Discurso durante a 153ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre o planejamento urbano e o desenvolvimento sustentável.

Autor
João Durval (PDT - Partido Democrático Trabalhista/BA)
Nome completo: João Durval Carneiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA URBANA.:
  • Reflexão sobre o planejamento urbano e o desenvolvimento sustentável.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/2008 - Página 34473
Assunto
Outros > POLITICA URBANA.
Indexação
  • OPORTUNIDADE, ELEIÇÃO MUNICIPAL, NECESSIDADE, DEBATE, PLANEJAMENTO URBANO, DIFICULDADE, PREFEITO, BUSCA, SOLUÇÃO, TRANSPORTE, SANEAMENTO, HABITAÇÃO, SAUDE, COMENTARIO, EXPERIENCIA, MELHORIA, URBANIZAÇÃO, CONCILIAÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, CRESCIMENTO, REGISTRO, PARTE, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEFINIÇÃO, POLITICA URBANA, ORIGEM, EMENDA, AÇÃO POPULAR, CONCLAMAÇÃO, CANDIDATO ELEITO, COMPROMISSO, BEM ESTAR SOCIAL.

            O SR. JOÃO DURVAL (PDT - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Marco Maciel, hoje falo desta tribuna com muita satisfação, notadamente por vê-lo presidindo esta sessão e por tudo o mais de que me lembro da sua vida pública, como os cargos que V. Exª tão bem exerceu neste País e em seu Estado, Pernambuco.

            O SR. PRESIDENTE (Marco Maciel. DEM - PE) - Agradeço a V. Exª.

            O SR. JOÃO DURVAL (PDT - BA) - Sr. Presidente, teremos eleições municipais no dia 5 de outubro; eleição para Prefeitos e Vereadores. Entendo ser oportuno fazer este discurso já que mais de cinco mil Prefeitos neste País serão eleitos no próximo dia 5 de outubro. Este discurso, na verdade, é dirigido a eles.

            O aumento vertiginoso da população mundial e a sua concentração em espaços urbanos criaram um enorme desafio para as sociedades: preservar harmonia e qualidade de vida para as pessoas aglomeradas em cidades cada vez maiores, mais populosas e mais verticalizadas.

            No Brasil, a rápida migração do campo para a cidade, onde hoje vive mais de 80% da população brasileira, só fez agravar os problemas com que se defrontam os administradores públicos e os especialistas em planejamento urbano.

            A crônica falta de recursos das municipalidades e a histórica desatenção para com o aparato de serviços públicos, como transportes, saneamento, ocupação predial ou atenção à saúde, tornam muito difícil para os atuais prefeitos reverter quadros complexos como os que apresentam nossas cidades.

            Metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro são hoje verdadeiros criadouros de conflitos, por falta de ordenamento urbano e qualidade de vida. Regiões metropolitanas, como Salvador, capital de meu Estado, que concentra mais de 25% do povo baiano, têm seus problemas agravados a cada ano que passa, aumentando as dificuldades para implantar um planejamento urbano eficaz.

            Sr. Presidente, as cidades dos países mais desenvolvidos já executam programas de ordenamento urbano desde o século XIX. O caso mais célebre é o de Paris sob a administração do Prefeito Haussmann, que revolucionou o urbanismo da Cidade Luz, transformando-a na belíssima metrópole que é hoje.

            O que fez Haussmann? Reuniu os melhores arquitetos e urbanistas de sua época e solicitou um plano que desse a Paris um caráter humano, tornando-a uma cidade saudável e prazerosa, acessível e segura. O resultado é, até hoje, celebrado pelo mundo todo.

            O gênio, a inventividade e a perspectiva humanista podem fazer milagres por cidades que, nascidas espontaneamente, necessitam ser reordenadas de modo a assegurar salubridade e bem-estar a populações cada vez mais numerosas e exigentes de bons serviços e qualidade de vida.

            Quando um administrador público tem a felicidade de administrar uma cidade planejada, sua tarefa é bem facilitada. Todavia, cidades planejadas, nascidas do nada, a partir da iniciativa de um visionário, são minoria no mundo atual - Brasília é um desses exemplos. Tais cidades tendem a crescer em número, à medida que novos espaços são incorporados pelas sociedades em crescimento, mas ainda são poucas.

            No Brasil, são consideradas como cidades planejadas: Teresina, fundada em 1851; Aracaju, 1858; Belo Horizonte, 1898; Goiânia, 1937; Brasília, 1960; e Palmas, 1990. Todavia, apesar do planejamento prévio, o crescimento acelerado não acompanha as previsões do projeto. E esse é o grande desafio de todo profissional que lida com o urbanismo: o ser humano não é previsível, nem muito menos domesticável, de modo a se conformar com um plano predeterminado e nele não interferir. Há que haver contínuo processo de adaptação às novas condições de associação urbana.

            Sr. Presidente, o arquiteto Jaime Lerner, ex-Prefeito de Curitiba e ex-Governador do Paraná, já demonstrou como se pode lançar mão de projetos criativos para sanar ou, pelo menos, minimizar os problemas das metrópoles brasileiras.

            O grande desafio que se coloca para nós é que soluções que funcionam bem em Curitiba não necessariamente serão eficazes em Manaus. Além das diferenças geográficas, há as diferenças culturais da população e que contam tanto ou mais que as da simples geografia.

            O Brasil tem um enorme e estimulante desafio para seu futuro imediato: resgatar a qualidade de vida de suas cidades, mas convivendo com o crescimento acelerado.

            O chamamento a administradores responsáveis e criativos e a urbanistas competentes e inspirados é uma urgência das populações urbanas de norte a sul do País.

            Não faltam exemplos, mundo afora, de intervenções brilhantes em cidades que rapidamente se deterioravam. Alguns são notórios, como o de Barcelona, pós-Olímpíada; como o das margens do Rio da Prata em Puerto Madero, em Buenos Aires; como o dos cais na Ilha de Manhattan, em Nova Iorque; como o de outras cidades norte-americanas; como o da remodelagem do centro de Londres e o da limpeza do rio Tâmisa; e assim por diante.

            No Brasil, há experiências boas também. Curitiba é o exemplo mais celebrado, pelo impacto inovador que teve num País onde planejamento urbano só combinava com cidade nova, começada do zero. Havia, até então, o esquecimento de que cidades antigas precisam, ainda mais, de quem as cuide e renove.

            Sr. Presidente, quando fui Prefeito de Feira de Santana, na década de 1960, a preocupação com a qualidade de vida de meus munícipes me fez encomendar um Plano de Desenvolvimento Integrado para o Município, com vistas a prepará-lo para o futuro que se apresentava. Esse meu exemplo, já antigo de quatro décadas, serviu para motivar outras dezenas de localidades no Brasil afora a fazerem o mesmo. Iniciava-se, então, o movimento de planejamento urbano, do qual Brasília foi a quinta-essência da época.

            O Brasil urbano de hoje demanda, urgentemente, atitudes corajosas de combate ao desenvolvimento desordenado e desumanizado de nossas cidades. O permanente estado de tensão e conflito armado em que vive o Rio de Janeiro é o exemplo mais contundente da urgência da intervenção profunda e radical em nossas urbes, para lhes dar uma face mais humana.

            O resgate do sítio do Pelourinho em Salvador, na Bahia, ou a recuperação de Tiradentes, em Minas Gerais, são amostras de como se pode atuar em cidades de qualquer porte.

            A construção de Palmas, no Tocantins, é exemplo de que se podem construir novas cidades com um mínimo de sentido humanista.

            Sr. Presidente, o Brasil tem, em sua tradição urbanística, grandes nomes e feitos notáveis. Falta-nos a noção de responsabilidade social perante os citadinos deste País para iniciar um trabalho em escala nacional de resgate de nossas cidades: das grandes, antes que se tornem inabitáveis; das médias, antes que se tornem inadministráveis; e das pequenas, para que não incorram nos erros das demais.

            Somos conhecidos por nossa afabilidade. Devemos, então, fazê-la transbordar para nossas cidades, dando-lhes o caráter humano com que sabiamente construímos nossas relações pessoais.

            Minha experiência de administrador público, como Prefeito de Feira de Santana e como Governador do Estado da Bahia, demonstra-me, claramente, que podemos conciliar desenvolvimento acelerado e qualidade de vida urbana. Basta, tão-somente, planejar, executar com rigor o planejado e manter acuidade na atenção às demandas das populações urbanas.

            Este mês de agosto nos revelou um grande exemplo de remodelagem urbana, com a nova Pequim, que os chineses prepararam para mostrar ao mundo durante os Jogos Olímpicos deste ano.

            O Rio de Janeiro viveu, em escala reduzida, “o efeito jogos esportivos” sobre seu urbanismo, com os Jogos Pan-Americanos de 2007.

            Não precisamos esperar eventos mediáticos para agir sobre nossas cidades, mas podemos pegá-los como exemplo para intervir em favor de nossos concidadãos.

            Sr. Presidente, investir em ordenamento urbano deverá ser uma das prioridades máximas do Brasil das próximas duas ou três décadas, se quisermos conciliar desenvolvimento econômico com bem-estar social, como fizeram europeus e norte-americanos no século passado.

            A importância e complexidade dessa questão pode ser vista pelos debates que suscitou na elaboração da Constituição Federal de 1988. Inscrever o Capítulo da Política Urbana, consubstanciado no art. 182, foi uma construção laboriosa que envolveu acordo pluripartidário.

            Na verdade, o grande debate começou com uma iniciativa de emenda popular, mecanismo de extrema felicidade adotado no processo constituinte de 1988. Das 122 emendas populares apresentadas, totalizando 12 milhões de assinaturas, apenas 83 foram aceitas, entre elas a Emenda Popular da Reforma Urbana.

            A Emenda Popular nº 63, de 1987, como ficou oficialmente registrada, obteve 131 mil assinaturas, sob a responsabilidade formal da Federação Nacional dos Engenheiros, da Federação Nacional dos Arquitetos e do Instituto de Arquitetos do Brasil, mas também sob a organização da Articulação Nacional do Solo Urbano, da Coordenação dos Mutuários do BNH e do Movimento em Defesa do Favelado, “além de 48 associações locais ou regionais”, tendo por primeira signatária Nazaré Fonseca dos Santos.

            O texto final, que prevaleceu em nossa Carta Magna, não segue a proposta original da Emenda Popular. Todavia, a semente plantada pela iniciativa frutificou e deixou marcada no ordenamento jurídico nacional a necessidade de planejar e de cuidar das cidades brasileiras.

            Temos, pois, leis que podem servir de balizamento para a humanização de nossas cidades. Temos experiências de intervenções bem- sucedidas. Temos capacidade técnica para atuar. Falta-nos apenas consolidar a cultura do cuidado com a vida urbana para bem atender ao povo brasileiro. É essa atitude que esperamos dos novos prefeitos que assumirão em janeiro próximo.

            Era o que eu tinha dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador João Durval, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. JOÃO DURVAL (PDT - BA) - Pois não.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador João Durval, acompanhava aqui seu pronunciamento e não tinha como não cumprimentá-lo.

            O SR. JOÃO DURVAL (PDT - BA) - Muito obrigado.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - V. Exª faz um planejamento com um olhar no futuro; faz um pronunciamento, lembrando inúmeras cidades do nosso País que tiveram a preocupação com o planejamento urbano. V. Exª lembra que é fundamental que tenhamos também responsabilidade social. V. Exª fala também do desenvolvimento sustentável com olhar na questão do meio ambiente. V. Exª fala também da questão do trânsito. O não-planejamento é que fez com que, infelizmente, grandes centros urbanos neste País ficassem inviáveis. Investimos muito na questão do automóvel e, no meu entendimento, erramos. Apostamos na via rodoviária e, conseqüentemente, não privilegiamos o sistema de metrô, de trens, o que poderia fazer com que o País estivesse em outro momento. Por fim, V. Exª fala da violência nos grandes centros - é preciso também aprofundar esse debate -, como também de cidades com olhar humanitário. Teria de cumprimentá-lo neste aparte. V. Exª fez um longo pronunciamento muito bem elaborado, que demonstra que os Prefeitos - estamos participando da disputa eleitoral, tão importante, neste momento histórico - devem apresentar efetivamente um olhar humanitário para todas as cidades, com essas preocupações, inclusive no campo específico, diria aqui, como V. Exª lembrou, da habitação popular. Nós, que estamos viajando, percebemos que as favelas existem aos milhões, e isso nos preocupa. É claro que principalmente a Caixa Econômica Federal (CEF) está fazendo um trabalho belíssimo nessa área. Lembro-me do Ministro das Cidades, Olívio Dutra, que muito trabalhou aqui, e da emenda popular para criar o Fundo de Habitação. Mas queria cumprimentá-lo por seu pronunciamento, que caiu no momento certo. Acho que os prefeitos candidatos que ouvirem seu pronunciamento, com certeza, vão olhar com carinho sua fala, para o debate municipal que está acontecendo em todo o País. Parabéns a V. Exª!

            O SR. JOÃO DURVAL (PDT - BA) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim. Fiquei profundamente sensibilizado com seu aparte.

            Peço à Mesa que faça incorporar ao meu discurso o aparte do Senador Paulo Paim.

Muito obrigado, Sr. Presidente Marco Maciel.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/2008 - Página 34473