Discurso durante a 153ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da abertura, entre as atividades do Ano Cultural Artur da Távola, da exposição comemorativa do centenário de nascimento do escritor Guimarães Rosa. Registro da eleição de Luiz Paulo Horta para a Academia Brasileira de Letras.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro da abertura, entre as atividades do Ano Cultural Artur da Távola, da exposição comemorativa do centenário de nascimento do escritor Guimarães Rosa. Registro da eleição de Luiz Paulo Horta para a Academia Brasileira de Letras.
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/2008 - Página 34452
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, ATIVIDADE, ANO, CULTURA, DENOMINAÇÃO, HOMENAGEM, ARTUR DA TAVOLA, EX SENADOR, EXPOSIÇÃO, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, NASCIMENTO, JOÃO GUIMARÃES ROSA, ESCRITOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), LANÇAMENTO, LIVRO, ANALISE, OBRA LITERARIA, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA, CONSTRUÇÃO, IDENTIDADE, BRASIL, VALORIZAÇÃO, POPULAÇÃO, LINGUAGEM, TRADIÇÃO, INTERIOR.
  • REGISTRO, ELEIÇÃO, ESCRITOR, ESPECIALISTA, MUSICA, MEMBROS, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), CUMPRIMENTO, ESCOLHA.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Tião Viana, que preside esta sessão, Srªs e Srs. Senadores, entre os quais, gostaria de mencionar o Senador Paulo Paim. Dentre as atividades do Ano Cultural Artur da Távola, do Senado Federal, semana passada, foi aberta a exposição comemorativa do centenário do nascimento do escritor João Guimarães Rosa.

O evento teve a presidência do Senador Garibaldi Alves Filho, contou com a presença, entre outros, do Senador de Minas Gerais Eduardo Azeredo e também de pensadores, intelectuais e ilustres convidados. Durante a solenidade, pronunciei breves palavras.

Na ocasião, foi lançado o Dicionário de Guimarães Rosa - uma odisséia brasileira, coordenado pelo escritor Luiz Coronel. A seguir, ocorreu, no Auditório Antonio Carlos Magalhães, um painel sobre a obra do autor de Grande Sertão: Veredas. Dos expositores, menciono a Professora da UnB Elizabeth Hazin, o poeta Alexei Bueno, o jornalista Sérgio Sá e a filha de Guimarães Rosa, Vilma Guimarães Rosa, autora de Relembramentos: João Guimarães Rosa, meu Pai, publicado em 1983, cuja terceira edição, revista e ampliada, foi lançada no mesmo instante no Interlegis.

Sr. Presidente, este ano, estamos festejando, no campo cultural, a passagem de significativas efemérides, entre elas, destaco o centenário de morte de Machado de Assis, fundador e primeiro Presidente da ABL, e o centenário de nascimento de Guimarães Rosa, que, igualmente, integrou a Academia Brasileira de Letras, porém, por curto período, visto que faleceu poucos dias após sua posse no sodalício.

Ambas as datas estão sendo e serão celebradas no transcurso de todo este ano no Senado Federal e, por que não dizer, em todo o País, o que muito favorece o exercício de reflexões sobre a obra dos citados escritores e propicia, inclusive pelo debate, o desenvolvimento cultural do nosso País, ainda tão carente de um olhar crítico sobre sua própria identidade.

Sr. Presidente, Senador Tião Viana, falar sobre Guimarães Rosa é lembrar o realismo mágico, expressão sempre relativa, como, aliás, qualquer conceito especialmente literário. Mesmo assim se apresenta válido para compreensão básica desse fenômeno cultural mais amplo.

O chamado realismo mágico tem, certamente, em Guimarães Rosa, em nosso solo, seu maior representante. Ele é o escritor do mundo do sertão, o sertão profundo, tema igualmente versado por Euclides da Cunha, cujo centenário de falecimento ocorrerá em agosto do próximo ano.

Retornamos, Sr. Presidente, a Guimarães Rosa. Nas palavras de posse na Academia Brasileira de Letras, assim se refere o mineiro a Cordisburgo, onde nascera:

(...) pequenina terra sertaneja, trás montanhas, no meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão de repente bonito: lá se desencerra a Gruta do Maquiné, milmaravilha, a das Fadas; e o próprio campo, com vaqueiros cochos de sal ao gado bravo, entre gentis morros ou sob o demais de estrelas, falava-se antes pastos da Vista Alegre.

Guimarães Rosa formou-se em Medicina e, posteriormente, fez carreira diplomática, servindo ao Brasil em missões no exterior. Sua verdadeira opção foi, porém, a literatura, confirmando o brocardo latino de que o poeta não se faz, nasce (Poeta non fit, sed nascitur). Telúrico, para Guimarães Rosa “o sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar”, como diz em Grande Sertão: Veredas, sua obra-prima. O impacto dessa tendência literária - o realismo mágico - foi enorme: o livro foi logo traduzido em inúmeros idiomas.

Além de Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa nos deixou muitos outros, entre os quais, Sagarana, um livro de contos editado pela Nova Fronteira em 1946, Manuelzão e Miguilim, e Tutaméia, obras que marcaram a sua extensa produção literária.

Francisco Quinteiro Pires, em denso artigo em O Estado de S.Paulo, de 27 de junho deste ano, observa que:

No conto ‘O Espelho’, do livro Primeiras Estórias,(...)Guimarães Rosa dialoga com o leitor e o convida a ter contato com a aventura cheia de mistérios. No fim do primeiro parágrafo, afirma: ‘Quando nada acontece, há um Milagre que não estamos vendo.’ Milagre, palavra latina que significa prodígio, coisa maravilhosa e extraordinária.

Volto a citar Francisco Quinteiro Pires: “Rosa mostrou que o jagunço, mesmo sem saber ler, também se dedicava a especulações metafísicas, em meio à violência produzida pela ordem política e social injusta.

Essa assimilação resultou em algo inédito na literatura nacional, segundo Walnice Nogueira Galvão, uma das maiores especialistas brasileiras na obra rosiana. “Ele sintetizou - e superou - duas vertentes contrárias ao valorizar o apuro formal, o experimentalismo lingüístico, o contato com a literatura universal e a criação de uma prosa como quem escreve poesia, Rosa fez a expressão pela literatura, no País, avançar ao mais alto grau. ‘Sua maior contribuição é, sem dúvida, a renovação e o enriquecimento da língua literária”, afirma Walnice.

Sr. Presidente, ao sertão, observo como nordestino, ligam duas outras palavras que também se iniciam com a letra “s”: o silêncio e a solidão. Ambas muito favorecem o exercício dessas excelentes condutas existenciais. Em tempos de aceleração histórica que vivemos e na instabilidade deste mundo, entre muitas preocupações, é fundamental que se reservem sempre espaços para essas imprescindíveis condições do espírito.

O silêncio”, afirmou certa feita Alceu Amoroso Lima, “é a plenitude da palavra.”. É preciso escutar a voz do silêncio e, para isso, muito concorre a prática da solidão, que outra atitude não é senão fazê-la uma “oficina de idéias”, conforme define Machado de Assis no seu conto “Teoria do Medalhão.”

Enfim, Sr. Presidente, silêncio e solidão rimam com sertão, que propicia o recolhimento interior para olhar o passado e perquerir o futuro, pois existe nessa interposição de vida uma enorme ligação entre o pretérito e o porvir.

Sr. Presidente, em Guimarães Rosa, assinalou Daniel Piza (O Estado de S Paulo, 29/06/2008), “... não por acaso Rosa dizia que cada palavra deveria conter ‘meditação ou aventura’, mas há uma insistência em dividir Rosa, sem dividi-lo entre meditação e aventura, entre universalismo e regionalismo, entre poesia e prosa, entre geografia e filosofia.”

E acrescenta Daniel Piza: “... em cada revisita encontro não um Rosa ou outro, mas um Rosa múltiplo - porque o sertão ‘é dentro da gente’, porque Dostoievski e Flambert eram sertanejos...”.

Sr. Presidente, o mundo do sertão rosiano é tanto o do norte de Minas Gerais quanto do Nordeste, um mundo de heroísmo e ascese, que chega a ser mítico, se não no sentido trágico, místico. Heroísmo telúrico com sonhos de seus personagens enraizados na terra agreste, adusta, contudo não adversa, diria até acolhedora. O homem é apresentado como vitorioso sobre ela, no combate contra a intempérie e com o qual convive.

Entre o muito que já se escreveu a respeito de Guimarães Rosa, sobressai o triunfo do imaginário diante da realidade, ao demonstrar-se capaz de recriá-la. É a vitória do espírito sobre a matéria, da alma sobre o corpo. A vontade de superação vem dos mitos ibéricos mais intensos, ao responder ao desafio de enfrentar igualmente o solo semi-árido de Portugal e Espanha.

O sertão foi redescoberto e reiventado por Guimarães Rosa, como o Brasil profundo. Outros o fizeram com seus países hispano-americanos, como Gabriel García Márquez, distinguido com o Prêmio Nobel pela revalorizaçao da sua Colômbia, fértil em lutas ao modo de Canudos, no Brasil. O peruano Mário Vargas Llosa, outro realista mágico, também se interessou por Canudos e sobre ele escreveu A guerra do fim do mundo, um livro que alcançou e alcança tanta repercussão.

Lembrar a insurreição de Canudos nos faz constatar que a sua derrota, em 1897, sepultou as esperanças da ressurreição monárquica no País. Não examino o homem - Antonio Conselheiro - e suas circunstâncias, até porque não é Antonio Conselheiro que está em questão, mas o movimento que ele desencadeou.

O messianismo do sertão brasileiro, que criou condições para os conselheiros, está presente em todo o nosso período republicano, em diferentes versões. O Padre Cícero é outro marco cronológico importante, até pela data de sua morte, ocorrida em 1934, ano da promulgação da nova Constituição Brasileira, após a Revolução de 30.

Não se pode, em minha percepção, vislumbrar instintos monarquistas no movimento de Canudos. Suponho, pois, pelo menos esta não foi a motivação nem a circunstância do movimento do messianismo, comum, aliás, à Monarquia e à República. Porém é inquestionável na República e provável na Monarquia que tanto a atuação de Padre Cícero, quanto a de Antonio Conselheiro terminaram adquirindo forte e inconstestável motivação política.

Sr. Presidente, Senador Tião Viana, retorno a Guimarães Rosa, um revolucionário na literatura, tanto no conteúdo quanto na forma.

A saga sertaneja em Guimarães Rosa transfunde-se em síntese de muitos heroísmos. Vai adiante: além de retomar a tradição, inclusive na linguagem, ele a renova, enriquece o léxico, inventa palavras, inova ao fundar estilo literário diferente de tudo o que se fizera antes.

Guimarães Rosa, em seu processo de criação, possuía um grande apuro literário, a ponto de haver diferenças entre os primeiros manuscritos e a versão final, como anotou a Professora Elizabeth Hazin, pois o autor deixava palavras em branco para depois escolher as que melhor se adequassem ao contexto do sertão.

Sua filha e biógrafa, Vilma Guimarães Rosa, em entrevista a Ivan Finotti, na Folha S. Paulo, em 1º de julho deste ano, revela que seu pai lhe dissera:

“- Vilminha, vou te dar uma dica de escrita. Sabe o que é mais importante na hora de escrever um conto? É o começo.

- Por que, papai?

- Para que a pessoa venha a se interessar e ler inteirinho

Ainda hoje, Guimarães Rosa é, ao lado de Machado de Assis, escritor brasileiro freqüente tema de teses de mestrado e doutoramento de literatura e lingüística em universidades brasileiras e estrangeiras. 

A Academia Brasileira de Letras somou-se à consagração de Guimarães Rosa, ao recebê-lo como membro efetivo em reconhecimento à sua contribuição à literatura pátria e o culto perene de sua memória.

Sr. Presidente, desejo registrar que, na última quinta-feira, a Academia Brasileira de Letras realizou sessão para provimento da Cadeira nº 23 do quadro de membros efetivos, cujo primeiro ocupante foi Machado de Assis, vaga com o falecimento de Zélia Gattai, viúva de Jorge Amado. Concorreram 19 candidatos: Luiz Paulo Horta, Antônio Torres, Nelson Valente, Marcelo Henrique, Isabel Lustosa, Jorge Eduardo Magalhães de Mendonça, Marco Aurélio Lomonaco Pereira, Ziraldo Alves Pinto, Blasco Peres Rego, Paulo Hiriano, Valter Escravoni Alberto, Fábio Lucas, Embla Rhodes, José Paulo da Silva Ferreira, Octávio de Melo Alvarenga, João Carlos Zeferino, Palmerinda Vidal Donato, Felisbelo da Silva e Marylena Barreiros Salazar.

O eleito foi Luiz Paulo Horta, intelectual, escritor, especialista no campo da música erudita e, sobretudo, um autêntico humanista. O que é ser um humanista? Respondo com Terêncio, o poeta latino: “É entender que nada do que é humano nos é estranho". Aliás, o mundo que vivemos agora nesta onda globalizadora parece carecer de humanistas. Os nossos tempos cultuam mais a técnica do que os valores, sobretudo os da paz, da convivência e da solidariedade.

Luiz Paulo Horta é, portanto, um verdadeiro humanista. Carioca, publicou livros sobre música, em especial a obra de Villa-Lobos, de quem é considerado profundo conhecedor. Membro da Academia de Música desde 1994, ele também dirigiu a publicação do Dicionário de Música Zahar. Nos anos de 1980, fundou e dirigiu a seção de música do Museu de Arte Moderna do Rio.

Parabéns, portanto, à Casa de Machado de Assis e ao Professor Luiz Paulo Horta!

A Academia Brasileira de Letras prossegue comemorando o centenário de nascimento de Guimarães Rosa e o centenário da morte de Machado de Assis.

Sr. Presidente, são essas as palavras que gostaria de pronunciar nesta tarde em que celebramos efemérides tão significativas para a vida cultural, especialmente literária, e, por que não dizer, para a vida política também de nossa Nação.

Muito obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/2008 - Página 34452