Discurso durante a 140ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação de tristeza pelo pronunciamento do Presidente do IPHAN, sobre o patrimônio arquitetônico e histórico da cidade de São Luis, Maranhão, que corre o risco de perder o título de Patrimônio da Humanidade.

Autor
Epitácio Cafeteira (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/MA)
Nome completo: Epitácio Cafeteira Afonso Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Manifestação de tristeza pelo pronunciamento do Presidente do IPHAN, sobre o patrimônio arquitetônico e histórico da cidade de São Luis, Maranhão, que corre o risco de perder o título de Patrimônio da Humanidade.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2008 - Página 29557
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • FRUSTRAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, PRESIDENTE, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN), DESTRUIÇÃO, PATRIMONIO, TRANSFORMAÇÃO, MUNICIPIO, SÃO LUIS (MA), ESTADO DO MARANHÃO (MA), POSSIBILIDADE, PERDA, TITULO, PATRIMONIO HISTORICO, CONCESSÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), NECESSIDADE, RECUPERAÇÃO, MONUMENTO NACIONAL.
  • COMENTARIO, GESTÃO, ORADOR, GOVERNADOR, ESTADO DO MARANHÃO (MA), EMPENHO, URGENCIA, RESTAURAÇÃO, PRESERVAÇÃO, PATRIMONIO HISTORICO, CRIAÇÃO, PROJETO, RECUPERAÇÃO, MONUMENTO NACIONAL, CAPITAL DE ESTADO, LEITURA, TEXTO, PREAMBULO, LIVRO, CONFIRMAÇÃO, SITUAÇÃO, PATRIMONIO, MUNDO.

            O SR. EPITÁCIO CAFETEIRA (PTB - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, deparei-me, com tristeza, com uma notícia recente sobre a Capital do meu Estado, Maranhão. Trata-se do pronunciamento do Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Luiz Fernando de Almeida, que visitou o acervo de casarões antigos de São Luís e que atestou, além de sua degradação, a transformação de cinqüenta deles em estacionamentos públicos. Diante dessa situação, Sr. Presidente - pasmem, Srªs e Srs. Senadores! -, a Capital maranhense corre o risco de perder o título de Patrimônio Histórico da Humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

            É lamentável e muito grave esse processo de descaracterização do Centro Histórico de São Luís, reconhecidamente o mais homogêneo conjunto arquitetônico de origem portuguesa na América Latina. É um verdadeiro atentado à História e à própria identidade do povo maranhense, que tem com aquela cidade uma relação de amor e de muito orgulho.

            Não quero, Sr. Presidente, culpar o Presidente do Instituto Histórico. Ele está no papel dele, vistoriando. O Maranhão é que deixou de cuidar do patrimônio histórico da cidade de São Luís.

            Quando assumi o Governo do Estado do Maranhão, em 1987, além das preocupações com a administração, com a economia, com a infra-estrutura, entre muitas outras questões importantíssimas, eu estava consciente da necessidade mais urgente de recuperar o patrimônio arquitetônico de São Luís, sob pena de presenciar a deterioração galopante de um patrimônio cultural inestimável não só para os maranhenses, mas de um casario antigo que testemunha a história deste País. Cioso da responsabilidade de preservar nossas heranças culturais, idealizei a restauração do Centro Histórico de São Luís nas imediações da Praia Grande, o núcleo original da cidade datado do séc. XVII. Minha intenção foi concretizada pelo Projeto Reviver, que abrangia obras em 10 hectares de área urbana, com praças, com monumentos e com imóveis construídos em séculos passados.

            Não foi tarefa fácil, Srªs e Srs. Senadores. Além dos investimentos, prioritariamente estaduais, equivalentes a milhões de dólares, foi preciso superar inúmeros desafios, a começar pela dificuldade de reinstalar um ambiente antigo numa infra-estrutura urbana complexa, fruto do crescimento desordenado tão característico das nossas cidades.

            Redes de água, de esgoto e de drenagem foram refeitas. As galerias subterrâneas, magnífica engenharia hidráulica de tempos passados, redescobertas durante as prospecções da área, foram desobstruídas e reparadas. A iluminação pública e o sistema de telefonia, verdadeiro emaranhado de cabos e fios que, além de esteticamente incômodo, representava constante perigo, foram substituídos por cabos subterrâneos especiais, devolvendo-se o visual de antes, com a instalação de réplicas dos postes de ferro e lampiões coloniais. Pedra por pedra, as ruas de paralelepípedos foram totalmente recuperadas, assim como as calçadas de cantaria, paredes e telhas. Todas as praças foram restauradas e arborizadas conforme fotografias do século XIX, e o trânsito de veículos, inexistente no passado, ficou proibido, devolvendo-se aos cidadãos a liberdade de circulação em ruas que retomaram suas dimensões e características originais.

            Do Reviver, guardo não só a sensação do dever cumprido, com uma administração voltada ao bem-estar da população; guardo também o sentimento de gratidão a todos que compartilharam do meu sonho de reviver um passado glorioso e fervilhante, em especial ao exército de operários de todos os ofícios que, anonimamente, ajudou a concretizá-lo.

            Todos sabem que sou paraibano de nascimento. O Maranhão e seu povo, no entanto, acolheram-me como se maranhense fosse. Lá, obtive estima e respeito, a ponto de os maranhenses me escolherem como seu representante em oito eleições. O Projeto Reviver foi minha prova de amor e de gratidão a São Luís e a todos aqueles que em mim depositaram sua confiança.

            Quando as obras do Reviver foram concluídas, publiquei, numa edição ilustrada e bilíngüe, um livro que serviu de referência para a confirmação de São Luís como patrimônio da humanidade. Na apresentação, pude expressar o que sentia ao determinar a recuperação do patrimônio arquitetônico daquela Capital. O texto, que aqui gostaria de transcrever, dizia o seguinte:

Muitos pensam e por isso afirmam haver eu conquistado São Luís e o Maranhão. A realidade é o inverso: não fui eu quem conquistou esta cidade e este Estado, eu é que fui por ambos conquistado. Não fui eu quem prendeu, eu é que sou a presa. Tudo o que fiz ou venha a fazer terá de ser visto em razão do fato de me haver rendido aos encantos desta cidade e do seu povo e às possibilidades deste Estado. Chegado aqui, logo a cidade me considerou filho e me batizou CAFETEIRA; logo o povo me chamou irmão, e eu me senti escravo.

Misture-me ao povo e me tornei um dos seus. Tentei - e consegui - ser tão maranhense quanto o mais maranhense. Na terra dos poetas, faltava-me, todavia, a habilidade de fazer o verso e arrumar as rimas. E mais amava São Luís. A vontade de criar um poema ainda impossível agigantava a minha angústia. A cidade fora pródiga comigo. Dera-me tudo e ainda soubera criar os poemas Isabel e Janaína, que logo decorei para recitá-los na felicidade de meus dias e repeti-los na dureza dos combates, para deles retirar as forças necessárias às vitórias.

Veio, enfim, o Projeto Reviver e, através dele, vislumbrei a possibilidade de escrever e oferecer a São Luís e ao Maranhão os poemas que ainda não havia escrito. E olhei a Praia Grande como quem olha a página em branco. Busquei no amor que em mim sobrava o poema que a inspiração me negava. E fiz reconstruir casa por casa, praça por praça, calçada por calçada, grade por grade, com o cuidado e o esmero com que o poeta cria sua poesia. O Reviver, Sr. Presidente, era o poema de amor que, enfim, me era possível escrever: um poema em pedra e cal. Era o meu soneto, a minha estrofe. Assim, ao verso final, pude enfim sentir, após poeta, o maranhense que sempre quis ser. Rimei amor com labor, saudade com cidade e fiz um poema ao qual intitulei Reviver.

Dedico-o ao povo de São Luís nas pessoas de minha mulher Isabel e minha filha Janaína, que souberam compreender a minha presença mais nas obras do que junto a elas, para ser possível concluir o meu poema.

            O Projeto Reviver, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi um belo e ousado empreendimento preservacionista. Ao seu final, houve geração de empregos, atração de turistas, criação de espaços culturais e de lazer, mas, principalmente, houve a recuperação da auto-estima do maranhense, que se reencontrava com sua própria história, a história de uma cidade que foi considerada, em 1850, a quarta mais importante do Império brasileiro e que foi palco de acontecimentos marcantes na construção do que hoje entendemos por democracia e por Nação brasileira.

            O Centro Histórico de São Luís preservado é a materialização de momentos importantes para a História do Brasil. Sr. Presidente, no projeto Reviver, já foram feitos três filmes e duas novelas. É isso que está em jogo, agora, com a ameaça de a cidade perder o título de Patrimônio da Humanidade.

            Não podemos compactuar com o desprezo pelo passado. Só podemos compreender o presente, nossa cultura e nossa identidade percebendo e preservando todos os traços de sua construção, e a arquitetura de antes tem muito a nos dizer. Ela é parte do conjunto de significados que nossos antepassados nos legaram e que contribui para entendermos nossa história e nossa inserção no mundo, definindo-nos como cidadãos brasileiros.

            Sr. Presidente, meu pronunciamento é um grito de angústia, para ver se preservamos a história do nosso Maranhão, para que este não se transforme em prédios abandonados ou usados como estacionamentos públicos. Faço esse apelo, na certeza de que as autoridades do Maranhão vão reconhecer que meu pronunciamento nada tem de pessoal, mas é tão-somente a palavra daquele que fez um poema em pedra e cal e que, agora, está reclamando para que não rasguem esse poema e não deixem de ter São Luís como Patrimônio Cultural da Humanidade.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2008 - Página 29557