Discurso durante a 144ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação sobre a questão da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que será apreciada pelo STF.

Autor
Augusto Botelho (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Manifestação sobre a questão da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que será apreciada pelo STF.
Aparteantes
José Nery, Leomar Quintanilha, Marisa Serrano, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2008 - Página 30491
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, IMPETRAÇÃO, ORADOR, AÇÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REQUISIÇÃO, ANULAÇÃO, DECRETO EXECUTIVO, CONTESTAÇÃO, METODO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), MOTIVO, QUESTIONAMENTO, DADOS, LAUDO TECNICO, COMENTARIO, PROGRAMA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, INEXATIDÃO, ESTUDO, AUSENCIA, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, REGIÃO.
  • ADVERTENCIA, SUPERIORIDADE, EXTENSÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), SIMILARIDADE, DIMENSÃO, TERRITORIO, ESTADO DE SERGIPE (SE), ESCLARECIMENTOS, COMPORTAMENTO, INDIO, ALTERAÇÃO, TRADIÇÃO, PERDA, CULTURA, COMENTARIO, EXISTENCIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, UNIVERSIDADE.
  • QUESTIONAMENTO, EXCESSO, ATENÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), MANUTENÇÃO, SUPERIORIDADE, EXTENSÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ADVERTENCIA, INTERESSE, EXPLORAÇÃO, RECURSOS MINERAIS, CRITICA, ATUAÇÃO, INCENTIVO, CONFLITO.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, FAIXA DE FRONTEIRA, REGIÃO AMAZONICA, DEFESA, AUMENTO, CONTINGENTE MILITAR, PROTEÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, GENERAL DE BRIGADA, ADVERTENCIA, RISCOS, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, SUPERIORIDADE, EXTENSÃO, AREA, FRONTEIRA, APREENSÃO, ORADOR, DIFICULDADE, IMPLANTAÇÃO, BATALHÃO DE FRONTEIRA, TERRAS INDIGENAS.
  • ESCLARECIMENTOS, FALTA, OPOSIÇÃO, ORADOR, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, DEFESA, MELHORIA, ESTUDO, ATENDIMENTO, INTERESSE, POPULAÇÃO, REGIÃO, POSSIBILIDADE, AGRAVAÇÃO, ISOLAMENTO, COMUNIDADE INDIGENA, NECESSIDADE, DISCRIMINAÇÃO, TERRITORIO, DIVERSIDADE, GRUPO ETNICO, ADVERTENCIA, RISCOS, SEGURANÇA NACIONAL, EXPECTATIVA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente Efraim Morais, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, o Supremo Tribunal Federal deve se pronunciar no dia 27 de agosto a respeito da ação que iniciei sobre uma questão fundamental para o Estado de Roraima: a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol.

           Faz algum tempo que meu querido Estado vive em situação de alerta por causa dessa operação iniciada pelo Ministério da Justiça e depois paralisada pelo Supremo, de retirada dos não-índios de dentro da Raposa Serra do Sol. Essa reserva foi homologada em 2005.

           Quero deixar bem claro que nem eu e nem a maioria das pessoas de Roraima somos contra a demarcação de reservas para os índios do nosso Estado, para os índios do Brasil - direito líquido e certo para os povos indígenas de acordo com a Constituição de 1988.

           Na ação que apresentei ao STF, peço a anulação do decreto presidencial, porque o laudo antropológico apresentado para a demarcação da reserva apresenta erros graves, como mostrou o Jornal da Globo durante a série de reportagens especiais apresentadas em maio deste ano para o todo o Brasil.

           Em 2004, o Juiz Helder Girão Barreto, de Roraima, mandou realizar uma perícia no laudo antropológico e verificou que esse laudo não foi realizado da maneira correta e que, na realidade, ele não passa de uma montagem de várias peças antropológicas e jurídicas, feitas por meio do recurso “recortar e colar”.

           A demarcação da Raposa Serra do Sol exigia conhecimento prévio dos hábitos, da cultura e da ocupação da área. A Funai criou um grupo técnico para fazer o levantamento, mas esse grupo técnico, na verdade, nunca se reuniu.

           Antropólogos que nunca pisaram em Roraima, um economista que assina parte do laudo e hoje nega ter participado do grupo de trabalho, e por aí vai. Um exemplo de erro grosseiro do laudo antropológico: o nome do Sr. Maíldes Fabrício Lemos aparece na equipe que assinou o laudo como técnico agrícola. Mas, para a reportagem do Jornal da Globo, essa mesma pessoa disse que não era técnico agrícola do grupo de trabalho e sim seu motorista.

           Além de vários vícios no laudo, que podem invalidar o decreto que criou a Raposa, sou contra a maneira como foi feita essa demarcação. A população local, composta de índios e não-índios, nunca foi ouvida. Sempre defendi um plebiscito na área para saber o que os habitantes da região queriam, índios e não-índios. Por que não o plebiscito? Nunca foi feito. Desde a época da demarcação da reserva, muitos roraimenses vivem sob a ameaça de perder anos de trabalho nas terras em que suas famílias vêm trabalhando há mais de 100 anos.

           Agora, ONGs e alguns estrangeiros estão de olho, novamente, na terra que pertence ao Brasil. Os interesses não são somente pelas comunidades indígenas na região. Eu não acredito nisso. Inclusive, no último discurso do Senador Jefferson Péres, ele afirmou, pela primeira vez aqui, que acreditava nessa tão propalada internacionalização da Amazônia, de que nós vínhamos falando há muito tempo, desde que chegamos a esta Casa. Ele sempre foi relutante em afirmar isso, mas, naquela quarta-feira, ele afirmou que já estava vendo que havia alguma coisa realmente.

           Todos sabem que, nessas regiões, estão localizadas as maiores reservas de nióbio, ouro e urânio do Brasil. Agora, esses mesmos estrangeiros exigem a retirada dos brasileiros não-índios de dentro da reserva. Por quê? É preciso saber o que há por trás desse interesse em defender o direito dos nossos indígenas.

           Digo isso porque sei que são as mesmas pessoas que influenciam parte de nossos índios nas suas atitudes e palavras. Um exemplo disso foi o incentivo dado aos indígenas da região para invadir a fazenda de um arrozeiro da região de madrugada e começar a erguer casas, que resultou em um conflito sangrento. Graças a Deus, não morreu ninguém, mas foi uma coisa terrível.

           E esta era a intenção: a de gerar um conflito para pressionar e influenciar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação da reserva, como bem apontou, à época, o renomado jornalista Alexandre Garcia, da Rede Globo.

           A Raposa Serra do Sol tem quase o tamanho do Estado de Sergipe, onde vivem 1,7 milhão de pessoas. Porém, se for demarcada do jeito que está, a reserva abrigará apenas 17 mil índios, que, há quase um século, deixaram de ser nômades.

           Os índios da Raposa Serra do Sol não vivem mais se mudando. Eles constroem casas, fazem a roça, estabelecem-se, criam animais. São pessoas que vivem em comunidades. Pescam onde há peixe - há pouco peixe naquela área porque há muito lavrado - e caçam, mas a caça também é pouca, porque não existe floresta nativa naquela região. O Estado de Roraima tem quase três milhões de hectares de campos, a que chamamos lavrado.

           O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Senador Augusto Botelho, V. Exª permite um aparte a este seu amigo de Tocantins?

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Com todo prazer, Senador.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Ouço com atenção as preocupações que V. Exª traz a esta Casa, nesta tarde, com relação à demarcação das terras indígenas na região da Raposa Serra do Sol. Aliás, tem sido motivo de muita discussão, de muito debate a demarcação de terras indígenas em qualquer lugar deste País, sobretudo no Estado de V. Exª, em que as terras destinadas aos índios acabam consumindo um percentual muito elevado do território roraimense. Visitei com V. Exª pontos remotos da Amazônia, onde a presença efetiva do Estado brasileiro se faz com a presença do Exército. Aliás, louve-se a atitude do Exército brasileiro, que vem realizando, nessa sua ocupação da Amazônia, um trabalho inestimável e do qual o povo brasileiro todo deveria tomar conhecimento, dada a sua importância. O Exército está lá não só com o compromisso de proteger as nossas fronteiras, de garantir a soberania nacional, de proteger o meio ambiente, mas faz o que todo brasileiro quer, o que todos nós queremos: a integração nacional. Aliás, vimos, para nossa satisfação e alegria, que mais de 90% do efetivo militar brasileiro, nas regiões remotas da Amazônia, é constituído por índios. Constituído por índios, que fazem o seu trabalho com muito obstinação, com muita dedicação, com um amor à pátria louvável, elogiável. Eu creio - é um sentimento muito pessoal - que estamos tratando de forma equivocada essa questão dos indígenas brasileiros. Posso até compreender que há grupos deles mais isolados que não tenham se despertado pela socialização, pela convivência harmônica com os recursos tecnológicos e com os não-índios. Mas aqueles que eu conheço - no meu Estado há sete etnias - no meu Estado e em alguns outros Estados, os índios querem usar a caminhonete Mitsubishi L200; os índios querem usar o celular como meio moderno de comunicação; os índios querem acesso às condições adequadas de saúde sua e de suas famílias. Então, esse tratamento que nós dispensamos aos índios, no meu entendimento, é muito equivocado. Essa idéia de separar essa área para os índios numa forma integrada, sem que seja efetivamente atendendo às demandas localizadas das etnias diferentes, para mim também é um equívoco. Traz uma intranqüilidade muito grande ao seu Estado. As pretensões do Estado de desenvolver sua economia acabam tendo um obstáculo a mais. Então, eu compreendo, com muita propriedade, as preocupações de V. Exª. Solidarizo-me com V. Exª e espero que nós possamos, aqui, convencer os pares desta Casa a nos debruçarmos melhor sobre isso e o próprio Presidente, para que nós revejamos as questões dos índios e as demarcações de suas terras. Muito obrigado pela oportunidade de participar do debate com V.Exª.

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Muito obrigado, Senador Leomar Quintanilha. V. Exª esteve conosco, estivemos juntos em algumas unidades da Amazônia e vimos o serviço que o Exército e a Aeronáutica fazem para aquelas comunidades. O único médico e o único dentista a que eles têm acesso é o do quartel, é o da unidade militar. Quando ocorre qualquer acidente, por exemplo, um acidente ofídico, uma cobra pica um índio, ou um cidadão quebra um braço ou uma perna, quem socorre é o Exército ou a Aeronáutica. Então, nós temos que trabalhar para aumentar essas unidades militares na fronteira como eu tenho repetido em meus discursos e reuniões com autoridades.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Presidente, já terminarei.

           O tamanho da reserva, como já afirmou o General Augusto Heleno, deixa o Brasil vulnerável, principalmente porque é área de fronteira.

           Mesmo com todo o empenho do Ministro da Defesa, Nelson Jobim, é muito difícil conseguir instalar batalhões de fronteiras nesses locais sem autorização dos índios. Eu apresentei um projeto de lei em 2004, dispondo sobre a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em áreas indígenas.

           No ano passado, aloquei recursos no Orçamento para a construção de 25 Brigadas de Infantaria de Selva e 10 Unidades Militares na região da Calha Norte, modernização operacional das organizações do Exército e implantação do sistema de aviação do Exército, principalmente em Roraima.

           Lá no Uiramutã, dentro da sede do Município, bem no centro da cidade, onde já havia uma unidade menor, para se conseguir ampliar e fazer uma unidade militar melhor, demorou cinco anos. Foi preciso brigar com ONGs na Justiça para conseguir construir a unidade militar neste local.

           Minha preocupação como Parlamentar sempre foi a de acelerar a instalação de novos pelotões nas terras da Amazônia, especialmente em Roraima e nas áreas de fronteira, para defender os interesses dos brasileiros na região, mas o projeto está empacado aqui, no Congresso. A Nação não consegue chegar aonde é necessário.

           Quero frisar bem, Sr. Presidente, que eu não sou contra a Reserva Raposa Serra do Sol, assim como a maioria das pessoas de Roraima. Somos contra os exageros, que transformam metade de um Estado em reserva indígena, sem respeitar a opinião dos que lá vivem.

           O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Augusto Botelho, V. Exª me concede um aparte?

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Concedo Senador, porque eu gostaria de ouvir a sua voz, também, a sua opinião.

O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Augusto Botelho, Srs. Senadores, a demarcação das terras indígenas de Raposa Serra do Sol tem despertado muito conflito, muitas opiniões. Eu queria manifestar a V. Exª a minha opinião, como já o fiz em outra oportunidade, mesmo sabendo que nós temos convergência sobre vários temas, inclusive o tema que envolve a luta por ética na política. Já estivemos, lado a lado, combatendo por boas causas. Entretanto, nessa questão em particular, tenho a opinião de que as populações indígenas do nosso País, tal qual prevê a Constituição brasileira, têm a garantia da sua terra como algo fundamental no mundo indígena. A preservação de suas culturas, de seus rituais, de seus costumes é algo fundamental para a construção, de forma integrada, de forma objetiva e correta, dessa noção de País. Portanto, das populações indígenas deste País, que já tiveram, quando do chamado Descobrimento, cinco milhões de índios, hoje restam apenas 670 mil índios, que lutam, incansavelmente, pelo direito às suas terras como algo fundamental para a sobrevivência dessas etnias. Em Raposa Serra do Sol não é diferente. A minha visão é de que, normalmente, as terras indígenas é que têm sido invadidas pelos brancos. As populações tradicionais, as populações da Amazônia, as populações nativas, os indígenas é que são atacados violentamente nos seus diretos. Por isso, pergunta-se: “Quem chegou primeiro lá?” É claro que foram os índios. Eles é que são massacrados, perseguidos, caluniados de todas as formas, usando-se todos os instrumentos possíveis. O Presidente da República tomou a decisão de demarcar Raposa Serra do Sol, decisão esta que, hoje, é questionada pelos Prefeitos e por lideranças políticas de Roraima. Eu digo ao senhor, com toda a sinceridade...

(Interrupção do som.)

O Sr. José Nery (PSOL - PA) - (...) respeitando, evidentemente, a visão que o senhor está expressando, que trabalho e torço para que Raposa Serra do Sol seja mantida como reserva contínua, porque a sua descontinuidade territorial poderá abrir um precedente muito perigoso para as conquistas que os povos indígenas já conseguiram neste País, demarcando parte de suas terras. Muitas ainda precisam da decisão do Governo de implementar aquilo que é o sonho, a luta dos povos indígenas. De toda forma, V. Exª manifesta, democraticamente, a sua opinião. Aparteando V. Exª, eu também manifesto a minha opinião. Isso é importante, porque, em outros tempos, nem isso poderíamos fazer, tal era o grau de opressão, de vigilância, de perseguição política em nosso País. No entanto, manifesto a V. Exª que se são, hoje, apenas pouco mais de 600 mil índios, garantir-lhes a terra, como diz a Constituição brasileira, é algo fundamental, e entendo ser tarefa nossa defendê-los. Muito obrigado.

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Senador, muito obrigado pelo aparte.

           Devo reafirmar que Roraima, o povo de Roraima, a maioria das pessoas que lá vive não é contra a demarcação de terras indígenas. Porém, a forma como foi feita essa demarcação, acabando com as Vilas de Surumu, Mutum, Água Fria e Olho D’água, vai prejudicar a vida dos indígenas. São eles que dizem isso.

           Senador, eu represento aqui os meus irmãos, índios de Roraima, os meus parentes de Roraima; por isso falo de coração. Entendo de índios de Roraima, que é com quem convivo. Tenho 60 anos e há 60 anos convivo com eles, e, por isso, acho que posso falar por eles e tenho certeza de que expresso a vontade da maioria das pessoas de Roraima.

           Sr. Presidente, posso conceder um aparte ao Senador Mozarildo?

           O SR. PRESIDENTE (Efraim Morais. DEM - PB) - V. Exª terá todo o tempo necessário.

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Muito obrigado, Presidente.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Augusto Botelho, quero me somar a V. Exª; aliás, estamos juntos nessa batalha há muito tempo. V. Exª, que é do Partido dos Trabalhadores, mas nasceu em Roraima, conhece o Estado de Roraima a fundo, inclusive, como médico, atendeu aqueles índios todos e os atende até hoje, realmente, tem muita legitimidade para falar dessa questão. É bom que se tirem esses estigmas do tempo da inquisição de que somos contra índios, de que temos preconceito contra índio. Quem tem remorso pela história passada que se veja com seu remorso. No nosso caso, Roraima não pode ser acusada, principalmente nós, os políticos de lá, de estar reclamando pela demarcação de uma reserva indígena. Não! Nós temos 35 reservas demarcadas - mais da metade do território do Estado é de reserva indígena. Apenas 30% da população é indígena, e, dessa população indígena, 90% vivem nas capitais, sendo que a maioria deles não quer essa demarcação. Então, V. Exª está coberto de razão. Quero, aqui, dar esse testemunho. Inclusive, V. Exª é menos exaltado do que eu com essa questão, é mais calmo com essa questão, mas V. Exª já entrou com uma ação no Supremo contra essa demarcação, como eu também entrei. Não estamos fazendo isso contra os índios, não, porque a maioria dos índios que lá vive - é bom que o Brasil saiba que se trata da maioria dos índios, pois não estamos nem discutindo a questão dos não-índios ou dos mestiços - não quer isso. Entretanto, algumas pessoas se apossaram dessa causa indigenista e acham que são donas da verdade, colegas de Deus ou até professores de Deus. Portanto, parabéns pela posição de V. Exª.

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Muito obrigado, Senador Mozarildo.

           As indígenas que já estão aposentadas - porque os índios têm direito à aposentadoria - da aldeia Ingarikó, que não querem se misturar de jeito nenhum com outra etnias ou com não-índios, tanto que nem permite casamento interétnico, viajam dois dias a pé para chegar em Olho D’água, pegar uma condução, viajar mais dez horas de carro e chegar, ou em Pacaraima, ou em Boa Vista, para receber a sua aposentadoria e comprar os seus mantimentos. Se continuar a existir Olho D’água, elas vão viajar dois dias a pé, ainda; mas, se acabar, vão ter de viajar oito dias a pé. Não vão receber mais a aposentadoria. O que farão esses indígenas?

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há seis anos alerto, com discursos no Senado, artigos, falas, encontros com autoridades, para os problemas que aconteceram desde a demarcação da Raposa. Agora, tenho a esperança de que o STF reverta essa situação.

           Já temos mais de 46% do Estado como reservas indígenas, e nós, o conjunto dos roraimenses, nunca fomos realmente ouvidos a respeito. Para Raposa Serra do Sol, queremos que haja possibilidade, pelo menos, de uma revisão mais madura e inclusiva do que é melhor para o Estado e para o Brasil.

           Conheço muitas pessoas que vêm sendo retiradas de suas propriedades com promessas de indenizações, mas a maioria delas não recebeu mais do que R$1,5 mil. Os poucos que foram reassentados estão sofrendo com a precariedade da infra-estrutura.

           Não têm casa nem recebem recursos para fazer suas casas; não têm luz, não têm estrada e é pouco o apoio governamental, até mesmo ausente em alguns casos. Não estou falando de grandes fazendeiros, minha gente. Estou falando de gente humilde, que sofre arbitrariedades e que nunca teve como chegar aqui, em Brasília, para reclamar. Eles, às vezes, reclamam na Justiça em Boa Vista, mas a Justiça Federal é que resolve. Quando mandam o processo para Brasília, eles perdem sempre.

           Eu, com todo prazer, concedo o aparte à Senadora Marisa Serrano.

A Srª Marisa Serrano (PSDB - MS) - A Srª Marisa Serrano (PSDB - MS) - Obrigada, Senador Augusto Botelho. Esse é um assunto que preocupa V. Exª e, tenho certeza, todos os Senadores desta Casa. Preocupa-me muito, também, como Senadora pelo Mato Grosso do Sul. A segunda maior reserva de habitação indígena do País está em Mato Grosso do Sul. O maior número de índios do País está no Amazonas e, depois, no Mato Grosso do Sul. Pouca gente sabe disso. É muito maior que em Roraima, mas Mato Grosso do Sul é um Estado onde há poucas matas e tem uma área que é patrimônio da humanidade, chamada Pantanal. V. Exª imagine que, agora, na demarcação pelas portarias que a Funai lançou no mês passado, pretende-se criar uma nova reserva indígena em cima de mais de 3,7 milhões de hectares. Se em Roraima, como V. Exª sabe, são 1,7 milhão de hectares, no nosso Estado são 3,7 milhões, portanto, mais do que o dobro do que V. Exª mencionoou sobre Roraima. Além disso, trata-se de uma área totalmente cultivada, impactando 26 Municípios, na região mais rica do Estado, na região que tem o maior número de cabeças de gado. Temos o segundo maior rebanho do País e somos um dos maiores produtores de grãos do País; enfim, nessa região está 70% de tudo aquilo que cultivamos em soja, trigo, milho, mandioca e assim por diante. Mas o que quero dizer a V. Exª é que, às vezes, passam a idéia de que somos contra os índios. E não é nada disso! Quero que os índios de Mato Grosso do Sul tenham uma vida melhor - e têm que ter. O que não pode é continuar do jeito que está, inclusive com jovens se enforcando, se suicidando, crianças pequenas morrendo de inanição - e isso foi amplamente falado aqui o ano passado -, a bebida alcoólica é algo comum, que grassa no meio dos índios, pois vemos uma quantidade enorme de índios bêbados, caídos à beira das rodovias; faltam-lhes saúde, educação, transporte, perspectiva, futuro, esperança. Queremos que os índios tenham a oportunidade de ter o mesmo que os nossos filhos têm - já falei isso aqui. Portanto, quero parabenizá-lo, e dizer que ninguém aqui é contra índio. Perguntaram-me: “Estão querendo dizimar os índios?” É justamente o contrário. Se continuar do jeito que está, é que serão dizimados. Não é separando os índios em guetos; não é dando-lhes uma terra que eles não tenham condições de cultivar e plantar. Então, temos de achar outro modo de atender os nossos índios. Refiro-me aos índios aculturados; não falo dos Ianomâmi lá do interior do Amazonas, que têm de ter outro tratamento; refiro-me, sim, a índios como os da sua terra e dos de Mato Grosso do Sul. Portanto, quero, aqui, parabenizá-lo pelas palavras, e dizer que somos a favor dos índios, a favor de garantir-lhes a continuidade e a perenidade de sua existência, que somos a favor de eles manterem suas tradições e sua cultura, mas, evidentemente, em conformidade com uma política razoável e racional. Isto, o que o povo brasileiro espera que a Funai e este Governo tenham. Meus parabéns!

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Muito obrigado, Senadora.

           Realmente, lá em Roraima, temos quase 300 índios na universidade, e alguns deles até já se formaram.

           Penso que foi algum antropólogo que entendeu que essas áreas grandes seriam boas para os índios. Mas não são, pois eles ficam mais isolados ainda e sofrem mais. Então, o dinheiro que se gasta com indenizações - indenizações geralmente por benfeitorias -, se fosse investido diretamente na comunidade indígena, para que o índio conseguisse comprar um trator para trabalhar a terra dele, seria muito melhor. Mas há antropólogo que acha que índio não pode ter trator. Lá em Roraima, os nossos indígenas querem trator, querem Mitsubishi - como os de Tocantins -, querem luz elétrica, querem água encanada, querem escola - e há escolas de 2º Grau em muitas aldeias. Das 400 escolas do meu Estado, 200 estão em área indígena.

           O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Augusto Botelho, existe até 3º Grau na Comunidade Raposa Serra do Sol.

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Desculpe-me, havia me esquecido desse detalhe: temos uma unidade da Universidade Estadual de Roraima em Raposa.

           As ONGs são assim: elas fazem aquela confusão, expulsam todo mundo, mas, aí, quando homologam a terra, largam o índio lá à própria sorte.

           Por isso, me sinto mal quando vejo crianças morrerem de fome aqui, no Sul, em Mato Grosso - digo “sul” porque, de Roraima para cá, o resto do Brasil está todo no Sul. É algo que me causa mal-estar. Eu sou médico, trabalho há mais de 33 anos com os indígenas - o meu pai foi médico por 30 anos; trabalhando desde 1944 como médico dos indígenas - e tenho parentes indígena: minha tetravó era índia.

           Incomoda-me esse negócio de crianças morrerem de fome logo ali do nosso lado, bem perto, local em que, tenho certeza, as áreas indígenas são acessíveis de carro. Não são como as nossas, por exemplo, a dos Ianomâmis, em que só se chega de avião, e não é todos os dias, porque, quando está chovendo e o tempo está fechado, o avião não entra. Mas aqui, não há justificativa para crianças morrerem de fome.

           Vou concluir o meu discurso, Sr. Presidente.

           Sabemos que a demarcação da Raposa Serra do Sol, como foi feita, vai prejudicar a segurança nacional e os próprios índios, pois muitos deles não irão se conformar com a nova situação. E migrarão para onde? Para a periferia de Boa Vista, nossa maior cidade.

           Além disso, com toda a certeza, acontecerão conflitos entre os grupos. Nessa área de Raposa Serra do Sol, há cinco etnias diferentes, com costumes diferentes, línguas diferentes, hábitos diferentes, misturados numa só área. Não foi definido onde é a área dos Ingarikós, dos Macuxis, onde é Contão, onde é Raposa; não foi definido assim. Fizeram uma reserva só. Para os antropólogos é bom que haja conflito porque eles vão ter objeto de estudo, mas, para os meus irmãos indígenas, isso não é bom.

           O conflito que ora vivemos em Roraima é o desfecho de uma série de medidas que não respeitaram os direitos das partes envolvidas na disputa da terra em regiões demarcadas para áreas indígenas no Brasil, em Roraima, como agora acontece em Raposa Serra do Sol.

           Sou contra qualquer ato de violência. Quero frisar bem isso, pois sou médico e cristão. Sou contra qualquer ato de violência, repito, e, nessa questão Raposa, tenho amigos índios e não-índios, todos lutando por uma melhor qualidade de vida. Todos têm legitimidade e direito de fazê-lo. O que eles querem, todos, é melhor qualidade de vida.

           Por isso, deposito as minhas esperanças no Supremo Tribunal Federal onde estive diversas vezes para discutir questões que envolvem a Raposa-Serra do Sol.

           Os Ministros do STF foram a Roraima, estiveram na Raposa-Serra do Sol e terão a sabedoria necessária para fazer justiça nesse caso.

           Confiamos na sua serenidade, neutralidade e compromisso com o bem coletivo e com as futuras gerações, qualidades que têm se destacado na sua história, especialmente no último julgamento do Supremo, como foi o caso das células-tronco.

           Governar, decidir, arbitrar são tarefas árduas, cheias de responsabilidade e exigem sabedoria. Nas mãos dos nossos sábios Ministros está o futuro de Roraima e, quiçá, do Brasil, pois esse é um assunto que diz respeito a todos nós.

           Nas mãos dos nossos sábios Ministros está o futuro de Roraima e de uma comunidade multiétnica, que precisa pacificar os seus conflitos; está o futuro de centenas de milhares de cidadãos e cidadãs que, juntos, a despeito das divergências e preferências, contribuem para o sentido único de Nação, que é o nosso Brasil.

           Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

           Muito obrigado pela tolerância de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2008 - Página 30491