Discurso durante a 151ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a proteção ao patrimônio intelectual dos países. Voto de louvor ao Centro de Formação Mandacaru, no Estado do Piauí. Registro da visita de S.Exa. à cidade de Alvorada do Gurguéia/PI. A situação da economia brasileira.

Autor
João Vicente Claudino (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PI)
Nome completo: João Vicente de Macêdo Claudino
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ECONOMIA NACIONAL.:
  • Reflexão sobre a proteção ao patrimônio intelectual dos países. Voto de louvor ao Centro de Formação Mandacaru, no Estado do Piauí. Registro da visita de S.Exa. à cidade de Alvorada do Gurguéia/PI. A situação da economia brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/2008 - Página 33998
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, POLEMICA, PROTEÇÃO, PATRIMONIO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, AMBITO INTERNACIONAL, POSTERIORIDADE, GLOBALIZAÇÃO, REGISTRO, DIFICULDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, LUTA, REDUÇÃO, PREÇO, MEDICAMENTOS, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), AMEAÇA, QUEBRA, PATENTE DE REGISTRO, LABORATORIO FARMACEUTICO, PROBLEMA, SUBSIDIOS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PRODUÇÃO, ALGODÃO.
  • DEFESA, EFICACIA, LEGISLAÇÃO, INCENTIVO, INVESTIMENTO, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO, AMPLIAÇÃO, PESQUISA, CIENCIA E TECNOLOGIA, NECESSIDADE, COMBATE, RESISTENCIA, EMPRESA, AUMENTO, SEGURANÇA, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, BRASIL.
  • NECESSIDADE, RESPEITO, PATENTE DE REGISTRO, NEGOCIAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, PROTEÇÃO, PATRIMONIO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, BRASIL, DEMONSTRAÇÃO, ESTABILIDADE, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, EMPRESA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, COMBATE, CONTRABANDO, INCENTIVO, PESQUISA, AMBITO NACIONAL, AMBITO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, CAPACIDADE, CRIATIVIDADE, BRASILEIROS, ESPECIFICAÇÃO, CRIAÇÃO, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, INDUSTRIA, COSMETICOS, DEFESA, INCENTIVO, ATRAÇÃO, PESQUISADOR, MELHORIA, CAPACIDADE PROFISSIONAL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CHINA.
  • REGISTRO, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, SAUDAÇÃO, INSTITUIÇÃO ASSISTENCIAL, ESTADO DO PIAUI (PI), ELOGIO, ATUAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, MUNICIPIO, ALVORADA DO GURGUEIA (PI), ESTADO DO PIAUI (PI), PROJETO, IRRIGAÇÃO, REVIGORAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RIO, TRABALHO, DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS (DNOCS).
  • ANALISE, ECONOMIA NACIONAL, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, ESTABILIDADE, MODELO ECONOMICO, VIABILIDADE, CONSOLIDAÇÃO, BRASIL, MERCADO INTERNACIONAL, DEFESA, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, COMBATE, INFLAÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, REDUÇÃO, IMPOSTOS, COMERCIO EXTERIOR, INCENTIVO, IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO, CRITICA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA E DO COMERCIO EXTERIOR (MDIC), AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, COMERCIO, AMBITO INTERNACIONAL, COMPARAÇÃO, PREÇO, PRODUTO IMPORTADO, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, ARGENTINA.
  • REGISTRO, CRISE, NATUREZA ECONOMICA, AMBITO INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CHINA, ELOGIO, GOVERNO BRASILEIRO, PROTEÇÃO, ECONOMIA, BRASIL.

O SR. JOÃO VICENTE CLAUDINO (PTB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das mais ferozes batalhas que se travam no mundo economicamente globalizado de hoje é a da proteção ao patrimônio intelectual dos países. Nesse campo, o Brasil tem encontrado extrema dificuldade para se situar na comunidade internacional de modo coerente e produtivo para seus próprios interesses.

Todos assistimos à querela dos medicamentos de combate ao vírus da Aids e às ameaças do então Ministro José Serra de quebrar as patentes dos laboratórios que resistiam a baixar os estratosféricos preços cobrados pelos remédios. A firme posição brasileira, à época, surtiu efeito, e conseguimos a redução de quase 70% nos preços pagos pelos medicamentos, mantida a proteção à propriedade industrial.

Recentemente, vimos disputa semelhante na questão dos subsídios norte-americanos à produção de algodão e a ameaça brasileira de retaliar com a suspensão dos direitos de patentes de empresas estadunidenses em território Brasileiro.

Na verdade, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil vive um dilema entre sua política interna de fomento à inovação e, portanto, à criação de produtos patenteáveis, e sua política externa de reticência quanto ao regime internacional de propriedade intelectual. É, de fato, uma situação complexa na qual o Brasil terá de encontrar um ponto de equilíbrio entre seus interesses de desenvolvimento interno e suas relações comerciais internacionais.

No que tange à política interna, estamos munidos de legislação considerada adequada para incentivar o investimento público e privado em ciência, em tecnologia e em inovação. Todavia, a resposta, em termos de crescimento desses recursos, tem sido módica. Segundo dados recentes, entre 1998 e 2005, houve o incremento de apenas 2,1% no número de empresas envolvidas em processos de inovação no Brasil, sendo que a quase totalidade desse percentual ocorreu entre 1998 e 2000. Sr. Presidente, é muito pouco para um País que almeja alcançar o patamar de Primeiro Mundo. A geração de riqueza, hoje, está focada nos produtos de alto valor intelectual agregado. O Brasil de hoje exporta, sobretudo, commodities, cuja agregação de valor é muito baixa.

No que tange à política externa, temos vivido um verdadeiro jogo de balança que não nos tem sido particularmente benéfico, haja vista a resistência das empresas internacionais em aumentar seus investimentos em inovação no território brasileiro. A voz corrente é a de que o Brasil não é um país seguro para a proteção à propriedade industrial, o que não nos favorece de modo algum.

O que fazer, então? Diversas atitudes podem e devem ser tomadas. A primeira delas é respeitar e fazer respeitar patentes que sejam legitimamente obtidas dentro dos parâmetros do Direito Internacional de Proteção à Propriedade Intelectual. A segunda é fazer saber a todos que o Brasil respeita o Direito Internacional, mas não se tornará prisioneiro de chantagens, como a tentada pelos grandes laboratórios multinacionais no caso de coquetéis antiaids. A terceira atitude é criar incentivos eficazes e efetivos para as empresas e as instituições que se dediquem à inovação no Brasil, principalmente aquelas que dêem destaque e prioridade aos recursos genéticos brasileiros, frutos de nossa enorme biodiversidade. Esse é um campo em que o Brasil tem um diferencial qualitativo extremamente favorável em relação a qualquer outro país do mundo. A quarta, não a última, é negociar nos fóruns internacionais o estabelecimento de acordos comerciais que protejam o patrimônio brasileiro, sem prejudicar a possibilidade de investimento internacional no desenvolvimento inovador no País. O acolhimento de empresas que desejem investir em desenvolvimento de ciência e de tecnologia no Brasil não deve ter qualquer caráter xenófobo ou discriminatório. A condição necessária e suficiente é que os ganhos possam beneficiar e ser repartidos com a Nação brasileira no caso de investimentos estrangeiros.

Essas são apenas algumas medidas que o Brasil poderia adotar no sentido de sinalizar à comunidade internacional nosso respeito às normas jurídicas vigentes entre os países, mas também de deixar evidente nosso compromisso maior com a defesa do patrimônio nacional e com o desenvolvimento do povo brasileiro.

Não adianta criar barreiras ao registro de patentes se tal atitude corresponder à paralisia das pesquisas e do desenvolvimento de novos produtos no Brasil ou ao bloqueio do aperfeiçoamento dos já existentes. Tal situação só fará nos manter dependentes da produção e inovação externas, impedindo o avanço científico e tecnológico brasileiro.

A Lei de Propriedade Intelectual - Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 -, a Lei da Inovação - Lei nº 10.973, de 2 dezembro de 2004 - e a Lei do Bem - Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005 - formam um quadro legal muito bem definido, dentro do qual o Brasil pode e deve praticar uma política de proteção à propriedade e incentivo à produção inovadora que consulte os interesses nacionais de maior relevância.

A atual política de combate aos produtos piratas serve também como forte sinalizador aos nossos parceiros e potenciais investidores de que o Brasil respeita e fará respeitar as patentes dos produtos comercializados ou desenvolvidos dentro do País.

Sr. Presidente, o que não podemos é “dar uma no cravo e outra na ferradura”, como diz o dito popular. Precisamos de um fio condutor de nossa política de desenvolvimento e inovação tecnológica que sirva de motivação para o investimento privado em larga escala, como está a exigir o mundo globalizado e em rápida progressão em que vivemos.

É evidente que precisamos fixar, nas relações com o estrangeiro, bases harmônicas, como as que fixamos dentro do País. Ou seja, respeitados os princípios de soberania e a legislação da Nação brasileira, todos os que desejarem participar do processo de inovação serão bem acolhidos em suas atividades dentro do Brasil. Do mesmo modo, o Brasil respeitará as normas e os regimes de proteção à propriedade intelectual que não firam os direitos dos povos.

A capacidade de inovar do nosso País é, do ponto de vista dos recursos humanos, tão boa como a de qualquer outro país de Primeiro Mundo. Onde pecamos é na falta de capital e de recursos materiais para pesquisa e desenvolvimento. Por isso, não devemos pretender, pelo menos no curto prazo, competir com os grandes centros no desenvolvimento inovador completo e radical. Podemos nos colocar, pelo menos, como passe inicial e consolidador, no nicho da participação com inovações parciais, que façam parte do todo. Isso nos permitirá fincar posição no mercado de criação e patente mundial e nos dará tempo para, em ritmo acelerado, estruturar nosso mercado interno de criação e de inovação.

Sr. Presidente, a indústria brasileira viveu, durante décadas, da importação de tecnologia internacional. Hoje, já podemos almejar apresentar nossa própria criação, como é o caso da tecnologia de álcool combustível e dos carros flex-fuel. A indústria farmacêutica e de cosméticos também se firma nacional e internacionalmente. Inversamente, somos ainda quase totalmente dependentes dos insumos na área de fertilizantes agrícolas.

O Brasil, como grande nação da América do Sul, pode servir de pólo atrativo para inteligências e capital inovador. Não nos esqueçamos do exemplo dos Estados Unidos da América, que, no final do século XIX e começo do século XX, importaram maciçamente mão-de-obra de alto valor agregado para suas universidades e centros de pesquisa. O salto qualitativo da indústria americana foi muitas vezes compensador em relação ao investimento feito por aquele país.

Assim devemos proceder, na escala da capacidade brasileira, mas com firmeza e continuidade nas políticas de incentivo, de modo a que possamos rapidamente galgar posições, como o fizeram os Tigres Asiáticos em passado recente. O caso particular e espetacular da China é emblemático quanto ao poder que as políticas de Estado possuem em favor do processo de desenvolvimento de um país.

Um exemplo do momento de decisão que vivemos é a indústria farmacêutica. Ela pode estagnar na produção de genéricos ou, a partir dessa base, reforçar sua capacidade inovadora, ampliar seu âmbito de atuação e agregar valor privado e social a seus produtos.

Restringir a concessão de patentes a inovações incrementais e proteger apenas a inovação radical apontam para a reconstrução da indústria baseada na cópia, o que, na prática, limita o principal espaço de articulação global no setor farmacêutico: sua integração no processo coletivo do desenvolvimento criativo.

Contudo, Sr. Presidente, empresas, nacionais ou estrangeiras, só participarão desse processo, dentro do Brasil, se tiverem segurança da proteção à propriedade industrial gerada a cada passo, como ocorre nos setores dinâmicos da economia mundial.

Ilustres exemplos de empresas brasileiras mostram que esse caminho é possível e se pode generalizar por todos os setores em que o Brasil tem vocação inovadora. A Natura, empresa do ramo de cosmetologia, que já estendeu suas atividades à Europa, à Oceania e à Ásia, investiu US$33 milhões em 2005 e US$44 milhões em 2006. A Aché Laboratórios Farmacêuticos passou de US$6 milhões em investimentos em 2006 para US$20 milhões em 2007. Esses dois exemplos demonstram que, acertados os bons nichos de atuação, a inovação brasileira é viável tecnicamente e compensadora financeiramente. Só necessita de estímulo do Estado para que se amplie para todos os segmentos potenciais de nossa economia.

Srªs e Srs. Senadores, a sociedade brasileira e o Estado, como seu representante, precisam tomar a firme decisão de proteger, estimular e reforçar a capacidade criativa no País por meio de políticas e de práticas firmes de incentivo à inovação e de proteção à propriedade intelectual e industrial.

Agindo assim, o Brasil dará, sem sombra de dúvida, um enorme passo qualitativo em direção à primeira fileira das nações desenvolvidas no mundo. Os resultados quantitativos, em termos de geração de riqueza e de desenvolvimento socioeconômico, não se farão esperar por muito tempo.

Essa é uma conclamação que deve ser dada para todos os agentes econômicos dentro e fora do País.

Solicito mais dois minutos, Sr. Presidente, para fazer dois registros.

Primeiro, quero dizer que estou dando entrada em um requerimento de voto de louvor, tendo em vista a visita que fiz ao interior do Piauí, ao Centro de Formação Mandacaru, uma entidade filantrópica que promove a cidadania na realidade do nosso semi-árido, no campo sociocultural, econômico e religioso, diferente da nossa Independência, no Ceará, seja na zona rural ou urbana, colaborando para uma educação ligada à realidade, oportunizando formação às pessoas que a ela não têm acesso. Queria parabenizar sua Presidente, Maria Cândida de Jesus, e toda a sua equipe. Parabenizo o coordenador institucional José Pinheiro dos Santos e a coordenadora educacional Maria Anna Platen. Todo o trabalho desenvolvido por esse Centro de Formação é exemplo para o Brasil de um projeto que dá certo no semi-árido brasileiro.

Em segundo lugar, registro uma visita que fizemos à cidade de Alvorada do Gurguéia. Visitamos o Perímetro Irrigado do Gurguéia, onde há uma área imensa de projeto do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs), que temos de revitalizar, às margens do rio Gurguéia, no epicentro do lençol freático do Piauí. Também quero registrar o trabalho desenvolvido pelo Dnocs do Piauí, pelo Francisco Monteiro, pela Ireusa, pelo Dorian, pelo Manuel do Pedro Raimundo, Valmir Falcão, de Alvorada do Gurguéia.

Além disso, quero pedir que seja considerado como lido um pronunciamento que eu faria, avaliando o atual estágio da economia brasileira.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR JOÃO VICENTE CLAUDINO.

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            O SR. JOÃO VICENTE CLAUDINO (PTB - PI. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para o cidadão comum, e mesmo para um especialista, a situação econômica brasileira sugere algumas questões e causa certas perplexidades. Há cerca de cinco anos vivendo em um círculo virtuoso capaz de sustentar o crescimento -- mesmo que em níveis frustrantes, e de alargar o mercado interno, catapultando à classe média milhões de brasileiros, nosso modelo econômico tem merecido alentadas análises e constantes estudos. Ademais, recolhe no exterior inúmeras manifestações de apoio e apreço, traduzidas em mais investimentos no País, tanto no mercado de capitais quando na instalação de novas unidades empresariais, com a sempre sadia e promissora abertura de novos postos de trabalho.

            Essa situação econômica, Senhor Presidente, me leva a fazer algumas indagações, as quais gostaria de compartilhar com as Senhoras e os Senhores Senadores, porque resultam de uma inquietação que tenho, como homem público e cidadão brasileiro.

            Primeiramente, gostaria de saber que prodígio é esse que coloca nossa população em uma onda positiva de consumo, tornando formidáveis as precondições e os mecanismos de negócios no Brasil, e logo reforçando a arrecadação de tributos aos cofres públicos?

            Ademais, a presente situação, que aparentemente tende a se prolongar no tempo, seria fruto apenas do talento nacional para manejar as múltiplas e imponderáveis variáveis macroeconômicas, depois do duríssimo aprendizado que tivemos ao longo das décadas de 1980 e 1990, com inflação e calote? Ou simplesmente deriva da pura sorte, a fortuna de que nos falou em seus textos o admirável secretário florentino Nicolau Machiavelli? Ou será ainda decorrência de um panorama externo amplamente favorável, em que as commodities tornaram-se moeda forte nas trocas internacionais?

            Pergunto ainda: O que permite a um país como o Brasil -- que há um punhado de décadas se debatia com uma dívida externa aparentemente impagável -- mostrar plena solvência e figurar, com regularidade, nas principais publicações do mundo, como uma nação séria e próspera? Uma nação que hoje desmentiria cabalmente a suposta boutade de Charles de Gaulle.

            Nas últimas semanas, bacharel em Economia e apaixonado que sou pela matéria, andei compulsando artigos de especialistas, veiculados por alguns dos principais jornais brasileiros. Aprendi um pouco mais sobre essa área, revi e adquiri novos conceitos, ganhei instrumentos analíticos e enveredei por novas perspectivas na observação crítica de nossa economia. Li, entre outros, Sérgio Werlang e Suely Caldas. Todos eles, cada um a seu modo, iluminaram um pouco as complexas veredas de nossa macroeconomia em suas imbricações com o mundo exterior.

            Em um texto bastante esclarecedor e ponderado, Werlang, que é diretor do Banco Itaú e professor da Fundação Getúlio Vargas, discorre sobre As conseqüências da política econômica brasileira. Principia evidenciando a situação “muito especial” da economia nacional, onde prevalecem seis aspectos: dólar barato (hoje em discreta flutuação); taxa real de juros elevada (e em elevação, como dita o Copom); inflação controlada mas tendendo a superar a meta; crescimento grande dos gastos públicos; expansão da atividade econômica; e um déficit em conta corrente dito razoável (projetado em 1,2% do Produto Interno Bruto de 2008).

            Ao longo do artigo publicado no jornal Valor Econômico, o autor procura demonstrar que essa situação decorre do ambiente externo em combinação com as políticas macroeconômicas praticadas pelo País, o que me parece meridiano, embora digno de nota. É certo que ao longo dos últimos anos, o Brasil se vem consolidando com um player relevante no mercado global. Portanto, ao influenciar a economia mundial também sofre, em larga medida, as conseqüências dos avatares e transformações que essa mesma economia engendra e, ocasionalmente, enfrenta.

            Ao comentar o artigo de Werlang, vou concentrar-me em suas apreciações sobre a inflação, tema que preocupa autoridades e sociedade, pelo impacto imediato que tem sobre a qualidade de vida de toda a população, embora indicadores mais recentes antecipem um recuo na disparada dos preços ao consumidor. O executivo do Itaú acredita que só há uma alternativa para manter a inflação em baixa, na medida em que é impossível controlar os preços dos alimentos no mundo, que hoje exercem forte pressão inflacionária em vários países e seriam o vetor da escalada de preços na economia. Para não se elevar ainda mais a taxa de juros, e assim inibir o consumo, o caminho seria reduzir a demanda por meio de cortes nos gastos públicos. Aliás, esse é um mantra que vem sendo recitado de forma recorrente por inúmeros segmentos da oposição no Brasil e sobre o qual ainda falarei mais adiante.

            Por sua vez, a jornalista e professora Suely Caldas, em texto publicado no início de agosto no jornal O Estado de S. Paulo, reclama medidas para efetivamente destravar o comércio exterior que, como se sabe, padece de emperramentos crônicos. Objetivamente, os óbices atuais à intensificação nas trocas com o exterior implicam prejuízos sensíveis e inexplicáveis ao País e aos seus cidadãos.

            Caldas alerta para problemas que se vêm precipitando desde o final do ano passado: o ritmo forte e rápido da deterioração das contas externas, aliado ao fato de que as exportações crescem em valor, mas caem em quantidade. Como relata, a receita das exportações sobe graças à elevação dos preços externos, em média 25%, mas o volume exportado caiu 2%, podendo evidenciar que, ao fim e ao cabo, o País passou a exportar menos. Levantamento realizado pela Funcex -- Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior -- mostra que, considerados apenas os 24 principais setores da economia, os preços dos produtos subiram em média 22,1% e o volume exportado caiu quase 7%. Em 16 desses setores, a quantidade exportada teria desabado.

            Diante desse quadro, o Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, merece fortes críticas da articulista, especialmente ao anunciar nova estratégia nacional de exportações, que consistiria tão-só na eventual aplicação da recorrente idéia de reduzir a burocracia. Uma medida, aliás, sempre bem-vinda em qualquer campo de atuação do Estado, mas no caso, conforme avaliação de Suely Caldas, insuficiente para o Brasil garantir maior presença no comércio internacional.

            Cotejado o desempenho do Brasil no ranking do comércio mundial com países emergentes como a China, a Coréia e o México, nossa participação alcança pouco mais de 1% -- 1,2% para ser preciso, um percentual de fato medíocre e ridículo para uma economia que se encontra entre as 10 mais importantes do planeta. Ouvido pela colunista, Armando Castellar, especialista em comércio internacional, pondera que ampliar a presença do Brasil no comércio mundial teria reflexos na redução do custo Brasil e na carga tributária, além de suprir as falhas de infra-estrutura. Além disso, e especialmente, implicaria abertura da economia e redução dos tributos de importação, forçando, assim, aumento de competitividade e de eficiência das empresas nacionais.

            A redução da carga tributária nas importações, a propósito, é um ponto muito pouco discutido no Brasil. Do ponto de vista do cidadão, nosso País é um dos mais fechados ao ingresso de bens de consumo importados, graças aos pesadíssimos impostos que incidem sobre a importação desses produtos. Isso faz com que, no Brasil, inúmeros bens de consumo regular das classes médias, como, por exemplo, computadores, televisores e eletrônicos em geral, tenham custo final de duas a três vezes a mais em relação a seus congêneres nos Estados Unidos, e mesmo a economias vizinhas, como Chile e Argentina.

            Muitos outros aspectos ponderáveis poderiam vir à tona, neste breve e talvez superficial panorama -- graças ao rigoroso limite do tempo de intervenção nesta Tribuna. Entretanto, creio que se tem nesta linha uma idéia geral da situação e dos principais desafios que se vão impondo ao Brasil em termos econômicos.

            Força notar ainda que o quadro mundial é bem menos auspicioso do que aquele que se apresenta a nós outros, internamente. Os Estados Unidos, por exemplo, a despeito da condição de um dos grandes motores da economia mundial, vivem uma recessão, e não se dimensionou a exata extensão desse problema. Em setembro de 2006, o professor Nouriel Roubini, da Universidade de Nova Iorque, anunciava que a crise econômica norte-americana estava em plena fermentação. Entendia ele, que nos meses e anos vindouros, a América deveria enfrentar problemas inéditos no setor de habitação, um novo choque do petróleo, um forte declínio na confiança dos consumidores, tudo isso culminando com uma depressão profunda.

            Apontado com um pessimista que não utiliza modelos matemáticos em suas análises, dois anos mais tarde, de forma cabal, o estado da economia norte-americana provou ao mundo, simples e gradualmente, que o professor Roubini tinha razão. Hoje, ele recomenda que se tome em conta a real extensão do problema, que ultrapassa a questão dos subprimes. E, não tão pessimista quanto retratado por seus colegas e detratores, prevê uma recuperação técnica da economia norte-americana apenas para o final do próximo ano.

            Enquanto isso, a Europa reconhece graves e preocupantes problemas na zona do euro, com os governos em intenso diálogo para evitar uma crise que poderia atingir consideráveis proporções. Para minorar os riscos de recessão, os ministros da área econômica da União Européia estarão reunidos no final da primeira quinzena de setembro, a fim de que se discutam e se implementem medidas comunitárias capazes de contornar uma crise que se anuncia forte e grave.

            A China, este novo e formidável motor econômico do século XXI, apesar da discrição com que trata publicamente suas questões de economia doméstica, anuncia também uma desaceleração. A medida terá desdobramentos que vão repercutir, em maior ou menor escala, no grande quadro da economia mundial.

            Naturalmente, é diante de toda essa ambiência externa, adversa e volátil, que o Brasil precisa se posicionar para evitar que nossa economia se veja contaminada pelos dissabores que se anunciam ou já assolam países amigos. Acredito que a autoridade monetária brasileira vem agindo com prudência, embora muitas vezes incompreendida pela sociedade e pelos próprios empresários. Mas cautela e austeridade são ingredientes indispensáveis de uma receita adequada para enfrentar momentos sérios e críticos.

            Para encerrar, quero destacar um dado positivo de nossa economia: segundo a Fundação Getúlio Vargas, as despesas primárias do Governo Federal tiveram crescimento real de 4,4% no primeiro semestre de 2008. O número é menor do que os 5,5% estimados pelo mercado para o crescimento do Produto Interno Bruto no mesmo período, e inferior ao ritmo de 6,9%, de 9,6% e de 11,1% registrados pela expansão dos gastos primários nos primeiros semestres dos três últimos anos.

            Trata-se de um resultado extremamente positivo, que inverte tendências e contribui para melhorar os fundamentos e os indicadores de nossa economia. Esperemos que esse resultado, fruto de uma atitude de grande responsabilidade oficial, venha a se tornar uma recorrência nos próximos semestres, contribuindo assim para um melhor posicionamento do País, deixando-o menos vulnerável aos humores externos.

            Finalmente, devemos manter-nos atentos e críticos às evoluções do quadro econômico nacional, enfrentando agora continuadas quedas no mercado acionário e discretas valorizações do dólar, e também ao panorama internacional -- ambos hoje indissociáveis. Assim, as ações internas necessárias para as eventuais correções de rumo não serão postergadas e muito menos negligenciadas.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/2008 - Página 33998