Discurso durante a 145ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a edição, pelo Presidente Lula, do Decreto 6.514, com o propósito de regulamentar dispositivos de leis sobre o meio ambiente.

Autor
Gilberto Goellner (DEM - Democratas/MT)
Nome completo: Gilberto Flávio Goellner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Preocupação com a edição, pelo Presidente Lula, do Decreto 6.514, com o propósito de regulamentar dispositivos de leis sobre o meio ambiente.
Aparteantes
Augusto Botelho, Jefferson Praia, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2008 - Página 30571
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, DECRETO FEDERAL, DEFINIÇÃO, MULTA, PROCESSO ADMINISTRATIVO, APURAÇÃO, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, TENTATIVA, AUMENTO, CONTROLE, DESMATAMENTO, REGISTRO, APREENSÃO, SETOR, AGROPECUARIA, ILEGALIDADE, ARBITRARIEDADE, ATUAÇÃO, ORGÃO PUBLICO, MEIO AMBIENTE, PROTESTO, AUSENCIA, ANTERIORIDADE, DEBATE, MATERIA, SOCIEDADE CIVIL, SECRETARIA DE ESTADO, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, CONTRADIÇÃO, LEGISLAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIAÇÃO, PENALIDADE, DESVIO, COMPETENCIA, EXECUTIVO, DESRESPEITO, DEMOCRACIA.
  • COBRANÇA, REGULAMENTAÇÃO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, PREVISÃO, CRISE, AGRICULTURA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, ECONOMIA FAMILIAR, CONCLAMAÇÃO, SENADOR, DEBATE, PROBLEMA, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, AUTORIA, ORADOR.

            O SR. GILBERTO GOELLNER (DEM - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Srªs e Srs. Senadores, o Presidente da República, no dia 22 de julho próximo passado, editou o Decreto nº 6.514, com o propósito de regulamentar dispositivos de leis que dispõem sobre o meio ambiente, tendo estabelecido nele também sanções administrativas e multas a quem infringir as leis e processo administrativo para a apuração das infrações.

            A edição desse decreto é uma clara reação do Governo às críticas que ele vem recebendo sobre a incompetência dos seus órgãos ambientais para deter o aumento do desmatamento e o descontrole de outras questões ambientais, conforme vem sendo anunciado.

            Entretanto, a publicação desse decreto trouxe ao setor agropecuário brasileiro uma enorme preocupação com respeito ao impacto, sob diversos aspectos seus, incluída a sua legalidade. No entender do setor agropecuário, esse decreto representa uma ação arbitrária dos órgãos ambientais brasileiros e fere os princípios do direito e da legalidade.

            Sr. Presidente, esse decreto é arbitrário porque a sua elaboração não foi oriunda de um democrático processo de discussão com os diferentes agentes envolvidos no assunto, inclusive com as secretarias de meio ambiente de todos os Estados, principalmente do bioma amazônico. Foi um ato elaborado sigilosamente, em gabinete fechado, e foi, inoportunamente, assinado pelo Presidente da República, que sempre defendeu a postura de abertura e participação e condenou atos discricionários.

            É também ilegal, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque a legislação infraconstitucional determina o que é ou não é crime e quais os tipos de penas que devem ser aplicadas em caso de descumprimento da lei. Um decreto que, pela nossa Constituição, é um ato regulatório, ou seja, destina-se a, tão-somente, determinar a maneira como vai ser aplicada a lei à qual se refere, não pode contradizer os dispositivos legais preexistentes e não pode extrapolar os limites que lhe foram estabelecidos.

            É inconstitucional também porque, entre outros senões, cria novos tipos penais, o que somente pode ser feito em consonância com os dispositivos da Constituição, a Lei Maior do País.

            Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse decreto, a pretexto de disciplinar a aplicação da lei, criou novas obrigações, instituiu penalidades antes não previstas, estabeleceu nova hipótese de exclusão de infração e determinou não apenas a forma de aplicar a legislação e seus dispositivos, mas procedeu a uma ampliação dela, uma verdadeira extensão na lei que pretendia apenas disciplinar.

            Decretos dessa espécie ofendem, indiretamente, a Constituição, sendo incompatíveis com o sistema jurídico brasileiro. O Presidente da República, ao editar esse decreto, exorbitou de suas competências definidas pela Constituição Federal.

            Concedo um aparte ao nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, do Estado de Roraima.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Goellner, V. Exª está abordando, com muita propriedade, um aspecto que já é característica deste Governo. Não satisfeito em governar, legislando mais que o Legislativo, por meio de medidas provisórias, usa também esse arbítrio, quer dizer, essa ilegalidade de decretos que, sob o pretexto, como diz V. Exª, de regulamentar uma lei, faz mais do que a lei, vai além da lei, quer dizer, cria novas regras e novos impostos, o que é um absurdo. Na verdade, isso não me causa mais surpresa no Governo Lula, porque é uma tendência mesmo, é aquela tendência ditatorial de fazer só o que o nucleozinho - que se julga, digamos assim, superior a Deus, mas tem uma visão comunistóide, contra a propriedade, contra a produção... Então, se puderem, eles vão continuar fazendo isso a três por dois. Por isso, ainda bem que o Supremo tem estado atento, e temos de estar mais atentos ainda e reagir de maneira muito forte. Com a lei que já existe, já é um absurdo o que fazem. Lá no meu Estado, por exemplo, o Ibama foi multar pequenos produtores, Senador, pequenos produtores assentados do Incra, em pequenas propriedades. E, se eles vendessem as propriedades e ainda outras coisas, não pagariam as multas. Então, é preciso que o Governo deixe dessa hipocrisia de jogar para a platéia internacional, porque nem para a nacional não é, e faça uma coisa condizente com a realidade: estimule a produção realmente dos pequenos, dos médios e dos grandes e faça com que a lei seja factível e justa.

            O SR. GILBERTO GOELLNER (DEM - MT) - Senador Mozarildo, eu lhe agradeço o aparte e diria que principalmente o seu Estado é um exemplo da situação fundiária não resolvida, assim como o Estado de Mato Grosso, e do processo de locações novas, de novas reservas indígenas. Ontem fiquei surpreso com o pronunciamento do Senador Augusto Botelho: 45,7% do território do Estado de Roraima já é reserva indígena, e poderá ser ampliada agora.

            Eu acredito que, para se fazer, então, essa conceituada, essa necessária mobilização no sentido de regularização ambiental, nós precisamos primeiramente, sim, atender à regularização fundiária.

            E, para se criarem tipos infracionais, é imprescindível que exista competência previamente estipulada em lei e que o rol das sanções criadas também tenha previsão anterior normativa. Somente se admite o oposto quando houver disposição legal genérica, podendo também tipificar infração e impor penalidade em sentido formal e material, fato jurídico esse ausente nesse ato normativo do Executivo, que é o Decreto Lei nº 6.514.

            Assim, qualquer tipo de infração prevista em norma regulamentar sem autorização legal será inconstitucional, o mesmo ocorrendo com as sanções impostas por causa dela.

            A autoridade, para conseguir que as ordens administrativas sejam executadas, não pode empregar nenhum meio coercitivo que não tenha sido determinado pelo legislador.

            Considerando que uma lei só pode ser alterada por outra lei e que, pelo princípio da hierarquia das normas jurídicas, um decreto só pode regulamentá-la, apresento uma proposta de projeto de decreto legislativo, com o objetivo, acima de tudo, de recompor a ordem jurídica que foi claramente violada.

            Trata-se, é certo, de sustar o ato normativo expedido pelo Presidente da República, o Decreto nº 6.514, com o qual o Presidente extrapola o poder que lhe é assegurado pela Constituição Federal.

            Este meu projeto de decreto legislativo tem amparo no art. 49 da Constituição brasileira, que estabelece ser da competência do Congresso Nacional “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa”.

            A edição do decreto presidencial aqui mencionado resulta de profundo desrespeito democrático à independência dos Poderes, prevista na Constituição brasileira, por ser ela um ato de usurpação da competência legislativa do Congresso Nacional.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, além desses aspectos legais mencionados, creio que a edição desse decreto presidencial levará apenas mais insegurança ao campo brasileiro. O Governo Federal, ao definir a aplicação de sanções e multas consideradas de difícil cumprimento a curto prazo, muitas vezes impagáveis, e, ao não dar condições para que os processos de regularização fundiária e ambiental ocorram, estará aprofundando a crise entre os proprietários rurais, aí incluídos, principalmente, os pequenos produtores e os que integram o segmento da agricultura familiar.

            Concedo o aparte ao nobre Senador Jefferson Praia, do Estado do Amazonas.

            O Sr. Jefferson Praia (PDT - AM) - Obrigado, Senador. A minha contribuição é muito rápida. Todos nós percebemos o quanto a questão ambiental é relevante. Daqui para frente, será sempre assim. Nós, seres humanos, temos que cuidar bem do Planeta. Agora, o que percebo é uma confusão geral. Ou seja, autoridades apressadas em querer resolver os problemas sem discuti-los, como V. Exª coloca, produtores desesperados... Todos queremos resolver os problemas com relação à questão ambiental, mas talvez a fórmula não esteja correta. Entendo também que, se deixarmos a coisa correr solta, a tendência é o problema se intensificar. Mas, pelo que percebemos, a fórmula adotada atualmente pelo Governo Federal - e aí nós temos todas as instituições que tratam desse assunto - deixa a desejar. Percebemos, por exemplo, a quantidade de madeira que ainda sai de forma ilegal do nosso País, um percentual expressivo - alguns dizem 80%, outros já dizem 90%. Então, na minha visão, nós precisamos orientar as pessoas, orientar os produtores, discutir realmente, respeitar os produtores, não estabelecer leis de cima para baixo. Não dá para alguém estabelecer uma lei sem ir à região, saber os problemas in loco. Muita gente está discutindo sobre a Amazônia sem ter pisado meia dúzia de vezes na Região Amazônica. É inadmissível isso! Tem que ir lá, tem que discutir com os produtores, tem que conhecer o ecossistema, tem que perceber tudo que envolve as questões relacionadas ao bom cuidado com o meio ambiente e à atenção aos produtores, àqueles que realmente produzem. Acredito também que isso requer uma melhor estruturação, por exemplo, dos órgãos que tratam dessa questão. Parabéns pelo tema que V. Exª aborda nesta tarde, que faz com que nós possamos refletir que a fórmula não está correta, que as multas são exorbitantes, que não vai resolver coisa nenhuma isso aí, e o foco não é, muitas vezes, com os produtores. Alguns podem estar cometendo alguns erros - isso eu não posso deixar de admitir -, mas são aqueles empreendedores que não são os corretos. Os empreendedores a quem chamo de empreendedores amazônicos, os que gostam da natureza e querem aproveitar os recursos naturais de forma sustentável, a esses temos que dar toda atenção e respeitar. Obrigado pelo aparte.

            O SR. GILBERTO GOELLNER (DEM - MT) - Senador Jefferson Praia, V. Exª, como substituto natural, suplente do saudoso Senador Jefferson Péres, defende integralmente o que já defendia o Senador Jefferson Péres, da mesma forma que eu, que substituo o saudoso Senador Jonas Pinheiro, e nós temos a missão de defender esse bioma amazônico. Devemos, possivelmente, ampliar a discussão entre os parlamentares sobre esse bioma, entre os nove Estados que o compõem. Assim como houve em Cuiabá a reunião dos nove governadores para tratar desse assunto, proponho que façamos o mesmo aqui entre os 27 Senadores que compõem esses nove Estados do bioma da Amazônia Legal, para que possamos discutir todos os problemas; problemas fundiários, problemas ambientais, problemas de reservas indígenas, problemas de infra-estrutura, a dificuldade do desenvolvimento econômico e social, o zoneamento - saber como está ocorrendo em cada Estado e em que podemos auxiliar para desenvolvê-lo mais celeremente.

            Para concluir, Sr. Presidente, além disso, esse Decreto nº 6.514 transforma os já deficientes e burocráticos órgãos públicos encarregados de cuidar das áreas fundiárias e ambientais apenas em órgãos de arrecadação, determinando que adotem atitudes mais policialescas, o que vai levar mais inquietude e crise do que solução ao campo e à floresta brasileira.

            Assim, Sr. Presidente, diante dos argumentos apresentados, em defesa do setor agropecuário e dos produtores rurais, solicito o apoio dos nobres Pares para a aprovação do projeto de decreto legislativo que ora apresento.

            Muito obrigado.

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Desejo fazer um aparte.

            O SR. GILBERTO GOELLNER (DEM - MT) - Pois não, Senador Augusto Botelho, com a permissão do Presidente.

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - É que eu gostaria de aproveitar a oportunidade em que V. Exª está trazendo esse assunto, para trazer aqui também a reclamação dos pequenos produtores de Roraima, dos produtores familiares, da agricultura familiar, também dos médios e dos grandes produtores, mas principalmente dos pequenos. Ocorre o seguinte: são editadas essas portarias desse jeito, essas leis aí, e o indivíduo que tem uma propriedade que vale, por exemplo, R$50 mil, uma pequena propriedade, recebe uma multa de R$150 mil. O pobre agricultor fica louco. Ele vai lá, fica agoniado, e dizemos: “Olhe, rapaz, fique calmo e agüente um pouco, porque um dia a justiça vai chegar.” Isso não pode. Não existe lugar no mundo em que se entenda que será dada uma multa que a pessoa não pode pagar. Primeiro, a terra dele não está legalizada. Ele está há trinta, dezoito, quinze anos na terra dele e não tem o título ainda da terra, por moleza dos órgãos do Governo, e não é só desse Governo de agora, não, mas de todos os governos que passaram, que nunca se interessaram em reservar. Quanto ao assunto da madeira ilegal, que o Praia puxou ali, é ilegal porque ninguém tem a legalidade da terra, e só se pode comercializar a madeira se a terra estiver legalizada. Um cara que vive lá há cinqüenta, vinte anos - estou falando nos casos de Roraima -, vai fazer a derrubada de dois ou três hectares para poder comer. Ele tem que fazer. Esse desmatamento zero que se fala aí vai ser difícil, porque o pobre não tem como produzir na terra se não for derrubando, queimando e plantando. O Governo agora gerou a oportunidade de oferecer R$100 mil do Pronaf para os pequenos produtores, mas creio que vai começar a haver dificuldade para quem não tiver garantia para fazer o empréstimo. Deus queira que não tenha garantia para fazer isso. Eu não sei qual é a regulamentação desses R$100 mil do Pronaf. Então, eles vão ter de derrubar a floresta. Nós precisamos parar isso. Estamos tendo trabalho. O Estado de Roraima, inclusive, agora está fazendo um projeto no qual se está destocando e implantando uma área de um hectare em cada pequena propriedade, para ver como é a agricultura mecanizada. Quanto àquelas pessoas que estão ali, o tataravô, o bisavô, o avô e o pai sempre trabalharam dessa forma: derruba, queima e planta. Ficam dois ou três anos plantando ali, depois passam para outro pedacinho, derrubam, queimam e plantam. Eles não são destruidores, porque, com o pouco recurso, a dificuldade e a pobreza, não conseguem derrubar mais do que dois ou três hectares, e o fazem para sobreviver. Eles vendem aquela madeira de forma ilegal, porque não conseguem tirar uma licença do Ibama ou autorização para vender. Autorização para o desmate às vezes conseguem, mas para vender a madeira não conseguem. Aí, vendem de forma ilegal. Ou vendem, ou queimam. Então, realmente está na hora de a gente se reunir - nós, Senadores da Amazônia e do Brasil - para achar uma solução para essas coisas. As pessoas precisam de uma solução. Fala-se em preservar, em não queimar, em não fazer isso ou aquilo, mas o que eles vão fazer? A não ser que se queira esvaziar a Amazônia toda para entregá-la de vez. Mas nós não vamos sair de lá. Somos da Amazônia, vamos viver e morrer lá; e nossos filhos vão continuar lá também.

            O SR. GILBERTO GOELLNER (DEM - MT) - Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2008 - Página 30571