deve desabrochar pela utilização dos produtos postos à sua disposição pelo desenvolvimento.

Josué de Castro questionou, também, o modo como ocorriam as relações entres os países ricos, ou desenvolvidos, e os países pobres. Para ele, o subdesenvolvimento não deveria ser visto apenas como um desenvolvimento reduzido, mas só poderia ser entendido no quadro dessas relações desiguais.

Não pretendo, Sr. Presidente, mapear aqui os muitos eventos significativos da vida desse homem de ciência e de ação, pernambucano e cidadão do mundo, que teve atuação destacada e marcante em nossa vida política e em diversas instituições brasileiras e internacionais.

Quero fazer apenas uma breve referência aos seus anos de exílio, quando, cassado pelo regime ditatorial, não pôde mitigar em Paris a imensa saudade de sua terra. Falecido na capital francesa, seu corpo regressa derradeiramente ao Brasil em setembro de 1973; lamentavelmente, já não poderia mais contribuir para a emancipação de seu povo sofrido, esperançoso e batalhador.

Talvez mais importante do que prestar as justíssimas homenagens à memória de Josué de Castro é reconhecer a atualidade, se não urgência, de seu pensamento. Infelizmente, a fome crônica continua atingindo, segundo as Nações Unidas, mais de 850 milhões de pessoas no mundo. O número absoluto de famintos permanece crescendo, tornando cada vez mais improvável a realização de uma das Metas de Desenvolvimento do Milênio, que é a de reduzir pela metade a incidência da fome até 2015.

O quadro que se desenha desde o ano passado, com significativo aumento dos preços dos alimentos, torna ainda mais preocupante a questão da fome no mundo. Temos certeza de que o Brasil tem muito o que contribuir no presente contexto, aumentando sua já mais que significativa produção agrícola. Mas não podemos nos esquecer das lições hauridas na visão abrangente de Josué de Castro, conscientes de que a questão da produção deve ser equacionada juntamente com a do meio-ambiente, da educação, da renda e da distribuição de riquezas, inclusive entre as diferentes nações.

Deve guiar-nos, Sr. Presidente, a esperança atuante e ativa de Josué de Castro de que a humanidade pode resolver seus graves problemas, uma vez que a fome e a miséria não são fenômenos naturais, mas causados pelos próprios seres humanos e suas estruturas sociais. Afinal, como ele afirmou, “Já não podemos ficar como espectadores. (...) O homem de hoje tem que criar o seu futuro.”

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2008 - Página 29550