Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Cumprimentos ao Jornal do Senado por sua circulação em papel reciclado e pela matéria a respeito dos reciclados. Expectativa com relação à demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Cumprimentos ao Jornal do Senado por sua circulação em papel reciclado e pela matéria a respeito dos reciclados. Expectativa com relação à demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2008 - Página 34693
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ELOGIO, INICIATIVA, SENADO, IMPRESSÃO, JORNAL, JORNAL DO SENADO, DISTRITO FEDERAL (DF), PAPEL, RECICLAGEM, ARTIGO DE IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, DADOS, UTILIZAÇÃO, MATERIAL USADO, REDUÇÃO, PERDA, BENEFICIO, MEIO AMBIENTE.
  • EXPECTATIVA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), METODO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DESCRIÇÃO, HISTORIA, TRAMITAÇÃO, MATERIA, DIVERSIDADE, DELIBERAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OBRIGATORIEDADE, GOVERNO, PROTEÇÃO, TERRAS, TRADIÇÃO, OCUPAÇÃO, INDIO.
  • ESCLARECIMENTOS, INEXATIDÃO, ALEGAÇÕES, CIDADÃO, OPOSIÇÃO, MANUTENÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, RISCOS, SOBERANIA NACIONAL, TERRAS INDIGENAS, FAIXA DE FRONTEIRA, IMPOSSIBILIDADE, INTERVENÇÃO, FORÇAS ARMADAS, REGIÃO, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, ESTADO DE RORAIMA (RR), EXCESSO, TERRITORIOS FEDERAIS.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO, DECRETO FEDERAL, LEGALIDADE, ATIVIDADE, FORÇAS ARMADAS, POLICIA FEDERAL, TERRAS INDIGENAS, BRASIL.
  • COMENTARIO, AUSENCIA, AMEAÇA, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, ESTADO DE RORAIMA (RR), DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA.
  • IMPORTANCIA, PROTEÇÃO, DIREITOS, INDIO, CUMPRIMENTO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AUSENCIA, RISCOS, PREJUIZO, BRASIL.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Senador Mão Santa. Só quero fazer uma breve correção aqui: sou do Estado do Acre, ainda que seja motivo de orgulho, também, ser configurada como Senadora pelo Estado do Amazonas.

Em primeiro lugar, Sr. Presidente, quero aproveitar a oportunidade e a generosidade de V. Exª, com relação ao tempo que me faculta, para cumprimentar o Senado Federal pela decisão tomada por sua equipe de jornalismo (aqui do nosso jornal) de fazer uso do papel reciclado em sua edição semanal, bem como pela matéria sobre uso de materiais reciclados no Brasil.

A reportagem traz um conjunto de dados - depois os passarei à nossa Taquigrafia - e afirma que, atualmente, a reciclagem atinge cerca de 12% do lixo urbano, calculado em 61,5 milhões de toneladas por ano. É verdade, também, a afirmação do jornal de que esses números poderiam ser - digamos assim - bem maiores se nós tivéssemos condições de ter, enfim, o alcance de todo o resíduo que se produz em nosso País.

De sorte que quero parabenizar a decisão do uso do papel reciclado como uma forma de dar uma contribuição ao uso adequado do papel, para evitarmos o desperdício de algo que, sem sombra de dúvida, acaba prejudicando o meio ambiente.

O que me traz a esta tribuna, Sr. Presidente, é o tema que, durante vários meses, temos debatido amiúde aqui no Congresso Nacional e vem sendo debatido por toda a sociedade brasileira. Trata-se da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. Amanhã, vamos ter uma importante decisão do Supremo. E há, sem sombra de dúvida, uma expectativa muito grande de que essa questão possa ser resolvida da melhor forma possível. E uma resolução da melhor forma possível, numa democracia, é aquela capaz de respeitar as leis estabelecidas dentro do Estado de direito, respeitar a vontade dos constituintes e de toda a lei infraconstitucional, que, a partir da promulgação da Constituição, derivou desta Carta Maior.

Então, esperamos por uma decisão que seja justa e coerente com os processos históricos que o Brasil vem assumindo no decorrer da sua história, sobretudo nos anos recentes, em que assumiu uma posição de reparo para com a imensa dívida social, cultural, moral e ética que tem com os povos indígenas.

Eu vou procurar fazer aqui, Sr. Presidente, um rápido histórico do caso em termos jurídicos, ainda que não seja essa a minha competência, mas me valendo daquilo que são os levantamentos feitos pelas pessoas que acompanham juridicamente o caso. Gostaria de tecer alguns comentários para que possamos ter uma cronologia dos fatos e, ao mesmo tempo, uma espécie de rápida historiografia do que aconteceu em relação à Raposa Serra do Sol, envolvendo desde os aspectos técnicos até os aspectos de demarcação e homologação da terra em área contínua.

A Funai iniciou o processo de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol em 1977, e a terra foi delimitada em 1993. Com a expedição do Decreto nº 1.775/96, a terra, que já estava delimitada desde 1993, foi colocada em contestação administrativa.

O Estado de Roraima, o Município de Normandia, fazendeiros e até uma mineradora apresentaram 46 contestações, todas rechaçadas pelo Ministério da Justiça, através do Despacho nº 80/96.

O Ministro Nelson Jobim, contudo, determinou à Funai “ajustes” que excluíam áreas tituladas pelo Incra, vilas, sedes de Municípios e fruição indígena sobre as vias públicas. Por carecer de base legal e sob forte pressão de lideranças indígenas, o Despacho não foi cumprido.

O processo administrativo foi submetido a pareceres jurídicos do Ministério Público Federal, da Advocacia-Geral da União e do Ministério da Defesa sobre a questão da demarcação em faixa de fronteira. Foram ouvidos também todos os possíveis interessados.

Não restando dúvida sobre a ocupação tradicional dos índios e a harmonia entre princípios constitucionais, o Ministro da Justiça assinou a Portaria nº 820, de 14 de novembro de 1998, que declarou a terra como posse permanente indígena.

O Governo de Roraima, porém, impetrou um mandado de segurança, em que foi deferida uma liminar que suspendia parcialmente os efeitos daquela portaria, impedindo a homologação da demarcação e adiando a conclusão do processo de reconhecimento da terra indígena.

Em abril de 2005, o Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos assinou a Portaria nº 534, revogando a Portaria nº 820, de 1998, que havia estabelecido a demarcação da terra indígena e que estava sendo questionada judicialmente.

Em seguida, fez uma outra portaria demarcando de forma correta, portanto, eliminando o motivo da contestação. Assim, o Presidente Lula assinou o decreto de homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, que já não tinha mais o questionamento legal.

Essa homologação, Sr. Presidente, só foi possível porque, logo após a assinatura da nova portaria, o Supremo Tribunal Federal extinguiu, por decisão unânime de seu Plenário, todos os processos e liminares que questionavam a referida demarcação baseada na portaria anterior.

            Apesar do decreto de homologação da demarcação, foram concedidas medidas liminares pela Justiça Federal de 1ª Instância em Roraima, que impediam a continuação da retirada de ocupantes não-índios pela Funai.

Em junho de 2006, por decisão majoritária, o Supremo Tribunal Federal se considerou competente para julgar todas as ações que questionem a demarcação da terra indígena, estancando as liminares concedidas que impediam a finalização da retirada dos não-índios, avocando para si a competência exclusiva sobre a matéria.

            Esse histórico, Sr. Presidente, tem o objetivo de mostrar que essa questão tem toda uma genealogia do ponto de vista dos procedimentos que levou à demarcação, levou o Presidente Lula a fazer a homologação, fazendo justiça ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, que fez a demarcação em área contínua. O Presidente Lula fez a homologação a partir de todo esse histórico que já mencionei. Mesmo assim, um conjunto de questionamentos foram feitos, e o Governo de Roraima...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª por aquela prorrogação do tempo que V. Exª já tinha anunciado de uma forma tão animadora e dou continuidade ao meu pronunciamento.

Foi feito um questionamento judicial pelo Governo de Roraima, e agora nós teremos a decisão do Supremo, que, como já disse, espero possa acontecer em benefício da justiça e do respeito à legislação brasileira, principalmente à nossa Constituição Federal, no seu art. 231, que reconhece os índios, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e reconhece também os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar os seus bens.

É isto que está em questão: o cumprimento do art. 231, da Constituição Federal, que foi feito a muitas mãos, inclusive com o apoio de pessoas que, devo reconhecer aqui, têm uma posição política diferente da minha, mas que foram fundamentais para a aprovação desse artigo, como foi o Senador Jarbas Passarinho.

O questionamento que tem sido feito tem várias naturezas e várias fontes de dúvida, que são colocadas para essa homologação. O primeiro deles, Sr. Presidente, é a interrogação sobre se há risco para a soberania do País, no caso da demarcação de terra indígena em faixa de fronteira. Essa é uma questão que o tempo todo, Senador Paim, Senador João Pedro, é colocada por algumas pessoas, por alguns segmentos do Governo de Roraima, e pelo próprio Governo.

A resposta de juristas que acompanham o caso e que têm a compreensão de que não se está ferindo nenhum preceito legal nem constitucional é de que não há risco algum para a soberania do País no caso de terras indígenas reconhecidas em faixa de fronteira. A demarcação das terras, como dissemos, não muda em nada a situação existente.

Portanto, se não havia risco antes, continua não havendo. Até porque, em muitas regiões, a única presença que assegura a nossa soberania, a nossa identidade, a nossa língua, a nossa presença é a presença dos índios.

Outro questionamento: há incompatibilidade entre a defesa do território e a demarcação de terras indígenas de ocupação tradicional? A resposta a essa indagação (e às vezes a essa acusação) é de que não há incompatibilidade alguma entre a defesa do território e a ocupação tradicional indígena, nem existe qualquer restrição constitucional ou legal para a atuação das Forças Armadas em território indígena, demarcado ou não, em faixa de fronteira.

Outro questionamento: se existe alguma restrição constitucional ou legal para a atuação das Forças Armadas nas terras indígenas demarcadas em faixa de fronteira. Isso a gente ouve com freqüência. O Decreto nº 4.412, de dezembro de 2002, define essa questão. Ao contrário do que se diz, existem normas claras e precisas assegurando o exercício de atribuições constitucionais e legais das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, compreendendo os seguintes aspectos:

         I - a liberdade de trânsito e acesso, por via aquática, aérea ou terrestre, de militares e policiais para a realização de deslocamentos, estacionamentos, patrulhamento, policiamento e demais operações ou atividades relacionadas à segurança e integridade do território nacional, à garantia da lei e da ordem e à segurança pública.

            Ainda em relação a essa indagação sobre se há incompatibilidade entre a ocupação tradicional indígena e a presença das Forças Armadas para garantir a integridade, diz o Decreto que as Forças constitucionalmente estabelecidas têm o direito de fazer:

         - a instalação e manutenção de unidades militares e policiais, de equipamentos para fiscalização e apoio à navegação aérea e marítima, bem como das vias de acesso e demais medidas de infra-estrutura logística necessárias [para os deslocamentos e as atividades de defesa].

         - a implantação de programas e projetos de controle e proteção da fronteira. [É o que dispõe o art. 1º do referido Decreto, em relação a essa questão].

O art. 2º e seu parágrafo único estatuem o seguinte:

         As Forças Armadas, por meio do Ministério da Defesa, e a Polícia Federal, por meio do Ministério da Justiça, ressalvada a hipótese prevista no art. 3º-A deste decreto, deverão encaminhar previamente à Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional plano de trabalho relativo à instalação de unidades militares e policiais, referido no inciso II do art. 1º, com as especificações seguintes [de acordo com a redação do Decreto nº 6.513, de 2008]:

         I - localização;

         II - justificativa;

         III - construções, com indicação da área a ser edificada;

         IV - período, em se tratando da instalações temporárias;

         V - contingente ou efetivo [que vai ocupar aquela área].

         Parágrafo único. A Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional poderá solicitar manifestação da Funai acerca de eventuais impactos em relação às comunidades indígenas das localidades objeto das instalações militares e policiais.

Essas providências junto à Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional e da Funai são dispensadas no caso do art. 3º-A, assim redigido:

         O Comando do Exército deverá instalar unidades militares permanentes, além das já existentes, nas terras indígenas situadas em faixa de fronteira, conforme plano de trabalho elaborado pelo Comando do Exército e submetido pelo Ministério da Defesa à aprovação do Presidente da República [incluído pelo Decreto no 6.513, de 2008].

Falo agora a respeito de um último questionamento, Sr. Presidente, e já aqui agradecendo sua compreensão, porque o tema é deveras complexo, e eu vi que V. Exª foi bastante acolhedor com o Senador que me antecedeu e que discursou sobre problemas em relação à reforma política. Pois bem, questiona-se, por último, se a existência de áreas indígenas em Roraima, que ocupam 40% do território estadual, compromete a existência do ente federado, e se, nesse caso, há conflito federativo.

O questionamento feito por muitas autoridades de Roraima é de que o Estado de Roraima sofre uma espécie de intervenção do Governo Federal, à medida que cerca de 46% do seu território seria da União, porque são terras indígenas, e terras indígenas são de domínio da União, com usufruto das comunidades indígenas sobre seus territórios ocupados.

As terras indígenas em Roraima, que ocupam 46% do território estadual, não comprometem a existência do ente federado. Primeiro porque essa situação já existia antes da criação do Estado de Roraima, senão antes mesmo da formação da Federação brasileira. Se os índios já ocupavam tradicionalmente aquelas terras, e a Constituição lhes garantia e garante a posse permanente, como terras de domínio da União, essa é uma circunstância de fato e de direito que não comporta solução diversa da que teve, quaisquer que sejam as suas conseqüências em relação àquela unidade federada.

Na verdade, não compromete a existência do Estado de Roraima porque os demais 54%, cerca de 121 mil km2, têm grande potencial econômico e comportam muito bem a sua população de 324,3 mil habitantes, o que dá uma densidade demográfica baixíssima, em torno de 0,57 habitantes/km2.

A área restante ainda é maior do que diversos Estados brasileiros, como é o caso de Sergipe, que tem 21.910 km2; Alagoas, que tem 27.767 km2, e outros exemplos que me abstenho de citar aqui para ganhar tempo.

            Dizer que o Estado é inviável por causa da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol é o mesmo que dar argumento e fundamento para que o Estado volte à condição de território.

O signatário desse parecer pensa o contrário do que vem sendo dito em relação a toda essa polêmica de que a demarcação de Raposa Serra do Sol fere a autonomia que as Forças Armadas têm de proteger as nossas fronteiras, de assegurar a defesa do nosso território e de que essa demarcação significa certa incompatibilidade com o princípio federativo de autonomia dos Estados em relação aos seus territórios.

Eu quero concluir, Sr. Presidente - mais uma vez agradecendo por sua tolerância -, dizendo que, em todo esse polêmico debate em relação às terras indígenas, nós temos procurado, com muito esforço e sabedoria, dar conta do imenso dever que tem o Estado brasileiro para com essas populações. E o Congresso Nacional fez a sua parte durante a Assembléia Nacional Constituinte, quando estabeleceu, no art. 231 da Constituição Federal, o direito das populações indígenas sobre os seus territórios originariamente ocupados, o direito à reprodução da sua cultura, da sua economia e das suas práticas espirituais de acordo com a sua cosmovisão. A partir daí, tivemos um conjunto de leis que foram fazendo o regramento desse preceito constitucional.

O Poder Executivo, apesar das dificuldades e apesar de ter ainda uma imensa dívida a cumprir com a implementação da legislação sobre as populações indígenas, também vem fazendo progressivamente a sua parte, inclusive perpassando diferentes governos.

Devo dizer, Sr. Presidente, que agora temos esse imenso desafio na mão do Supremo, e espero que se manifeste da mesma forma que o Congresso e o Executivo, que vêm fazendo uma reparação social, cultural, política e ética a esse povo.

Quando os portugueses chegaram aqui, os índios eram cinco milhões de pessoas, e os que chegaram aqui eram 12 mil. Os 12 mil se transformaram em 190 milhões, e os cinco milhões se transformaram em 500 mil. Mesmo assim, ainda há quem diga que existe muita terra para pouco índio; ainda há quem advogue que esses 500 mil que nos restam não têm o direito sobre os seus territórios originariamente ocupados e devem ser demarcados em ilhas para que também os brancos, que são 190 milhões, continuem ocupando indevidamente os seus territórios já reconhecidos pela Constituição.

É claro que eu tenho absoluta certeza de que as autoridades judiciais têm todo o conhecimento, toda a competência e capacidade de fazer a mediação desse conflito, porque é o papel dos Poderes instituídos de acordo com a nossa legislação, mediante o Estado de direito, que a duras penas fomos capazes de viabilizar. Eles têm a capacidade e a competência de reparar toda e qualquer dúvida, de desfazer todo e qualquer mal-entendido em relação aos direitos desses cerca de 500 mil seres humanos que eram cinco milhões há 500 anos. E os portugueses, que eram 12 mil, hoje são mais de 190 milhões. Não tem qualquer cabimento os 190 milhões se sentirem ameaçados pelos 500 mil. Com todo o conhecimento, com toda a tecnologia existentes, não há a menor condição.

Mas uma das razões por que tenho absoluta certeza de que não tem cabimento se sentir ameaçado pelos 500 mil indígenas que existem no Brasil é o fato de que eles são brasileiros. Eles são o nosso povo, e nós somos povo brasileiro igual a eles. Eles têm um sentimento de “pertencimento” fantástico em relação à nossa cultura e à nossa identidade nacional. O que falta é termos o mesmo sentimento de “pertencimento” às nossas raízes mais originárias, àquilo que nos identifica como únicos e que, muitas vezes, exibimos com orgulho quando estamos fora do Brasil, mas que, quando estamos aqui, na maioria das vezes, parece que, por força de alguns interesses, gostaríamos de não os ter fazendo parte da nossa diversidade social, cultural.

E eu não tenho dúvida de que o Brasil é Brasil pela sua diversidade cultural; é Brasil pela sua raiz negra; é Brasil pela sua raiz indígena e quilombola; é Brasil pela sua raiz portuguesa, que tem que aprender a viver e a conviver com essa diversidade, sustentando os direitos do diferente, para que possamos nos tornar um só povo, uma só raça, o povo brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2008 - Página 34693