O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fui designado, juntamente com o Senador João Pedro, para, em missão oficial do Senado Federal, acompanhar o referendo revogatório ocorrido na Bolívia, no último dia 10.

Sr. Presidente, como estava inscrito para falar logo após o Senador Marco Maciel e tendo em vista a necessidade de me ausentar rapidamente para uma audiência fora do Senado, solicito a V. Exª que considerasse como lido o discurso que escrevi em referência ao referendo revogatório, dizendo das impressões que colhemos durante a nossa estada no país-irmão vizinho, a Bolívia, entre o sábado e a última terça-feira. Então, requeiro a V. Exª que seja considerado como lido o discurso em que externamos as nossas observações sobre o que de importante ocorre na Bolívia, no atual momento político.

É o requerimento que faço a V. Exª.

Obrigado.

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR JOSÉ NERY.

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O SR. JOSE NERY (PSOL - PA Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, tive a honra de participar com outros parlamentares brasileiros e do mundo a convite da Corte Nacional Eleitoral, do processo eleitoral ocorrido na Bolívia no último dia 10, denominado de Referendo Revogatório.

O que assisti foi a culminância da decisão firme e corajosa dos dirigentes bolivianos capitaneados pelo presidente Evo Morales, de submeter as grandes decisões de seu País ao pronunciamento da vontade popular.

Nunca é demais lembrar que a Bolívia nos seus 183 anos de República, tem vivido uma história de exploração das classes indígenas, das classes sociais mais desprezadas como os operários e camponeses, por poucas famílias que se revezavam no poder e utilizavam o país em benefício próprio e de pequenos grupos, feito uma máfia.

Em pleno século XXI a iniciativa privada nas mãos desses pequenos grupos ainda tem poder suficiente para controlar preços e assim tentar desestabilizar tentativas de governo que contrariam esses interesses.

Por outro lado, são históricas as lutas de resistência das classes oprimidas e que são maioria social na Bolívia. A história desse povo está pontilhada de grandes lideranças como Angélica de Flores, Aurora de Lora, Nelly de Paniagua y Luzmila Rojas, além de Domitila Chungara, mulheres que encabeçaram a greve de fome que restabeleceu a democracia há 25 anos, durante o governo do então Coronel Hugo Bánzer Suárez (1971-1978).

As quatro mulheres iniciaram uma greve de fome, dia 28 de dezembro de 1977 e foi assim que conseguiram que o governo ditatorial do coronel Bánzer declarasse anistia aos presos políticos e aos exilados. Foi em lutas históricas, que os bolivianos construíram uma poderosa instituição social a COB - Central Operária Boliviana, onde puderam resistir em momentos tão adversos na vida desses trabalhadores.

Dessa resistência, pela primeira vez na Bolívia um indígena sobe ao poder mediante o voto popular. E por sua mão, o povo boliviano experimenta ter como Ministra da Justiça, uma mulher, índia quechua, ex-empregada doméstica, ofício que a fez conhecer de perto os abusos a que são submetidas mulheres que realizam esse trabalho na América Latina e que por essa causa aprovou nas leis da Bolívia a regulamentação dessa profissão. Falo dessas conquistas só para ficar em alguns exemplos da tradição heróica desse povo.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, o resultado do referendo que confirma por uma margem de 67% a permanência de Evo Morales na Presidência da Bolívia, reflete um sentimento de apoio dos bolivianos ao processo de mudança nas políticas estruturais porque passa o País.

Durante o processo, houve denúncias de que o voto secreto não estaria sendo preservado. Não procediam tais denúncias. O que vi foi a livre manifestação do povo boliviano. Essas denúncias ensejaram que o Chefe da Missão da OEA Eduardo Stein, em comunicado à imprensa no último dia 12, afirmasse que o Referendo, foi o processo com melhor desempenho na América Latina e negou que tenha havido irregularidades quanto ao voto secreto ou outro tipo de restrição ao sufrágio. Comentou inclusive que em casos em que o votante mostrou seu voto em algumas comunidades indígenas, tratou-se de uma tradição cultural de certas regiões com costumes próprios, principalmente na zona rural, onde o voto se decide coletivamente, ou seja, a comunidade se reúne e delibera, por isso não têm problemas de publicizar o voto.

O resultado desse processo, ao meu olhar, significa que a grande maioria da população boliviana está satisfeita com os projetos sociais que o presidente Evo tem conduzido no país nos últimos dois anos e meio de governo. A vitória em La Paz e Cochabamba reforçam a soberania popular, avançando sobre a região da chamada “meia lua”, região rica e resistente às mudanças em curso. O resultado dá condições para a construção de grandes mudanças na democracia da república bolivariana, onde os bolivianos possam ter prosperidade e paz.

O apoio popular a Evo manifesto no resultado do Referendo, parece confirmar as palavras finais de Tupac Katari , líder aymara de uma revolução democrática no séc. XVIII contra o colonialismo espanhol. Antes de ser morto e esquartejado, profetizou: “Volveré y seremos miliones” (Voltarei e seremos milhões).

Durante a audiência com presidente Evo Morales, onde pudemos conversar por 40 minutos sobre a América Latina, sobre nossa identidade regional e histórica, sobre as perspectivas históricas que sonhamos, sobre as solidariedades que podemos concretizar, tive a exata dimensão de que o resultado do referendo expressa a voz das ruas: “Evo, fica com teu povo”.

Manifesto por último, um agradecimento especial ao Presidente Evo Morales que dispensou ao parlamento brasileiro tamanha distinção ao nos receber em audiência, ao Embaixador da Bolívia no Brasil, Dr. René Maurício Dofler Ocampo e a todas as autoridades bolivianas que nos receberam tão gentilmente.

Muito obrigado.