Discurso durante a 148ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso dos cinco anos, em 19 de agosto, da morte do Diplomata Sérgio Vieira de Melo. Leitura de trecho do livro "O Homem Que Queria Salvar o Mundo", da jornalista norte-americana Samantha Power, uma biografia do referido Diplomata.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro do transcurso dos cinco anos, em 19 de agosto, da morte do Diplomata Sérgio Vieira de Melo. Leitura de trecho do livro "O Homem Que Queria Salvar o Mundo", da jornalista norte-americana Samantha Power, uma biografia do referido Diplomata.
Publicação
Publicação no DSF de 20/08/2008 - Página 30937
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, REPRESENTANTE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), VITIMA, ATENTADO, TERRORISTA, PERIODO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), INVASÃO, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, LEITURA, TRECHO, LIVRO, BIOGRAFIA, ELOGIO, COMPETENCIA, VIDA PUBLICA, DIPLOMATA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente Garibaldi Alves, Srs. Senadores, exatamente há cinco anos, no dia 19 de agosto de 2003, o Brasil, o Planeta Terra perdia um dos seus maiores valores e, infelizmente, de maneira trágica: Sergio Vieira de Mello.

            Vou ler aqui um pequeno trecho deste excepcional livro que acaba de ser publicado, O Homem Que Queria Salvar O Mundo, da jornalista norte-americana Samantha Power, também professora da Universidade de Harvard. É uma biografia de Sergio Vieira de Mello. A Professora Samantha se encontra no Brasil nesta semana. Tive a oportunidade de acompanhar a sua palestra na Bienal do Livro, no domingo à tarde e também ontem, na Livraria Cultura. Em ambas as ocasiões, ela estava acompanhada de Carolina Larriera, que também falou a respeito de Sérgio Vieira de Mello.

            Para se ter uma idéia da qualidade desse livro, vou ler um trecho:

Às quinze para as nove da manhã de uma terça-feira, 19 de agosto de 2003, cinco meses após a invasão do Iraque liderada pelos Estados Unidos, Sergio Vieira de Mello chegou de carro ao quartel-general das Nações Unidas em Bagdá. Mantivera-se anormalmente calado no percurso até lá, e seus guarda-costas acharam que estivesse exibindo sinais de tensão gerada por uma presença cada vez menos relevante da ONU no País e pelo colapso da situação de segurança.

Funcionário da ONU durante toda a sua vida adulta, Vieira de Mello, um brasileiro de 55 anos, acumulara bastante experiência com a frustração. Em seus 34 anos de serviço, conheceu todos os lugares que apareciam nas manchetes dos jornais: trabalhara em Bangladesh, no Sudão, no Chipre, em Moçambique, no Líbano, no Camboja, na Bósnia, em Ruanda, no Congo, no Kosovo e no Timor Leste. Falava português, inglês, francês, italiano e espanhol fluentemente e arranhava várias outras línguas. Havia sido recompensado por seus talentos com a atribuição mais difícil de sua carreira: enviado da ONU ao Iraque.

Ele era talhado para o cargo não por falar árabe - ele não falava -, mas pela enorme experiência acumulada trabalhando em locais violentos. Talvez pudesse mostrar aos norte-americanos o que fazer - e o que não fazer. Havia muito tempo deixara de acreditar que traria soluções para as desgraças de um lugar, no entanto se tornara exímio em formular perguntas que ajudavam a revelar idéias construtivas.

O trabalho sempre fora para ele um local de refúgio, e ao adentrar a base da ONU em Bagdá, no Hotel do Canal, subiu as escadas até seu escritório no terceiro andar, cumprimentando os funcionários no caminho. Passou a manhã lendo os telegramas mais recentes da sede das Nações Unidas em Nova York e respondendo aos e-mails.

No final da manhã, seus seguranças prepararam comboio para levá-lo à Zona Verde, o distrito fortificado onde os administradores da Coalizão Norte-Americana e Britânica haviam instalado sua base, nos palácios abandonados de Saddam Hussein. Tinha uma reunião marcada com L. Paul Bremer, o administrador norte-americano do Iraque, e uma delegação de legisladores norte-americanos de Washington.

Ao meio-dia, seu sedã blindado estava pronto para partir, mas naquele momento ligaram do escritório de Bremer. O vôo que trazia a delegação de congressistas norte-americanos do Kuwait para Bagdá se atrasara, e o almoço teria que ser cancelado. Ele telefonou para Carolina Larriera, sua companheira, uma economista da missão. “Escapei do almoço”, ele disse. “Vamos comer um sanduíche juntos?” Larriera respondeu que não podia porque tinha que enviar convites para uma conferência às cinco da tarde. Ele disse que estava contanto os dias - faltavam 42 - para passar um mês de férias com ela no Brasil.

Os dirigentes da ONU não esperavam desempenhar um papel político significativo no Iraque. Nos dias que antecederam a guerra, a Casa Branca desprezara as Nações Unidas, comparando-a à ineficaz Liga das Nações. O vice-presidente Dick Cheney disse que a ONU se mostrara “incapaz de lidar com a ameaça que Saddam Hussein representa, incapaz de impor suas próprias resoluções, incapaz de enfrentar o desafio com que nos defrontamos no século XXI”.

Contudo, nas semanas que se seguiram à derrubada da estátua de Saddam Hussein em Bagdá, tornara-se claro que os soldados norte-americanos precisariam de ajuda. Os ataques de homens-bomba ainda não haviam começado, mas o saque generalizado, sim; e aqueles que tão facilmente expulsaram o ditador iraquiano pareciam cada vez mais perdidos quando se tratava de administrar o legado de seu domínio. (...)

Vieira de Mello foi escolhido para encabeçar essa equipe devido à sua vasta experiência, mas igualmente, porque, poucas semanas antes da invasão norte-americana do Iraque, fizera algo que poucos dirigentes da ONU antes dele conseguiram: encantou George W. Bush. Em uma reunião no Salão Oval, Vieira de Mello criticara as políticas de detenção norte-americanas em Guantánamo e no Afeganistão e pressionara o Presidente a renunciar à tortura.

            E por aí segue:

Às três da tarde, encontrou-se com dois altos funcionários do Fundo Monetário Internacional para discutirem a pressa da Coalizão em privatizar as empresas estatais iraquianas.(...)

Logo depois [segue o livro] que o grupo ocupou seus assentos, uma explosão ensurdecedora soou e um clarão branco tomou conta do céu. Uma testemunha comparou a luz a um milhão de flashes acendendo de uma vez. As janelas se estilhaçaram, lançando milhares de lascas de vidro pelo escritório. O teto, as paredes e o chão cederam, depois desmoronaram como uma panqueca sobre os andares inferiores. As últimas palavras proferidas, um átimo antes da explosão, pertenceram a Vieira de Mello: ‘Que merda!’, ele disse, aparentemente mais por resignação do que surpresa.

Ele é como um cruzamento de James Bond com Bobby Kennedy.’ Foi assim que um colega jornalista descreveu Sergio Vieira de Mello para mim na véspera de meu primeiro encontro com ele. Era abril de 1994, eu era uma repórter novata na ex-Iugoslávia, e ele tinha a fama de ser a figura mais dinâmica e politicamente hábil da missão da ONU ali. Tínhamos amigos em comum, e ele concordou em me dar informações sobre o conflito durante uma refeição em Zagreb, a capital croata, no dia 15 daquele mês.”

            Sr. Presidente, um pouco mais adiante diz Samantha Power: 

Na década que separou a guerra da Bósnia daquela no Iraque, Vieira de Mello tornou-se uma figura global. Em 1999, a ONU passou a se dedicar também à arte de governar, e ele foi o escolhido para dirigir dois Estados minúsculos: Kosovo, aonde teve que ir após ser avisado com apenas 72 horas de antecedência, e depois a minúscula meia ilha do Timor Leste, que administrou durante dois anos e meio. O homem que praticara seu esquerdismo “ruidosamente” em 1968 agora circulava em seu traje de safári e era vítima da chacota de sua própria equipe por assumir os poderes absolutos como um “vice-rei” colonial. Após anos criticando governos, viu-se lutando para equilibrar a disciplina fiscal com a assistência social, a liberdade com a segurança, e a paz com a justiça. Aos olhos de governos poderosos, tornara-se o “apagador de incêndios” - o sujeito que enfrentava uma missão impossível após outra. Na época em que conduziu o Timor Leste à independência, em 2002, os colegas e diplomatas internacionais haviam começado a apostar quando Vieira de Mello se tornaria secretário-geral ninguém duvidada.

            Assim, Sr. Presidente, hoje as Nações Unidas estão homenageando as vítimas do atentado em Bagdá em que morreu Sergio Vieira de Mello.

            As Nações Unidas lembram, nesta terça-feira, o quinto aniversário do atentado com carro-bomba contra seu quartel-general em Bagdá que causou vinte e dois mortos, entre eles o seu representante especial, o brasileiro Sergio Vieira de Mello.

            O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, interrompeu as suas férias para assistir a cerimônia de homenagem às vitimas do dia 19/08/2003.

            A Srª Samantha Power, na sua conferência, comparou Sergio Vieira de Mello com o Senador Barack Obama, o atual candidato democrata dos Estados Unidos e expressou, Sr. Presidente, como é que ambos tinham uma coisa em comum que era não ter o receio de dialogar com as pessoas. Eles estavam livres do sentimento do medo quando esse medo significar dialogar mesmo com possíveis potenciais, pessoas que discordam inteiramente de seus pontos de vista ou que sejam adversários, se para isso é necessário dialogar para construir o entendimento, construir a paz.

            Sergio Vieira de Mello, por sua determinação, por sua assertividade, pela maneira como escolheu estudar filosofia para ser uma pessoa que iria se dedicar para a realização de justiça e construir a paz no mundo, merece toda a nossa homenagem.

            Este livro, O Homem Que Queria Salvar o Mundo, de Samantha Power, tem muito a ver com o exemplo de um brasileiro excepcional. Da mesma maneira como tantos brasileiros por vezes gostariam de ser, como disse Samatha Power, um Pelé ou, na Argentina, como observou em diálogo com Carolina Larriera, um Maradona, ela expressou que talvez, a partir do conhecimento da história de Sergio Vieira de Mello, muitos brasileiros queiram seguir o exemplo desse homem que tanto distinguiu a nossa Pátria.

            Por isso, Sr. Presidente, Senador Garibaldi Alves, é que aqui quero fazer este registro de homenagem às qualidades excepcionais de um homem de tanta coragem que, infelizmente, foi morto em sua missão de trabalho para a construção da paz no Iraque.

            Eu próprio, em 2003, tive a oportunidade de interagir com Sergio Vieira de Mello, propondo-lhe que transmitisse aos iraquianos a idéia de se construir um fundo para prover aos trinta milhões de iraquianos uma renda de cidadania, idéia que ele considerou tão adequada e passou a levar adiante pouco antes de ter sido assassinado.

            Assim, agradeço, Sr. Presidente, a oportunidade de aqui fazer esta homenagem a um dos mais brilhantes brasileiros, tragicamente morto há cinco anos, em 19 de agosto de 2003.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/08/2008 - Página 30937