Discurso durante a 144ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o fracasso das negociações na Rodada de Doha.

Autor
Gilberto Goellner (DEM - Democratas/MT)
Nome completo: Gilberto Flávio Goellner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Comentários sobre o fracasso das negociações na Rodada de Doha.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/2008 - Página 30525
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • CRITICA, CONDUTA, GOVERNO BRASILEIRO, REUNIÃO, MEMBROS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PAIS ESTRANGEIRO, SUIÇA, AUSENCIA, PRIORIDADE, ACORDO, CONTRATO BILATERAL, ESPECIFICAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), OBSTACULO, UNIÃO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, TENTATIVA, ENTENDIMENTO, PAIS INDUSTRIALIZADO, VIABILIDADE, REDUÇÃO, SUBSIDIOS, PRODUÇÃO AGROPECUARIA, MOTIVO, DIFERENÇA, INTERESSE ECONOMICO, PAIS ALIADO.
  • ADVERTENCIA, FALTA, CAPACIDADE TECNICA, REPRESENTANTE, GOVERNO BRASILEIRO, NEGOCIAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, PREJUIZO, CONFIANÇA, NATUREZA COMERCIAL, PAIS INDUSTRIALIZADO, BRASIL, PREVISÃO, AUMENTO, TRIBUTAÇÃO, IMPORTAÇÃO, PRODUTO AGROPECUARIO, PRODUTO NACIONAL, AGRAVAÇÃO, CONCORRENCIA DESLEAL.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO (MAPA), PREVISÃO, AUMENTO, COMERCIO, PRODUTO AGROPECUARIO, BRASIL, MOTIVO, CRESCIMENTO, NUMERO, CONSUMIDOR, MUNDO, AMPLIAÇÃO, NECESSIDADE, AQUISIÇÃO, PRODUTO ALIMENTICIO, BENEFICIO, ECONOMIA NACIONAL, SUPERIORIDADE, PRODUTOR, ALIMENTOS.

O SR. GILBERTO GOELLNER (DEM - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) -Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que trago hoje aqui é o fracasso das negociações da Rodada Doha.

Mais uma vez, o mundo inteiro assistiu pela mídia, em fins de julho último, a mais uma rodada de negociações promovida pela OMC, desta vez em Genebra, na Suíça, para que tivessem continuidade as reuniões entre os países-membros, com a finalidade de se chegar a um acordo mundial sobre subsídios agrícolas, negociações essas que se arrastaram desde 2001, quando tiveram seu início em Doha, capital do Qatar, razão por que foi denominada “Rodada Doha”, a qual, entretanto, redundou lamentavelmente num grande fracasso.

Esse final desastroso é para o Brasil, como também para o restante do mundo, uma notícia bastante desanimadora, uma vez que o comércio internacional, por mais que pareça algo muito especializado e, portanto, distante do dia-a-dia do cidadão comum, decididamente influencia, em todo o mundo, o modo de viver de todas as pessoas e, por conseguinte, também o seu bem-estar.

Em nosso próprio País, é fácil apresentar exemplos dessa influência. Basta constatar a importância adquirida, nos últimos anos, pelas exportações brasileiras no comércio nacional, com a geração de empregos formais, fato que tem afetado muitíssimo e positivamente os índices de emprego e de renda de trabalhadores rurais e urbanos no País. Conseqüentemente, devido a esse soberbo desempenho de seu comércio externo, o Brasil se beneficiou também, tendo podido acumular uma grande reserva em moeda estrangeira, o que vem hoje protegendo o País dos efeitos mais graves provocados pela atual crise econômica mundial.

Por essas razões, para que esse cenário bonançoso de abundância se mantenha e perdure, o Brasil, mais do que qualquer outra nação, ansiava por boas notícias vindas de Genebra.

Há, aqui, diversos setores produtivos notavelmente eficientes e avançados. Mas esses setores, entre os quais se destacam a agricultura e a pecuária, ambas consideradas as mais competitivas do mundo, precisam de mercado. Sem compradores, toda a eficiência empresarial que, com muito esforço e dedicação e com sólidos investimentos, foi alcançada no campo, não representará mais que um potencial de riqueza. Sem mercado, essa eficiência de pouco valerá no meio desafiador de promover, de modo mais ainda intensivo, o desenvolvimento econômico e social que todos desejamos.

Srªs e Srs. Senadores, o Brasil também ansiava pelo êxito da Rodada de Doha, porque, ao contrário da maioria das nações vizinhas da América do Sul, ele abriu mão de dar prioridade a acordos bilaterais (Mercosul). Também, ao contrário das nações da América Central e do Caribe, ele abriu mão de enfrentar o desafio da Alca e preferiu a saída fácil do veto ideológico, com que praticamente desfez todas as oportunidades de obter êxito nos debates do protocolo discutido em Genebra com relação ao continente sul-americano.

O Itamaraty, ou por soberba ou por ter uma visão muito míope sobre o negócio que estava sendo debatido, não foi capaz de absorver a sua essência e, como estratégia para debatê-lo, escolheu um único alvo: Doha. Apostou alto e perdeu.

Em que pontos de discussão, afinal de contas, baseava-se essa estratégia brasileira? Antes de mais nada, em unir as nações ditas em desenvolvimento contra os grandes países desenvolvidos do Norte - Davi contra Golias. Acontece, porém, que nossos pretensos aliados, os países mais pobres, o G-20, têm também muitos interesses conflitantes com os nossos. Queremos exportar alimentos para um mundo que tem fome, mas a China e a Índia, por exemplo, ainda em desenvolvimento como nós, querem proteger financeiramente seus pequenos produtores rurais e lhes impõem limites às importações de comida.

A China, a mesma que quer resguardar seu mercado agrícola, quer inundar-nos cada vez mais com seus produtos manufaturados de baixo custo e, por isso mesmo, de preço baixo, o que torna seu comércio externo um forte, se não invencível, competidor no mundo todo. O Brasil, por sua vez, precisa e deseja também proteger a sua indústria contra a carga de eletrodomésticos, produtos têxteis e brinquedos que nos chegam do Oriente em profusão.

Seriam estes, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a China e a Índia, nossos aliados mais convenientes e mais indicados? Foram eles, precisamente, a China e a Índia, os países que, no final das contas, decretaram a falência dessas últimas negociações de Doha em Genebra, uma vez que, com sua posição intransigente, bateram de frente com a posição sustentada pelos Estados Unidos, com quem, ao que parece, o Brasil já havia fechado acordo.

É legítimo, então, Srªs e Srs. Senadores, cobrar do nosso Ministro das Relações Exteriores a conta de haver usado nessas negociações uma estratégia canhestra, firmada demagogicamente em ideologias ultrapassadas e vencidas, que finalmente redundou fracassada.

Voltou-se à estaca zero. O Brasil precisa, é claro, de parceria com o Terceiro Mundo, porém não pode abrir mão do status que, ao longo do tempo, alcançou no seu relacionamento comercial com os países desenvolvidos.

Negociar um acordo de âmbito mundial requer um vasto conhecimento acerca do que negociar; sagacidade para sentir até onde se pode transigir ou se se deve fazê-lo; e idéia clara dos objetivos que se deseja alcançar. A esse respeito se errou tanto que é quase impossível deixar de dar razão às queixas dos setores exportadores, a exemplo da Associação de Comércio Exterior do Brasil. Seu presidente, o Sr. José Augusto de Castro, chegou a declarar recentemente que, em Genebra, “baixamos o nível de exigência” e que “o Brasil está negociando não para gerar mais comércio, mas para exibir o acordo de Doha como um troféu político”.

Ora, Sr. Presidente, essa postura do Governo brasileiro é tudo que ele não poderia se dar ao luxo de exibir. Não se senta a uma mesa de negociação para ganhar prestígio nacional ou pessoal: negocia-se, naquela rodada, para se conseguirem resultados favoráveis ao País, a fim de adequá-lo convenientemente, para que tenha acesso aos mercados compradores; para que se consiga derrubar barreiras impostas à circulação de seus produtos; e para construir relações comerciais vigorosas e perenes entre as nações de boa vontade.

Enfim, ficamos sem Dora, sem Alca e sem qualquer outro acordo bilateral significativo que tenha sido firmado no transcurso de todo o Governo Lula!

As sobretaxas impostas pelos grandes compradores às exportações brasileiras tendem a continuar em vigor, onerando, sobretudo, os produtos agropecuários. Continuarão em vigor os subsídios com os quais os países da União Européia sustentam uma atividade agrícola falida, inviável, cuja única chance de sobrevivência está no imenso e injustificado auxílio que recebem de seus governos nacionais, contra todo a lógica econômica. Continuarão absolutamente legais, pelo menos sob o ponto de vista dos acordos internacionais, os subsídios norte-americanos ao etanol, aos grãos e à pecuária; as cotas de importação dos chamados “produtos sensíveis” - ou seja, daqueles tidos, em cada país, como estratégicos; continuarão as barreiras fitossanitárias surrealistas com que diversos países travestem as inúmeras obstruções que fazem ao produto externo, a maior parte delas totalmente ilegais quanto às normas comerciais que vigem no mundo. E o Brasil é um grande país exportador também.

É realmente uma pena verificar quão pouco o Governo conseguiu avançar num tema extremamente crítico para o futuro do Brasil.

Quais serão, a partir de agora, as perspectivas para o comércio exterior brasileiro, especialmente no campo da exportação agrícola?

Não resta a menor dúvida de que, ao menos por enquanto, muito pouco se deve esperar sobre qualquer atitude no âmbito das instituições multilaterais de comércio. Doha ainda não morreu, mas vai levar tempo para que se recupere do fracasso a que foi exposta por causa da incongruência das estratégias de comércio dessa rodada de negociações, e para que possa adotar qualquer nível significativo de atividade.

No entanto, por incrível que pareça, o cenário econômico internacional traz, em contrapartida ao fracasso dessa rodada, algumas perspectivas interessantes para o campo brasileiro. A demanda mundial por alimentos tende a manter o atual ritmo de crescimento que tem valorizado de modo promissor as nossas commodities de origem animal e de grãos. O Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, tem declarado à imprensa que acredita que o próprio aumento da demanda por alimentos em nível mundial forçará os países consumidores a reverem suas políticas de importação, sob o risco de arcarem com uma escalada brutal de preços.

Nessa linha de raciocínio, o Sr. Ministro declarou - mesmo antes de haver-se decretado o encerramento das negociações, em Genebra - que “a liberalização de mercados agrícolas e a redução dos subsídios vão acontecer, inevitavelmente. Não em função de rodadas da OMC, mas por razões de mercado”.

Talvez esse seja um ponto que signifique, neste momento de más notícias, a retomada da esperança para o produtor rural brasileiro. Algo em que esse grupo de empreendedores possa se apoiar para continuar acreditando, lutando e investindo.

Afinal, se considerarmos a participação histórica da agricultura brasileira na balança comercial do País, foi com muito esforço que ela cresceu, graças aos atuais índices alcançados de aumento da produção, ao volume de suas exportações e à espantosa produtividade atingida.

Mas não seria de todo mau se, às vezes, os órgãos oficiais pudessem ajudar de modo mais concreto esse setor de ponta da nossa economia, refletindo mais, errando menos e sendo mais bem orientados, para serem capazes de buscar, antes de tudo, o resultado concreto e favorável ao País, em vez de agirem movidos pela frivolidade ideológica, pela arrogância negocista e pela vaidade de estar sob os holofotes.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/2008 - Página 30525