Discurso durante a 140ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação pelo veto presidencial ao inciso IV da Lei 8.666/93.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • Manifestação pelo veto presidencial ao inciso IV da Lei 8.666/93.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2008 - Página 29716
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • CRITICA, VETO PARCIAL, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, REGIÃO AMAZONICA, RETIRADA, EXIGENCIA, ZONEAMENTO ECOLOGICO-ECONOMICO, PRE REQUISITO, REGULARIZAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, COMENTARIO, RETROCESSÃO, COMPARAÇÃO, DEBATE, TRAMITAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CONTRADIÇÃO, DECRETO FEDERAL, AUTONOMIA, ESTADOS, INCENTIVO, ZONEAMENTO.
  • FRUSTRAÇÃO, REJEIÇÃO, EMENDA, AUTORIA, ORADOR, IMPEDIMENTO, REGULAMENTAÇÃO, TERRA PUBLICA, COMBATE, GRILAGEM, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PRESERVAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA.
  • QUESTIONAMENTO, INFERIORIDADE, ESTADOS, REGIÃO AMAZONICA, CONCLUSÃO, ZONEAMENTO ECOLOGICO-ECONOMICO, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DE RONDONIA (RO), CONTRIBUIÇÃO, REJEIÇÃO, EMENDA, DEMONSTRAÇÃO, PROGRESSO, ZONEAMENTO.
  • DEFESA, OBRIGATORIEDADE, ZONEAMENTO ECOLOGICO-ECONOMICO, COMBATE, DESMATAMENTO, AMPLIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

            A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiramente, quero agradecer ao amigo e companheiro Senador Paim, que fez a permuta comigo, cumprimentando também o nosso Senador Cristovam Buarque, incansável defensor da educação. Eu diria que temos aqui dois grandes símbolos da persistência: o Senador Cristovam com a educação e o Senador Suplicy com a renda mínima. Mas ambos se completam e transitam em todos os temas. É que esse, de fato, é emblemático da sua história e do seu compromisso de vida. Parabéns!

            Sr. Presidente, quero fazer aqui uma manifestação. Desculpe-me. Peço licença para falar sentada, de acordo com o Regimento Interno do Senado, pelas limitações de saúde que espero rapidamente temporárias, bem breves. Eu gostaria de trazer um assunto a esta Casa que, no meu entendimento, se constitui em motivo de preocupação da maior parte dos brasileiros e dos diferentes setores da sociedade brasileira que têm compromisso com o desenvolvimento sustentável, com a proteção dos ativos ambientais brasileiros e, particularmente, um dos nossos maiores ativos, que é, sem sombra de dúvida, a floresta amazônica.

            Eu quero me referir aqui ao veto estabelecido ao inciso IV da Lei nº 8666, de 21 de junho de 1993, que incluía, através do projeto de lei de conversão, a MP 422, que estabeleceu os procedimentos para regularização fundiária na Amazônia, que, no meu entendimento, se constitui no aprofundamento das contradições que nós estamos vivendo entre o nosso desejo de proteger a Amazônia por meio de algumas ações importantes e estratégicas que vêm sendo tomadas da parte do Estado, do Governo Federal, dos governos estaduais e de vários segmentos da sociedade, e os procedimentos legais que muitas vezes estão sendo aprovados nesta Casa: os marcos regulatórios.

            O veto estabelecido ao inciso IV da Lei já mencionada se constitui numa perda insofismável do avanço que havia sido conseguido, pequeno avanço adquirido durante a tramitação da MP 422 na Câmara dos Deputados, que teve a acolhida do ilustre Relator Asdrúbal Bentes, do PMDB do Estado do Pará, e foi um pedido dos Deputados do núcleo agrário daquela Casa.

            Aqui, os senhores foram testemunhas de que eu, juntamente com um grupo de 23 Srs. Senadores, procuramos convencer o nosso líder, no caso aqui, da Base do Governo, Senador Romero Jucá, a acolher uma emenda de minha autoria à referida medida provisória.

            O que propunha a emenda era uma espécie de anteparo ao que chamo de abertura indesejável, altamente preocupante, em relação à ampliação da fronteira predatória na Amazônia. Essa emenda, se tivesse sido aceita, evitaria que terras públicas ainda não destinadas na Amazônia e que ainda não fazem parte do cadastro nacional, segundo levantamento feito pelo Cadastro Nacional de Florestas Públicas realizado em 2008, não seriam passíveis de qualquer tipo de regulamentação. E, com isso, protegeríamos uma grande quantidade de áreas florestadas, não permitindo nem estimulando qualquer tipo de ocupação ilegal, qualquer tipo de grilagem.

            Só para os senhores terem uma idéia, vou repetir aqui, o Cadastro Nacional de Florestas Públicas de 2008, feito pelo Serviço Florestal Brasileiro, nos dá conhecimento de que o Brasil tem 211 milhões de hectares de florestas públicas.

            Desses 211 milhões de hectares, cerca de 94% estão na Amazônia. Desse total, 185 milhões de hectares são florestas protegidas em unidades de conservação federal e terras indígenas. Outros 25 milhões são florestas localizadas em terras sem destinação, ou seja, em áreas que não obtiveram nenhuma destinação pública ou privada e estabelecida oficialmente. E essas áreas não destinadas estão distribuídas da seguinte forma: cerca de 54% no Estado do Amazonas, ou seja, 17 milhões de hectares; 24%, seis milhões de hectares, no Estado do Pará e 19%, ou seja, 4,7 milhões de hectares em Roraima.

            Sem o acolhimento da emenda que propusemos, no sentido de que essas áreas não poderiam ser regularizadas nem poderiam ser criadas nenhum tipo de expectativa sobre elas porque são áreas de florestas públicas, patrimônio do Estado brasileiro e de toda a sociedade brasileira, toda essa área ficou altamente vulnerável à grilagem, à expansão predatória. Vinte e cinco milhões de hectares de imensa riqueza florestal que, sabemos, sem o devido cuidado que se precisa tomar em relação a elas, nós daqui a algum tempo veremos o que acontecerá com a expectativa que se cria de posse, de regularização dessas terras irregularmente ocupadas.

            Digo que há uma contradição entre o que se aprovou como marco regulatório em vários momentos como instrumentos legais pelo Governo Federal, inclusive à época da minha gestão e essa medida provisória agora transformada em lei.

            Aqui, nesta Casa, aprovamos a Lei de Gestão de Florestas Públicas; a criação do Serviço Florestal Brasileiro; a limitação administrativa temporária, que estabelece uma dominialidade do Estado, inibindo qualquer atividade econômica em áreas consideradas estratégicas para proteção da biodiversidade ou para regularização, nos termos que estabelece a lei, quando são identificadas como unidades de conservação, quer de uso sustentável, quer de proteção integral.

            No meu entendimento também, Sr. Presidente, mais uma vez quero aqui registrar, o que diz o veto do inciso IV. A conquista que tínhamos conseguido, um pequeno ganho nessa medida provisória, graças ao esforço da Câmara dos Deputados, já que aqui não foi possível, é de que só haveria regularização fundiária nos Estados em que foi feito o zoneamento ecológico-econômico. Dois Estados já concluíram o seu zoneamento ecológico-econômico: o Acre e Rondônia.

            As pessoas poderiam dizer que se apenas dois Estados concluíram o zoneamento ecológico-econômico então a medida provisória, que tem o objetivo de viabilizar o problema da regularização fundiária, não alcançaria seu objetivo já que esse dois Estados representam apenas cerca de 7% da Amazônia.

            Se formos verificar, seis Estados já estão em processo avançado de conclusão de seus zoneamentos ecológicos e econômicos: Pará, Mato Grosso, Roraima, Amapá, Tocantins e Amazonas. E ainda mais.

            O Presidente Lula, o ano passado, quando foi ao Estado do Pará, assinou um decreto estabelecendo mudanças na Lei de Convalidação do Zoneamento Ecológico e Econômico, que antes só poderia ser validado pelo Governo Federal, por resolução do Conama e pelas assembléias legislativas, quando fosse concluído em todo o Estado. O Presidente Lula assinou um decreto estabelecendo que ele poderia ser feito por partes, por região, exatamente para que não acontecesse o que ocorreu no Mato Grosso e no Estado de Rondônia: demorou tanto o processo que, quando terminou o zoneamento, já havia uma mudança tão significativa que foram necessários novos rearranjos, novos ajustes na peça que havia sido produzida pelos técnicos no processo de estabelecimento do zoneamento.

            Então, não há justificativa para o veto a esse inciso que condicionava o ordenamento territorial numa proporção tão grande, 1.500 hectares, sem licitação, na Amazônia, sem a exceção de que as terras florestadas e florestas públicas não deveriam fazer parte das áreas possivelmente regularizadas. Não cabe a justificativa de que isso iria dificultar o ordenamento territorial e fundiário, porque o que se estava fazendo aqui era um processo de, primeiro, reconhecer os que fizeram o dever de casa e estimular os que ainda não o fizeram para concluir os seus processos.

            Neste caso, se está apostando na inércia; neste caso, se está premiando exatamente aqueles que ainda não concluíram, em prejuízo daqueles que fizeram todo esforço - que não é de pequena monta - para ter o zoneamento ecológico e econômico e, com ele, se delimitarem as áreas de que se poderá fazer uso intensivo; quais são as áreas em que não se pode nem se deve ter qualquer atividade econômica, porque elas devem ser regularizadas, destinadas como uma unidade de proteção integral; e quais são aquelas áreas que você pode estabelecer para uso sustentável, sobretudo no que concerne às florestas nacionais ou às áreas que podem ser licitadas para o manejo florestal sustentável, como prevê a Lei de Gestão de Florestas Públicas. Eu lamento profundamente que essa medida provisória tenha sido aprovada; lamento profundamente que a emenda não tenha sido acolhida, e lamento profundamente que tenhamos tido veto no único inciso que estabelecia alguma vantagem para proteção, uso sustentável e combate a grilagem.

            De sorte, Sr. Presidente e Srs. Senadores, que eu devo dizer que essas contradições e essas ambigüidades não favorecem os esforços legítimos que o Presidente Lula vem fazendo no que concerne a medidas como a resolução do Conselho Monetário que veda o crédito para quem desmata ilegalmente; a moratória para os 36 Municípios que mais desmatam; a criminalização daqueles que produzem ou que comercializam produtos de áreas ilegalmente desmatadas. Todo o esforço do plano de combate ao desmatamento, no que concerne à agenda de ordenamento territorial e fundiário, foi responsável pela Portaria nº 10 do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Incra, e inibiu cerca de 66 mil propriedades ilegais de grilagem na Amazônia.

            É uma contradição. Por que essa contradição? Em vez de generalizarmos os acertos, pegamos os paradigmas errados para generalizá-los; os Estados que fizeram o zoneamento ecológico e econômico que podem destinar, com alguma segurança, as áreas de acordo com o planejamento feito sobre o seu território não foram considerados para alavancar o ordenamento territorial e fundiário. Agora, os Estados que não o fizeram viraram paradigma de como e em que bases se dará o ordenamento territorial e fundiário. Uma contradição, inclusive, com a Carta dos Governadores, no Estado do Pará, em que os próprios Governadores disseram que querem, sim, o ordenamento territorial e fundiário, que querem a regularização fundiária. Eles mesmos, na carta que assinaram, afirmaram que para se fazer a regularização fundiária seria interessante observar o zoneamento ecológico e econômico, e que este deveria ser base para a regularização fundiária. Se os Governadores assinaram uma carta dizendo que o ordenamento territorial e fundiário deve considerar o zoneamento ecológico e econômico, por que, então, o veto ao inciso IV, que estabelecia o zoneamento como precondição para a regularização fundiária?

            Eu lamento profundamente que isso tenha acontecido, Senador Paim, Sr. Presidente, demais Senadores, porque, no meu entendimento, as pessoas têm a expectativa de que terão acesso a terra “fácil”, a terra “barata”. Mas a terra não é fácil nem é barata, porque existe um custo que não está devidamente mensurado que é custo social, o custo ambiental, o custo moral e o custo econômico, porque existem muitos prejuízos para a imagem do Brasil a partir de barreiras não tarifárias, em função das perdas ambientais presentes em alguns ecossistemas, em alguns biomas, como é o caso da Amazônia.

            Então, eu não poderia deixar de manifestar aqui o meu descontentamento, a minha tristeza em relação a esse passo que eu considero um aprofundamento nessa contradição: a primeira é a própria medida provisória; a segunda é não aceitar a emenda que evitaria que terras e florestas públicas pudessem ser regularizadas se ocupadas ilegalmente, e a terceira é essa que vetou o inciso IV, que estabelecia o zoneamento ecológico e econômico como precondição para a regularização fundiária. Ou seja, um prêmio à inércia, sendo generosa, porque o que se está generalizando como paradigma é exatamente os que não fizeram o dever de casa, e desnecessariamente, porque os próprios governadores assinaram uma carta dizendo que eles queriam e querem que o zoneamento ecológico-econômico seja a base do ordenamento fundiário de seus Estados.

            Todos os Estados, Sr. Presidente, já concluindo, sem querer abusar do seu acolhimento. O Estado de Rondônia já está concluído; quanto ao Estado do Acre eu já falei; o Estado do Amazonas já tem um macrozoneamento do Estado na escala de 1:1.000.000 e estão trabalhando no detalhamento de regiões prioritárias para poder convalidar essas regiões prioritárias e ali já se poderia fazer o ordenamento territorial, a regularização fundiária; o Estado do Amapá também está em processo de zoneamento iniciado. Metade do Estado já está concluído. Portanto, pode ser validado; e, validada aquela parte, ali se faria a regularização fundiária. Em Roraima, o zoneamento está em fase de conclusão. Parece-me que o grande argumento é resolver o problema de Roraima. Ora, se já está em fase de conclusão, por que não aguardar essa conclusão e fazer algo consistente, coerente com o Plano de Combate ao Desmatamento; coerente com as áreas prioritárias para a preservação da biodiversidade; coerente com o programa Amazônia Sustentável, que está baseado em cinco eixos: o ordenamento territorial e fundiário, o combate às práticas ilegais, as tecnologias para o desenvolvimento sustentável, a inclusão social e infra-estrutura com sustentabilidade.

            Posso citar os demais, mas em todos eles, exceto o Estado do Maranhão, onde não temos esse processo tão avançado, já se iniciou o processo com base em dados, em termos de informação que são bastante significativos.

            De sorte que, Sr. Presidente, considero altamente contraditória essa postura assumida em relação às medidas tão importantes que, reconheço, corajosamente foram assumidas ao longo desses anos e vêm sendo assumidas pelo Governo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2008 - Página 29716