Pronunciamento de João Pedro em 22/08/2008
Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Pesar pelo falecimento do líder amazonense Francisco Sávio. Expectativa sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol como área contínua.
- Autor
- João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
- Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.
POLITICA INDIGENISTA.:
- Pesar pelo falecimento do líder amazonense Francisco Sávio. Expectativa sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol como área contínua.
- Aparteantes
- Mozarildo Cavalcanti.
- Publicação
- Publicação no DSF de 23/08/2008 - Página 34110
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.
- Indexação
-
- HOMENAGEM POSTUMA, CIDADÃO, MUNICIPIO, EIRUNEPE (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM), ANTERIORIDADE, EXERCICIO, LIDERANÇA, MOVIMENTO ESTUDANTIL.
- EXPECTATIVA, POSSIBILIDADE, HOMOLOGAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), RESULTADO, DECISÃO, LIMINAR, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), COMENTARIO, IMPORTANCIA, DECISÃO JUDICIAL, GARANTIA, ESTABILIDADE, TERRITORIO, RECONHECIMENTO, CONTRIBUIÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, FORMAÇÃO, SOCIEDADE, CULTURA, BRASIL, REGISTRO, LUTA, INDIO, VITIMA, IMPUNIDADE, GENOCIDIO, INVASÃO, OCUPAÇÃO, TERRAS.
- REGISTRO, MOBILIZAÇÃO, PARTE, POPULAÇÃO, APOIO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), EXPECTATIVA, RECONHECIMENTO, OCUPAÇÃO, AREA, GRUPO INDIGENA, PROTEÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, INDIO, COMENTARIO, RISCOS, PARECER FAVORAVEL, BENEFICIO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, ARROZ, PROVOCAÇÃO, DESRESPEITO, CONTRIBUIÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, PRESERVAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, FALTA, SEGURANÇA, ESTABILIDADE, AGRAVAÇÃO, CONFLITO, TERRAS INDIGENAS, BRASIL.
- COMENTARIO, POSIÇÃO, TECNICO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), ESTADO DE RORAIMA (RR), POSSIBILIDADE, TRANSFERENCIA, PRODUTOR, ARROZ, REGIÃO, QUALIDADE, PRODUÇÃO, SIMILARIDADE, RESERVA INDIGENA, CAPACIDADE, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, PROMOÇÃO, DESLOCAMENTO.
- NECESSIDADE, RESPEITO, HISTORIA, CULTURA, LUTA, INDIO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, FLORESTA AMAZONICA, IMPORTANCIA, COMUNIDADE INDIGENA, PROTEÇÃO, FRONTEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, GUIANA FRANCESA, PROCESSO, DEMARCAÇÃO, TERRITORIO, BRASIL, REGIÃO AMAZONICA.
- IMPORTANCIA, CONHECIMENTO, COMUNIDADE INDIGENA, DESENVOLVIMENTO, MEDICINA, PRODUTO INDUSTRIALIZADO, ESPECIFICAÇÃO, REFRIGERANTE, NECESSIDADE, BRASIL, RECONHECIMENTO, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, INDIO, COMPROMISSO, ESTADO, CONSTRUÇÃO, PAIS, RESPEITO, CULTURA, GRUPO INDIGENA.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, começo minha intervenção de hoje registrando, lamentavelmente, a perda de um amigo, um companheiro que faleceu na tarde de ontem, em Manaus, o Sr. Francisco Sávio.
Francisco Sávio, um amazonense do Município de Eirunepé, lá no Amazonas, no início dos anos 80, foi uma importante liderança do movimento estudantil. Chegou a ser inclusive o Presidente da UESA, União dos Estudantes Secundaristas do Amazonas. O Sávio, como era conhecido, deixou quatro filhos, deixou a esposa. Faleceu na tarde de ontem aos 43 anos, Sr. Presidente. Brilhante o Sávio, um estudante inteligente, uma pessoa politizada.
Dessa forma, quero registrar que, nesta manhã, lá em Manaus, os seus amigos, os seus familiares estão fazendo o seu sepultamento. E quero já dizer aqui da minha saudade do Francisco Sávio, uma pessoa com quem, por sinal, nesses últimos tempos, há algum tempo não falava. Mas lamento profundamente o falecimento dessa pessoa, desse cidadão, desse pai de família que, nos anos 80, foi uma liderança importante do movimento estudantil lá no meu Estado.
Sr. Presidente, Srs. Senadores, este assunto nos separa: Raposa Serra do Sol. Quero dizer que, da última vez que fiz um pronunciamento nesta Casa, acabei elevando o tom e não concedi o aparte a V. Exª. Volto a tratar de Raposa Serra do Sol, e V. Exª tem o direito de apartear, e eu tenho o direito de concedê-lo.
Eu sei que este é um assunto polêmico. Raposa Serra do Sol é um debate que já vem de alguns anos, não é de agora, e, com certeza, não se encerra, embora esteja no Supremo Tribunal Federal. Provavelmente, se não houver nenhuma mudança, na próxima semana, sairá a decisão do Supremo. E espero que o Supremo decida, até porque nós precisamos encerrar isso no sentido de tratarmos bem essa fronteira, esse território que pertence aos brasileiros.
Srs. Senadores, Srªs Senadoras, o Brasil está perto de demonstrar aos brasileiros e ao mundo que tem a história como fundamento ético e que por ela se orienta para fazer justiça.
Refiro-me à esperada confirmação, pelo Supremo Tribunal Federal, da homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, localizada no Noroeste do Estado de Roraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana.
Não acredito que os Ministros do Supremo possam transformar o dia 27 de agosto na data em que o Brasil negou a sua própria história. Isso seria vergonhoso para todos nós.
Prefiro crer na possibilidade de a Justiça devolver a paz, a dignidade e a esperança de um futuro seguro a dezoito mil brasileiros que são os verdadeiros donos da Raposa Serra do Sol, porque nelas vivem desde tempos imemoriais. Os povos indígenas, repito, vivem naquela área desde tempos imemoriais.
Prefiro vislumbrar o Judiciário como uma instituição republicana que age severa e exemplarmente contra aqueles que se julgam acima do Estado Democrático de Direito e que, por isso, tentam subjugar quem lhes nega essa condição de intocáveis.
A homologação da Raposa Serra do Sol, na forma como determina o Decreto do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reafirmará o reconhecimento, por parte da Nação Brasileira, de que os índios e demais populações tradicionais são parte integrante da sua formação sociocultural, e não apenas enfeites de falsas retóricas.
Quem acompanha a luta dos povos indígenas sabe que eles foram e ainda são vítimas da má-fé, da incompreensão, do preconceito e da arrogância dos agentes das diversas formas de invasão e ocupação de suas terras. A história registra genocídios e massacres encobertos pelo manto da impunidade.
Essas e outras práticas que degradam a pessoa humana se verificam desde 1500, quando a população indígena brasileira era estimada em seis milhões de pessoas. Atualmente, são pouco mais de setecentos mil. Na Amazônia, a última fronteira agrícola do País, sobrevivem cerca de trezentos mil indígenas.
Pois bem; ainda hoje, em pleno século XXI, persistem, nas entranhas da sociedade brasileira, setores econômicos e políticos que invejam, pela negação da dignidade humana aos índios, os colonizadores mercantilistas. Uma meia dúzia deles patrocina o ódio e a intolerância contra os índios do Brasil, em Roraima particularmente, como forma de intimidá-los e enfraquecê-los moral e politicamente.
Contra os direitos dos índios Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e Patamona avançam os representantes do capitalismo no campo, o mesmo que já roeu mais de 13% da Floresta Amazônica e causou irreparáveis prejuízos à diversidade social e biológica da maior cobertura florestal tropical do Brasil e do mundo.
Felizmente, os índios e demais segmentos da sociedade brasileira estão atentos à movimentação desses fora-da-lei travestidos de empresários do agronegócio. Centenas de milhares de militantes sociais se movimentam por todo o Brasil, de Manaus a Porto Alegre, para apoiar a decisão do STF quanto ao futuro dos povos indígenas, na expectativa de que o Supremo reconheça a ocupação imemorial dessa área. Certamente, a decisão do Supremo será em benefício dos verdadeiros donos das terras de Raposa Serra do Sol e não em favor desses brasileiros que lá estão e que podem, sim, ser removidos de forma adequada, com o apoio do Estado brasileiro, para áreas onde se pode fazer a produção em escala e a agricultura familiar. Enfim, é possível, sim, a saída dos arrozeiros que estão lá, das famílias não-índias que estão no território indígena e o seu deslocamento, no mesmo Estado de Roraima, para área que possa ser adequada à produção e à vida digna e onde possam viver em paz.
Repito: estou certo de que os Ministros do Supremo farão o Brasil avançar na construção de uma sociedade justa, magnânima e tolerante. O direito dos povos indígenas à terra está assegurado pela sociedade e pelo Estado brasileiro. Seria um contra-senso retroceder nas conquistas sociais, principalmente naquelas que resgatam dívidas históricas, como as que o Brasil ainda mantém com os povos indígenas.
O retrocesso, nesse caso, representaria a instabilidade, o conflito e a insegurança generalizada nas terras indígenas de todo o País, que estariam vulneráveis a recursos jurídicos idênticos aos patrocinados por vários setores da sociedade de Roraima, desde o Governador, contra as etnias que vivem há séculos na Raposa Serra do Sol.
Não é difícil imaginar uma onda de novas invasões a terras indígenas, principalmente sobre aquelas ainda não homologadas. Do mesmo modo, os patrocinadores da expansão agropastoril e mineral se sentiriam estimulados a ingressar na Justiça com revisões demarcatórias. Não; o Brasil não pode cometer um equívoco desse porte!
Com uma decisão favorável a argumentos esdrúxulos, o Brasil ficaria na contramão de sua própria história e da necessidade do fortalecimento de uma nova ética que rejeita o desenvolvimento das nações a qualquer preço.
Srªs e Srs. Senadores, já afirmei desta tribuna que os ocupantes não-índios das terras da Raposa Serra do Sol, os arrozeiros desse projeto de produção de grãos, podem transferir suas atividades para outras regiões. Já conversei com técnicos do Incra, da Embrapa e do Governo do Estado de Roraima sobre esse assunto. Vários técnicos que vivem, que trabalham, que pesquisam na região de Roraima já me afirmaram e asseguraram que isso é possível, sem maiores problemas, a não ser, é verdade, algum problema relacionado a perdas financeiras; é verdade. Aliás, após sugar os recursos de um determinado lugar, mudar-se para outro de maior vantagem comparativa é recorrente na história das monoculturas e dos empreendimentos capitalistas de ocasião.
Eu penso que as autoridades, não só do Estado de Roraima, mas do próprio Governo Federal, são capazes de construir esse deslocamento dos empreendimentos. O Estado brasileiro é capaz de fazer as indenizações e transferir essas famílias para outros locais daquele Estado com a mesma capacidade, com as mesmas possibilidades, com as mesmas potencialidades da produção.
Para os índios, a expulsão ou subtração de suas terras implica a perda de valores materiais e culturais que lhes extirpam severamente o sentido de existência. Ou seja: é possível para a nossa cultura sair do Estado de Goiás e ir para o Amazonas, mas para os povos indígenas, não! Como se vai deslocar etnias de uma localidade para outra? Ninguém tem o direito de negar a eles a compreensão cosmológica de que o mundo começou no majestoso Monte Roraima.
É nesse contexto que a Senadora Marina Silva, minha companheira de Partido, ensina que também devemos reconhecer Jerusalém como referência espiritual dos cristãos.
Eu concedo o aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti, Senador pelo Estado de Roraima.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador João Pedro, fico feliz, primeiro, com que V. Exª tenha dito que da outra vez não me concedeu a palavra, elevou o tom; e fico feliz por podermos debater esse tema de maneira serena. Foi o que buscamos fazer com o Presidente Lula. Prefiro dizer que foi com o Presidente Lula, porque não adianta dizer que é com o ministro a, b, c ou d. Conversamos com o Presidente Lula desde o primeiro momento do seu primeiro dia de governo, no primeiro mandato. Ele já pegou a delimitação feita, mal feita, alterada, porque a primeira delimitação feita pelo Ministro Nelson Jobim não era a que ele homologou. E mostramos para ele, de maneira serena, que muitas dessas coisas que V. Exª afirma, Senador João Pedro, desculpe-me dizer, são jargões montados por um grupo de pessoas que, primeiro, não conhecem a realidade da Raposa Serra do Sol; segundo, não foram lá. Até o laudo antropológico feito foi assinado, ou melhor, nele constam os nomes de pessoas que nem foram lá. A Justiça Federal de Roraima constatou que a peça principal da demarcação, o laudo antropológico, é falsa, é cheio de fraudes. Muito bem. Por uma manobra se trouxe a questão para o Supremo. V. Exª falou várias vezes em arrozeiros, mas não falou nas 458 famílias identificadas pela Funai, que estão lá há mais de séculos. Ninguém está propondo, Senador João Pedro, deslocar os índios de lá. Ninguém também está dizendo - e V. Exª também não disse - que essas etnias que V. Exª citou não são representadas só pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), que se arvora em defensor e porta-voz exclusivo de todas as etnias, e não é. Temos outras instituições, como a Sodiur, Arikon, Alidecir, que a Funai não ouve. Agora, o relator da ONU, que foi lá - e, o jornal Folha de S.Paulo publicou -, só ouve o grupo que pede a reserva contínua. Por que o relator, já numa intromissão consentida - porque foi consentida, ele veio aqui convidado pelo Governo brasileiro, está aqui a foto com o Ministro Tarso Genro -, não ouviu os outros índios? Não estou falando dos não-índios, mas dos outros índios. Por que ele não ouviu os índios da Sodiur, da Arikon, da Alidecir, de comunidades como, por exemplo, o Contão? Ele não ouviu. Só ouviu um lado. Então, isso não é sequer pretensão de fazer justiça. A mesma coisa não fez o Supremo, que foi lá.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - O Relator, Dr. Carlos Ayres, ele e mais dois, já estiveram na localidade. Espero que ele possa...
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Ele esteve lá. Tenho confiança de que o Supremo vai corrigir esse conjunto de fraudes, essa falta de ética, esse conjunto de mentiras fabricadas em relação à Raposa Serra do Sol. E o que mais temo é a preocupação que estão os defensores dessa demarcação de que ela possa interferir em outras. Ora, Senador João Pedro, se as outras foram feitas de maneira correta, não há por que temer. Mas, se há esse temor, é porque as outras foram feitas de maneira igual ou pior do que a de Raposa Serra do Sol. Lá, estivemos, em uma Comissão Temporária Externa do Senado e uma Comissão Externa da Câmara dos Deputados, consentidas e sugeridas pelo Presidente Lula, e propusemos o quê? Tirar alguém de lá? Tirar índios de lá? Não! Propusemos tirar de 1.740 milhão de hectares, 320 mil hectares, até mantendo áreas de expansão para reservas indígenas. Quem fez deslocamento de índio de lá foi o Conselho Indígena de Roraima e a Igreja Católica. Ambos deslocaram famílias da comunidade “a” para formar uma nova comunidade e, assim, dizer que existiam mais índios. Senador João Pedro, é preciso que a verdade seja dita completa, completa. Não é só dizer que existem arrozeiros na borda da reserva, mas e as outras 458 famílias que, por exemplo...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Produtores de grãos, seis.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - E os outros? E as outras 458 famílias?
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Parte já saíram, não é; as que aceitaram indenização...
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Parte delas foi expulsa...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Não; saíram indenizadas.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Indenizadas, não; aviltadas. Senador João Pedro, vá lá em Roraima, vá conversar com todo mundo. E V. Exª, que sei que é um homem sério, vai voltar com outra idéia. Não vai ficar apenas nas informações que certos setores dão. A minha tranqüilidade, hoje, é que o assunto está nas mãos do Supremo. Tentamos. O que o Governo Lula não pode dizer é que nós da Bancada... E até cito o Senador Romero Jucá, que, mesmo não se metendo nas causas em defesa de Roraima, algumas vezes apareceu nesse debate. No entanto, quando viu que o Presidente Lula queria de um jeito, pulou fora. Mas todos os representantes de Roraima, os Deputados Estaduais... Nós não representamos legitimamente essas pessoas? Nós não queremos “desmarcar” reserva, não. Queremos que a reserva seja demarcada do jeito correto. Se se adotar o Relatório Jobim, está resolvido o problema.
(Interrupção do som.)
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - (...) corrijam as fraudes constantes dos laudos. A Portaria nº 534, Senador João Pedro, que foi...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Senador Mozarildo Cavalcanti, com licença. Quem constatou fraude em laudos anteriores?
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - A Justiça Federal de Roraima, que, designando uma comissão de peritos, constatou. Está constatado no processo. Agora, deixe-me terminar aqui essa outra parte. Vá lá visitar as 458 famílias, Senador João Pedro. Eu o convido para ir lá visitá-las, para ver como estão as que ficaram e as que saíram. Nem no tempo do Hitler, nem no tempo do Stalin se fez isso com famílias que estavam lá antes dos índios, Senador João Pedro. Essa história de dizer que os índios lá são imemoriais é um termo muito vago. Os índios foram expulsos do Caribe pelos espanhóis e foram para lá.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Rondon chegou até lá e conversou com eles. Encontrou índios. V. Exª sabe disso.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - E a mais velha das índias de lá, casada com um não-índio, está sendo expulsa de lá - inclusive, uma das matriarcas de lá. Senador João Pedro, não podemos fazer como no tempo da Inquisição: criar uma “verdade” e impor essa verdade como a única. Vamos ver todos os lados. Tenho certeza de que agora o Supremo tem o material para julgar. E o Presidente Lula perdeu a oportunidade de fazer, ele mesmo, justiça aos índios que querem de um jeito, aos índios que querem de outro jeito, aos não-índios e aos mestiços. V. Exª não imagina o sofrimento daquele povo, muitos deles casados com índios, tendo filhos e netos - seja o pai índio ou a mãe índia -, que estão sofrendo esse apartheid intraétnico. Lamento muito que o PT tenha essa posição inflexível. Não o PT; quero até fazer aqui uma ressalva, porque o Senador Augusto Botelho é do PT, é de Roraima e não pensa assim. Então, espero que o trabalho feito pela Comissão Temporária Externa do Senado, cujo relator foi um colega seu de Partido, o Senador Delcídio Amaral, e que contava com a participação do Senador Jefferson Péres, um homem independente, de um partido também de Esquerda, seja levado em conta. E que nós paremos de dividir o Brasil em raças, em classes e façamos um país em que todos possamos viver em paz. Tenho confiança de que o Supremo vai anular essas fraudes cometidas. Eu estava dizendo: o Ministro Thomaz Bastos fez uma molecagem jurídica, revogou a Portaria nº 820, que demarcou a reserva e editou, no mesmo dia, a Portaria nº 534. E o Presidente Lula, sem que a portaria tivesse sido publicada, homologou a reserva. Isso também é outra ilegalidade flagrante que está nos autos do processo. Mas, de qualquer forma, Senador João Pedro, o que quero dizer é que, embora nós pensemos diferente, tenhamos visões diferentes, eu, pelo menos, não sou moldado por ideologia ou por qualquer instituição que me diga como devo pensar. Eu penso no homem; e no homem ser humano, ser humano daquela região. Hoje, recebi um telefonema da Vila Surumu, onde temos, ali sim, uma invasão de índios, que não estavam lá, que para lá foram levados pelo Conselho Indígena de Roraima para forçar a barra contra os moradores daquela vila centenária.
Inclusive, havia lá um colégio para educar os índios. Mas eu não quero me alongar, pois já ultrapassei o tempo do aparte. Gostaria só de apelar para isto: vamos baixar a guarda, vamos defender nossos pontos de vista de maneira correta.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - É o que estou fazendo.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Convido V. Exª para ir lá. Vá a todos as comunidades para conversar. V. Exª, com certeza, Senador João Pedro, vai voltar com outra visão.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - São 132 aldeias, comunidades, não é?
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Leia, Senador João Pedro...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - É impossível visitar todas.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Não, visite as primeiras, porque a maioria dessas que estão aí são comunidades fictícias, feitas de deslocamentos de famílias de uma comunidade antiga para outra, para se dizer que tem muitas comunidades. Mas V. Exª pode ir lá e ver que a proposta do Senado de tirar 320 mil hectares de mais ou menos 1,4 milhão demarcado com certeza pacifica a região e devolve...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Mas, Senador Mozarildo, agora V. Exª diz assim... V. Exª deve ter lido o Relatório Jobim, que propõe que seja excluído um Município criado em 1996, 300 quilômetros quadrados, algo em torno disso.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Não exclui Município nenhum. Tanto é...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Esse é o foco. Exclui um Município, que é o debate da demarcação em ilhas. Essa é a questão.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Não é demarcação em ilhas, Senador. Essa é outra falsa verdade. A proposta do Ministro Jobim como a do Senado não é em ilhas. Não é uma demarcação contínua, excludente. Ninguém exclui ninguém e mantém todo mundo lá. Os índios nas suas áreas, com áreas de expansão, porque a área ocupada pelos não-índios não chega, Senador João Pedro, a 200 mil hectares ao todo, incluindo as famílias que V. Exª não cita, as 458 famílias que não são arrozeiras.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Já estou incluindo no meu pronunciamento.
Agora, vamos fazer esse debate. V. Exª que tem formação, conhece o Estado, conhece mais do que eu. Eu leio, estou estudando, mas é incompatível, em uma terra indígena - estou falando de terra indígena -, o agronegócio, uma produção em escala de arroz. Como pode, em uma terra indígena, ter uma produção em escala? Como vamos trabalhar isso?
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - V. Exª está voltando para os arrozeiros. Os arrozeiros, quando se instalaram lá...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - V. Exª sabe que inclusive há a poluição das águas, por conta dos produtos químicos...
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - ... não era terra indígena quando se instalaram lá. Compraram fazendas que tinham títulos do tempo em que éramos Amazonas, Senador João Pedro. Compraram essas fazendas dos títulos dominiais do tempo do Estado do Amazonas. E se instalaram, e a reserva nem chegava próximo de onde eles estavam. Depois, foi expandindo até alcançá-los. Mas o problema que estão focando só nos arrozeiros, a comunidade mais próxima distava cerca de 300 quilômetros da área dos arrozeiros. No entanto, foram se multiplicando e se aproximando. O que quero dizer é que, se nós queremos a paz, o PT que dialoga tanto com o Conselho Indígena de Roraima, o Governo do PT, que deu 47 milhões para o Conselho Indígena de Roraima desviar, deveria dialogar com eles para pacificar. E não sou que estou dizendo que eles desviaram, foi a CGU e o Tribunal de Contas da União. Então, é preciso que esse debate seja feito. Fui agora a um debate no Ministério da Justiça, até fiquei surpreso de ser convidado. Porém, fazer um simpósio depois que o assunto está no Supremo?
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - V. Exª foi convidado?
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Eu fui convidado e fui. Acho que me convidaram pensando que eu não iria, mas eu fui convidado e fui, para dizer as verdades que eu constatei e não foi por ouvir dizer. Então, eu quero que o Supremo, na quarta-feira, decida. E tenho certeza de que vai decidir juridicamente, democraticamente, dentro dos princípios que levem em conta os direitos dos índios, dos não-índios e sobretudo o interesse nacional.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - V. Exª aqui falou do Estado do Amazonas. Em 1917 - em 1917, início do século XX -, o Governo do Amazonas editou a Lei Estadual nº 941, destinando as terras compreendidas entre os rios Surumu e Contigo para ocupação e usufruto dos índios Macuxi e Jaricuna. Veja, V. Exª, em 1917 tem um ato do Governo destinando essas terras ao povo Macuxi... o rio Surumu, que é um rio importante...
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Que já é uma reserva chamada São Marcos, colada à reserva Raposa Serra do Sol e que margeia toda a rodovia federal BR - 174. É uma reserva!
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Sr. Presidente, além... Eu estava aqui fazendo o meu pronunciamento e, para fazer o contraditório democrático com o Senador Mozarildo, eu quero encerrar dizendo que nesse debate, nessa discussão...
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PDT - DF) - Já que V. Exª falou que vai encerrar e aproveitando a presença do Senador Mozarildo, eu queria dizer aos dois que eu tomei uma iniciativa a partir de ontem, preocupado com a situação que nós vivemos hoje. Eu não quero que, daqui a cem anos, digam que este Senado, nós, desta geração, entregamos um pedaço do Brasil a outro país. Mas tampouco quero que digam que nós fizemos parte desse esforço de 500 anos de destruir as culturas indígenas e até mesmo as pessoas indígenas. Estou propondo, Senador, e fiz uma lista de Senadores que quero convidar, criarmos uma Frente Parlamentar da Soberania com Diversidade. E V. Exª falou em soberania, no final do seu discurso. Tenho certeza de que o Senador João Pedro defende a soberania. S. Exª defende, enfaticamente, a necessidade - e eu tendo também a isso - dos direitos de cada uma das unidades indígenas deste País. Temos que combinar os dois. Estou propondo e quero convidar os Senadores, sem nenhum preconceito, não vamos chamar apenas aqueles que se digam do lado indigenista, não vamos excluir aqueles que dizem que o progresso tem que chegar de qualquer maneira, o que, talvez, até, no final, vá acontecer naturalmente, com a absorção dos povos indígenas. E eu quero criar essa Frente, até porque, como representante do DF, descobri que aqui nós temos o problema hoje. Há uma comunidade...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Há uma discussão aqui, estou acompanhando pela mídia.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PDT - DF) - ... indígena, com pouquíssimas famílias, com 40 anos, ou seja, não tem as raízes que têm os povos da Amazônia, mas que, mesmo assim, temos que levar em conta suas especificidades. A Senadora Marina, inclusive, foi muito feliz, quando disse que, aqui no Distrito Federal, a terra é pública e é doada para as igrejas. Esse grupo indígena tem aquela área como um território sagrado, por onde passam comunidades indígenas indo de um lugar para outro. Então, eu faço um convite para os dois, para que, a partir da próxima semana - está feito o requerimento -, criemos uma frente de parlamentares da soberania com diversidade. A única condição é: não queremos abrir mão de soberania. E dois, não queremos também uma soberania sem diversidade. E convido os dois a fazerem parte. Vamos criar debate sobre isso e encontrarmos o caminho de não ameaçarmos a soberania brasileira, mas tampouco tomarmos medidas que destruiriam as diversas especificidades étnicas, como os quilombolas também.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Cristovam, já que a palavra está com o titular da tribuna, quero apenas dizer que acho excelente. Eu aprendi, como médico, que diagnóstico se faz ouvindo o paciente, as queixas do paciente, e não achando o que eu vejo, mas o que o paciente sente. E se faz diagnóstico também com exames laboratoriais, aí são os dados verdadeiros para se fazer o diagnóstico e, feito o diagnóstico, fazer o tratamento. O que eu lamento é que essa questão da política indigenista no Brasil está sendo feita sem o diagnóstico adequado e sem levar em conta, como V. Exª colocou, questões outras que são pertinentes e importantes, como a soberania nacional, a defesa da integridade territorial, o descaminho de minérios e tantos outros. Tudo isso tem que estar casado, mas isso não exclui o índio, não é preciso excluir o índio para fazer isso. Como não é preciso excluir também, no caso em que o Senador João Pedro tanto insiste, os arrozeiros de Roraima que estão na borda da reserva. Ah, polui o meio ambiente? Nós temos o Ibama para cuidar disso. Entendo que, se formos para um debate desarmados e sem achar que a minha verdade é a verdade verdadeira ou que a verdade do Senador João Pedro é a verdade verdadeira, aí sim, vamos chegar rapidamente a uma conclusão do que é melhor para o Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco/PT - DF) - Agora, temos que ir com o espírito aberto, mas pode chegar momentos em que se vai ter que escolher entre um e outro. Pode chegar o momento em que se perceba que tal grupo não tem sobrevivência com o outro; aí vamos ter que escolher qual grupo deve prevalecer.
Senador João Pedro, para encerrar o seu discurso.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Presidente Cristovam, o que tenho aqui nesta tribuna e o que tenho no meu dia-a-dia são números emblemáticos. Os europeus chegaram aqui e encontraram seis milhões de índios.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Quem contou, Senador João Pedro?
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - O senhor não vai negar, é Antropologia.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Mas quem contou? Quero saber. Eu nego.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Pelo amor de Deus, V. Exª é um médico!
Daqui a pouco, ele não vai acreditar nas bactérias!
V. Exª não vai acreditar nas bactérias, no antibiótico, nos vírus.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Não, bactéria eu olho no microscópio e vejo.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Não, por favor, V. Exª não pode seguir no caminho da...
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Dizer que tinham seis milhões de índios... Quem contou? Quem contou?
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - A Antropologia, o estudo, a ciência. Quem contou foi a ciência.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - O IBGE, que é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que faz o nosso censo, tem falhas; você imagine você me dizer que, quando Pedro Álvares Cabral chegou aqui, tinham seis milhões de habitantes.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Tudo tem falhas. Tudo tem falhas, inclusive aqui, no Senado, tem falhas. Não pode ser assim.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Não misture...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - V. Exª não pode fazer um debate...
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Estou contestando.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - ... contestando números, contestando a História. Na História do Brasil, os índios sempre perderam.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Mas não venha dizer que tinham seis milhões...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Os índios sempre perderam.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - É aquela história da repetição de uma mentira...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Agora é isso: “Não, o arrozeiro, deixa o arrozeiro ficar na cabeceira da reserva”. É incompatível! É incompatível! Isso é a história nossa: os povos indígenas vêm perdendo, os negros vêm perdendo, os povos da Amazônia vêm perdendo.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Os índios de lá - vou lhe dizer mais uma vez -, da comunidade Contão e de outras, querem ser arrozeiros, estão plantando arroz.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Os índios da Amazônia querem ser arrozeiros! Não pode.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Os índios da Amazônia, não, os índios de Roraima.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - É Amazônia.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Os índios de Roraima.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Tudo é Amazônia.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Não, o seu Estado é muito diferente do meu, Senador João Pedro.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Estou falando da Amazônia. Da Amazônia.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - O meu Estado é Amazônia e não é igual ao seu. Vá lá, na comunidade Contão, e veja se não tem índios plantando arroz mecanizado, se não tem índios plantando feijão mecanizado. E são índios, não estão abdicando da condição de ser índio, não.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - E não podem, nem devem; temos que respeitá-los nessa condição. Essa é outra questão.
E quero aceitar o debate e participar da proposta de V. Exª. Mas quem garantiu, Senador Cristovam, a fronteira brasileira ali, quem garantiu mesmo foram os povos indígenas, foram essas etnias. Foram essas etnias que garantiram a fronteira, que fizeram essa demarcação, vivendo lá estes anos todos, a fronteira com a Venezuela, a fronteira com a Guiana. Então, não tem nenhum problema com soberania, é uma balela dizer que... A Guiana vai ameaçar a soberania brasileira ali? A Venezuela? Isso está definido ali, não há nenhum problema nesse sentido. Agora, o que há - temos que reconhecer - é um debate. A Amazônia é vista como fronteira agrícola e, infelizmente, alguns setores - e não podemos generalizar aqui - trabalham na Amazônia com política de terra arrasada, sem levar em consideração essa diversidade. Nós falamos de diversidade, mas, na hora de construir as políticas públicas, não, vamos deixando, vai-se passando por cima de culturas milenares.
Meu Deus, o Brasil é isso, o Brasil é o Brasil diverso! A Amazônia é a Amazônia diversa, com várzea, com floresta, com cerrado. E por que não construir isso? Nós precisamos construir isso, respeitando essa história, respeitando esses valores, respeitando a cultura, respeitando esses povos que são os mais frágeis. Ou não?
Tem preconceito. Eu não estou dizendo que V. Exª, quando faz um aparte, faz um aparte imbuído de preconceito, não é isso. Há invasores, sim, de Raposa Serra do Sol, há erros do Estado. Lendo essa material todo, fazendo um estudo acerca dessa situação, vi que o Incra, ou seja, o Estado brasileiro, concedeu títulos de terras nas áreas indígenas. Isso é uma agressão, isso é um erro do Estado brasileiro! Então, nós precisamos fazer esse debate. E é grande a minha expectativa da Justiça brasileira, do Supremo, da Corte máxima do nosso País, no sentido de reconhecer que os povos indígenas têm direito àquelas terras.
Cientistas e estudiosos que monitoraram e continuam estudando a região há vários anos atestam que as atividades agrícolas de toda a Amazônia - de toda a Amazônia - respondem por menos de 1% do Produto Interno Bruto do nosso País.
As queimadas na Amazônia e no cerrado, Sr. Presidente, realizadas para preparar as terras às plantações e criação de gado, no entanto, são responsáveis por 75% das emissões brasileiras de dióxido de carbono. Esse dado pesa contra a imagem do País. Ou nós vamos negar as queimadas?
De igual modo, apregoam que o reconhecimento das terras indígenas são uma ameaça à soberania do Brasil sobre a Amazônia. Essa é mais uma conclusão estapafúrdia e ilógica, sem amparo na história do Estado brasileiro.
As autoridades do Itamaraty registraram, por exemplo, que os índios colaboram, decisivamente, com a demarcação do território brasileiro na Amazônia, com mão-de-obra e com o conhecimento de cada palmo das terras remotas que passaram a constituir o Estado brasileiro. Não há como duvidar da brasilidade desses brasileiros.
A luta dos índios pela posse da terra precisa ser vista como um fator que contribui para a sustentabilidade da Amazônia e, por conseqüência, para a sobrevivência da terra.
A retirada dos índios das suas terras, como querem, principalmente, os arrozeiros...
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador João Pedro, não cometa esta injustiça. Ninguém quer tirar índio nenhum de lá.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - ... implica no desprezo à experiência e ao conhecimento dos que mais contribuíram para a preservação da Amazônia. Se há quem preserve a Amazônia - não só os indígenas de Roraima, não - são as várias etnias que vivem na Amazônia.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - É outra meia verdade. Como é que os índios plantam as roças, Senador João Pedro? Como é? Derrubando a mata, Senador João Pedro. Próximo de Boa Vista, conheço várias comunidades indígenas que acabaram com suas matas.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Eles derrubam o correspondente à necessidade dos seus alimentos.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Isso é filosofia, Senador João Pedro. Na prática, não é isso!
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Não, isso é verdade.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Conheço na prática. Eles derrubam a floresta por opção.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Eles vão derrubar a floresta para quê?
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Para plantar e comer.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - É evidente que isso gera impacto, mas não o impacto gerado pela ilegalidade do roubo de madeira.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Convido novamente V. Exª para ir ao meu Estado e eu vou lhe mostrar algumas reservas indígenas, já demarcadas há muito tempo. Lá, não existe mais mata, não há mata para se tirar uma madeira sequer para se construir uma casa.
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PDT - DF) - Desculpem-me intervir, porque, como Presidente, eu não deveria fazê-lo, a não ser para dizer que o debate está se alongando muito, mas considero-o muito importante. Creio que quem estiver acompanhando de casa esteja gostando de assistir ao debate.
Mas acho que se está usando a palavra “indígena” no singular, quando há especificidades muito diferentes. Creio que há grupos indígenas que não destroem árvores, porque vivem delas.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Com certeza!
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PDT - DF) - Há outros já aculturados que destroem árvores para viver, para comer. Talvez a generalização da palavra é que impeça chegarmos a um denominador comum.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Os povos indígenas não destruíram... Está aí a história. Qual é o impacto do trabalho, do cultivo da terra, feito pelos povos indígenas da Amazônia?
O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PDT - DF) - Se não tiverem motosserra e trator...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - É muito pequeno. É evidente que eles não têm motosserra, Presidente.
Quero encerrar, dizendo que os saberes tradicionais, como o guaraná, que tomamos aqui - o guaraná, que é mundialmente conhecido; o guaraná, da Coca-Cola; o guaraná, da Antarctica -, vêm de lá, dessa região. Sabe qual foi o povo que trabalhou o guaraná? Será que foi algum europeu? Foram os povos Sateré-Mawé.
Então, os saberes tradicionais dos povos indígenas, inclusive para a Medicina, estão aí. Como é que podemos massacrá-los? O Estado brasileiro precisa é resgatar e fazer autocrítica da relação com os povos indígenas.
Os saberes tradicionais foram e são úteis para nossa sociedade.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador João Pedro, eu gostaria de fazer um último aparte a V. Exª, inclusive quero dizer-lhe o seguinte: fiquei feliz que pudéssemos debater hoje, mesmo que tenhamos, aqui e acolá, V. Exª e eu, elevado o tom. O Senador Cristovam foi muito sábio, quando disse que o mal é que estamos nos referindo a indígenas de modo geral. Há uma diferença enorme entre uma comunidade e outra. No meu Estado, conheço comunidades, como, por exemplo - e vou repetir aqui -, o Contão, que são escolas. Primeiro, é uma comunidade, portanto, aculturada, evangélica. Os índios lá não bebem cachaça, mas, em várias outras comunidades, eles bebem cachaça. É a realidade, Senador João Pedro. Não adianta filosofar.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Sim, mas V. Exª quer dizer o que com isso?
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Quero dizer é que existem...
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Eles perderam a identidade com isso?
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Não, pelo contrário. Estou, justamente, pregando o contrário. Não precisa mantê-los na Idade da Pedra para eles manterem a identidade, não. E é o que eles não querem. Estou querendo dizer, justamente, que defendo o índio ter o direito de escolher o que ele quer, e não meia dúzia de antropólogos, que se julgam colegas de Deus, impor a eles como é que eles devem viver. É só isso. No mais, Senador João Pedro, gostaria muito que pudéssemos dialogar até fora do ambiente do Senado: ou no seu gabinete, ou no meu gabinete, para que a gente pudesse ampliar o debate. Não creio que discordamos no essencial; discordamos nos aspectos colaterais. E, nesse aspecto colateral, quero dizer a V. Exª: meu Estado é o que tem o maior número de reservas indígenas demarcadas, é o Estado que tem 50% do seu território já demarcado e tem menos índios do que no seu Estado, tem menos índios do que no Estado do Mato Grosso. Por que será, Senador João Pedro? Então, quero é compreender essas coisas, ver, porque conheço a realidade do meu Estado, a parte indígena e a não-indígena. E, para mim, como médico, não diferencio se uma pessoa é índio, é preto, é branco, é pobre ou é rico.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Não dá para se generalizar também, senão ninguém vai respeitar valores.
É impressionante este debate, Senador Cristovam. Nossos filhos podem usar a mochila da Nike e nem por isso viram americanos; nossa cultura permite que cidadãos tenham relógio suíço e nem por isso viram suíços; nossa cultura permite que se tenha objetos da Moto Honda, da Mitsubishi. Mas, quando um indígena, uma etnia... Então, não! Deixou de ser índio. Isso é uma brutal ignorância! Ninguém deixa de ser nada, você é sempre o que é, do ponto de vista sociológico, antropológico. É evidente que os índios devem ter direito e acesso à universidade, ao conhecimento, aos bens e a viver melhor, por que não? Mas deve-se respeitar a cultura, a contribuição milenar desses povos. E esse é o debate.
Na Amazônia, Senador Cristovam, é mais diverso, é mais complexo. Lá, há índios, há seringueiros, há castanheiros, há ribeirinhos, na Amazônia, neste Brasil. E o Estado brasileiro precisa ter uma relação profundamente solidária e respeitosa com esse Brasil diverso, com essas culturas, com esses saberes, com esses conhecimentos. É isso que faz o Brasil bonito.
Sr. Presidente, vou encerrar, mas é bom lembrar, Presidente Cristovam, que vem de longe esse debate de Raposa Serra do Sol. Acabei de falar que, em 1917, houve uma lei estadual destinando essas áreas aos povos indígenas.
Vejamos 1919.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Mas essa lei, Senador João Pedro, não se refere à Raposa Serra do Sol. Essa lei se refere a São Marcos, que já era demarcada.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Mas estou falando da territorialidade que estamos discutindo. Não podemos discutir a situação dessas etnias sem levar em consideração o rio Surumu e o rio Cotingo. Não podemos. Não podemos.
Em 1919, Presidente Cristovam, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) inicia a demarcação física da área - 1919 -, que estava sendo invadida por fazendeiros. Olhe só! Hoje, é arrozeiro, mas, em 1919, o SPI - a Funai de 1919 - mandou demarcar essa área. Em 1977, a Presidência da Funai institui um Grupo de Trabalho (GT) Interministerial para identificar os limites da terra indígena, que não apresenta relatório conclusivo dos seus trabalhos. Em 1979, dois anos depois, novo GT é formado. Sem estudos antropológicos e historiográficos, propõe uma demarcação provisória de 1,34 milhão de hectares. Em 1984, mais um Grupo de Trabalho é instituído para identificação e levantamento fundiário da área. Cinco áreas contíguas: Xununuetamu, Surumu, Raposa, Maturuca e Serra do Sol. Em 1988, outro GT Interministerial realiza levantamento fundiário e cartorial sem chegar a qualquer conclusão sobre o conjunto da área. Em 1992 e 1993, a Funai decide reestudar a área, formando, pela última vez, novos grupos de trabalho. Em 1993, o parecer dos GTs, em caráter conclusivo, é publicado no Diário Oficial da União, no dia 21 de maio de 1993, propondo ao Ministério da Justiça o reconhecimento da extensão contínua de 1,67 milhão de hectares de terra. Em 1993, houve essa decisão sobre área contígua.
Em 1996, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, assina, em janeiro, o Decreto nº 1.775, que introduz o princípio do contraditório no processo de reconhecimento de terras indígenas, permitindo a contestação por parte dos atingidos. No mesmo ano, são apresentadas 46 contestações administrativas contra as terras indígenas Raposa Serra do Sol. Ainda em 1996, o então Ministro da Justiça, Nelson Jobim, assina o Despacho nº 80, rejeitando os pedidos de contestação apresentados à Funai, mas propondo uma redução de cerca de 300 mil hectares. Esse foi o Relatório Jobim.
Em 1988, o Ministro da Justiça, Renan Calheiros, assina o Despacho nº 050/98, que revogou o Despacho nº 80/96, e a Portaria nº 820/98, que declara a posse permanente da terra indígena Raposa Serra do Sol aos povos indígenas.
Vejam que é um processo longo, longo.
Quero fazer esse registro e solicitar a V. Exª que o considere como lido na íntegra, porque, evidentemente, o debate com o Senador Mozarildo me fez pular alguns parágrafos. É normal o debate e encaro-o com naturalidade.
Evidentemente, nós não podemos ter outro parâmetro, senão o parâmetro da verdade sobre isso. Números, números.
Agora, qual é o princípio da minha fala - e encerro, Presidente Cristovam -? É que o Estado brasileiro, a sociedade brasileira, esta Casa, o Senado da República - este Senado, que teve Darcy Ribeiro, grande antropólogo e defensor da causa indígena - não negue direitos dos povos indígenas de Roraima, e estou falando de Raposa Serra do Sol, direitos milenares, por conta de 400 não-índios e seis produtores de arroz.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Quatrocentas famílias.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Famílias. O Estado brasileiro pode construir um ambiente em que essas famílias todas tenham direitos reconhecidos, mas o Estado brasileiro pode e deve respeitar absolutamente a cultura dos povos indígenas de Raposa Serra do Sol.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR JOÃO PEDRO.
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O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Sem apanhamento taquigráfico) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil está perto de demonstrar aos brasileiros e ao mundo que tem a história como fundamento ético, e que por ela se orienta para fazer justiça.
Refiro-me à esperada confirmação, pelo Supremo Tribunal Federal, da homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, localizada no noroeste do Estado de Roraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana.
Não acredito que os Ministros do STF possam transformar o dia 27 de agosto na data em que o Brasil negou a sua própria história. Isso seria vergonhoso para todos nós.
Prefiro crer na possibilidade de a Justiça devolver a paz, a dignidade e a esperança de um futuro seguro a 18 mil brasileiros que são os verdadeiros donos da Raposa Serra do Sol, porque nelas vivem desde os tempos imemoriais.
Prefiro vislumbrar o Judiciário como uma instituição republicana que age severa e exemplarmente contra aqueles que se julgam acima do Estado Democrático de Direito, e que, por isso, tentam subjugar quem lhes nega essa condição de intocáveis.
A homologação da Raposa Serra do Sol, na forma como determina o decreto do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reafirmará o reconhecimento, por parte da Nação brasileira, de que os índios e demais populações tradicionais são parte integrante da sua formação sociocultural, e não apenas enfeites de falsas retóricas.
Quem acompanha a luta dos povos indígenas sabe que eles foram e ainda são vítimas da má-fé, da incompreensão, do preconceito e da arrogância dos agentes das diversas formas de invasão e ocupação de suas terras. A história registra genocídios e massacres encobertos pelo manto da impunidade.
Essas e outras práticas que degradam a pessoa humana se verificam desde 1500, quando a população indígena brasileira era estimada em seis milhões de pessoas. Atualmente, são pouco mais de 700 mil. Na Amazônia, a última fronteira agrícola do País, sobrevivem cerca de 300 mil indígenas.
Pois bem, ainda hoje, em pleno século XXI, persistem nas entranhas da sociedade brasileira setores econômicos e políticos que invejam, pela negação à dignidade humana aos índios, os colonizadores mercantilistas. Uma meia dúzia deles patrocina o ódio e a intolerância contra os índios em Roraima, como forma de intimidá-los e enfraquecê-los moral e politicamente.
Contra os direitos dos índios Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e Patamona avançam os representantes do capitalismo de faroeste, o mesmo que já roeu mais de 13% da floresta amazônica e causou irreparáveis prejuízos à diversidade social e biológica da maior cobertura florestal tropical do mundo.
Felizmente, os índios e demais segmentos da sociedade brasileira estão atentos à movimentação desses fora-da-lei travestidos de empresários do agronegócio. Centenas de milhares de militantes sociais se movimentam por todo o Brasil, de Manaus a Porto Alegre, para apoiar a decisão do STF, que, certamente, será em benefício dos verdadeiros donos das terras de Raposa Serra do Sol e não em favor dos invasores.
Repito: estou certo de que os Ministros do STF farão o Brasil avançar na construção de uma sociedade justa, magnânima e tolerante. O direito dos povos indígenas à terra está assegurado pela sociedade e pelo Estado brasileiro. Seria um contra-senso retroceder nas conquistas sociais, principalmente naquelas que resgatam dívidas históricas, como as que o Brasil ainda mantém com os povos indígenas.
O retrocesso, nesse caso, representaria a instabilidade, o conflito e a insegurança generalizada nas terras indígenas de todo o País, que estariam vulneráveis a recursos judiciais idênticos aos patrocinados por arrozeiros e políticos do Estado de Roraima contra as etnias que vivem há séculos na Raposa Serra do Sol.
Não é difícil imaginar uma onda de novas invasões a terras indígenas, principalmente sobre aquelas ainda não homologadas. Do mesmo modo, os patrocinadores da expansão agropastoril e mineral se sentiriam estimulados a ingressar na justiça com revisões demarcatórias. Não, o Brasil não pode cometer um equívoco desse porte.
Uma decisão favorável a argumentos esdrúxulos rebaixaria o Brasil na compreensão da sua própria história e da necessidade do fortalecimento de uma nova ética que rejeita o desenvolvimento das nações a qualquer preço.
Srªs e Srs. Senadores, já afirmei desta tribuna que a meia dúzia de arrozeiros que invadiu as terras indígenas Raposa Serra do Sol pode transferir suas atividades para outras regiões, sem maiores problemas, senão algum relacionado a perdas financeiras. Aliás, mudar-se, após sugar os recursos de um determinado lugar, para outro de maior vantagem comparativa, é recorrente na história das monoculturas e dos empreendimentos capitalistas de ocasião.
Para os índios, a expulsão ou subtração de suas terras implica a perda de valores materiais e culturais que lhes extirpam severamente o sentido de existência. Ninguém tem o direito de negar a eles a compreensão cosmológica de que o mundo começou no majestoso monte Roraima. É nesse contexto que a Senadora Marina Silva ensina que, também, devemos reconhecer Jerusalém como referência espiritual dos cristãos.
Além do preconceito, os invasores da Raposa Serra do Sol também falseiam a realidade para tentar impressionar os Ministros do STF e a sociedade. Primeiro, repetem o jargão de que há muita terra para pouco índio, mas, certamente, não aceitariam que o Estado determinasse uma quantidade exata de terra para cada habitante do País. Como justificariam seus latifúndios?
Os arrozeiros de Roraima, apoiados pelos políticos, apegam-se ainda no argumento de que promovem o desenvolvimento da Amazônia.
Mas vejamos: cientistas que monitoram a região há vários anos atestam que as atividades agrícolas em toda a Amazônia respondem por menos de 1% do produto interno bruto (PIB) do País.
As queimadas na Amazônia e no cerrado, realizadas para preparar as terras às plantações e criação de gado, são responsáveis, no entanto, por 75% das emissões brasileiras de dióxido de carbono. Esse dado pesa contra a imagem do País.
De igual modo, apregoam que o reconhecimento das terras indígenas são uma ameaça à soberania do Brasil sobre a Amazônia. Essa é mais uma conclusão estapafúrdia e ilógica, sem amparo na história do Estado brasileiro.
As autoridades do Itamaraty registraram, por exemplo, que os índios colaboram, decisivamente, com a demarcação do território brasileiro na Amazônia, com mão-de-obra e com o conhecimento de cada palmo das terras remotas que passaram a constituir o Estado brasileiro. Não há como duvidar da brasilidade desses brasileiros.
A luta dos índios pela posse da terra precisa ser vista como fator que contribui para a sustentabilidade da Amazônia, e, por conseqüência, para a sobrevivência da terra.
A retirada dos índios das suas terras, como querem os arrozeiros, implica o desprezo à experiência e ao conhecimento dos que mais contribuíram para a preservação da Amazônia.
Nunca, na história da humanidade, o saberes tradicionais foram tão úteis e necessários ao uso da terra e de seus recursos com menor impacto ambiental possível. Nesse aspecto, lembro a esta Casa que o desmatamento, os conflitos fundiários e agrários não dizem respeito ao modo de viver e pensar dos índios.
Os avassaladores impactos sobre a biota amazônica e seus moradores tradicionais foram causados pelo capitalismo de faroeste e de terra arrasada.
Aliás, os índios, os seringueiros, os castanheiros e os ribeirinhos dependem, prioritariamente, das florestas e dos rios sadios para sobreviver com dignidade. Por isso, não os destroem, e, assim, resguardam-nos para as gerações futuras. Isso, sim, é postura ética.
A terra faz parte da vida deles. A terra constitui a história, a geografia e a memória dos índios. Talvez motivado por essa singularidade, o legislador determinou que a terra indígena não será vendida nem alienada, mas deve servir para o usufruto da comunidade. Em outro termo: a terra indígena pertence ao Estado brasileiro.
São essas terras que os arrozeiros de Roraima invadiram, para que delas venham a ser proprietários, quando então poderão vendê-las e negociá-las livremente, sem qualquer remorso por tê-las roubado.
E se o STF titubear, o que a meu ver não ocorrerá, os arrozeiros e seus padrinhos políticos venderão até o monte Roraima, lá onde o mundo começou.
Isso seria muito grave. Daí a necessidade de se cortar o mal pela raiz, para que a maldade contra os povos indígenas não se espalhe pelo Brasil afora.
A histórica decisão da Justiça brasileira, para a paz ou para a maldade, está nas mãos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Muito obrigado.