Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância da decisão do Supremo Tribunal Federal, marcada para amanhã, a respeito da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Importância da decisão do Supremo Tribunal Federal, marcada para amanhã, a respeito da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2008 - Página 34937
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • EXPECTATIVA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVERGENCIA, OPINIÃO, MANUTENÇÃO, AREA, TERRAS INDIGENAS.
  • LEITURA, FUNDAMENTAÇÃO, JURISTA, DEFESA, MANUTENÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, MOTIVO, NECESSIDADE, PROTEÇÃO, DIREITOS, INDIO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SUPERIORIDADE, IMPORTANCIA, GRUPO INDIGENA, EXCESSO, EXTENSÃO, TERRAS, PRESERVAÇÃO, TRADIÇÃO, ADVERTENCIA, RISCOS, PARECER CONTRARIO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), POSSIBILIDADE, ANULAÇÃO, ALTERAÇÃO, RESERVA INDIGENA, PROVOCAÇÃO, CONFLITO, CRITICA, CONDUTA, AUTORIDADE, SETOR, ACUSAÇÃO, APOIO, GRILAGEM, PREJUIZO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO, RESPEITO, DIVERGENCIA, POSIÇÃO, CONGRESSISTA, ESPECIFICAÇÃO, AUGUSTO BOTELHO, SENADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DEFESA, IMPORTANCIA, DEBATE, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TEXTO, DIVERSIDADE, ESPECIALISTA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, amanhã, a partir das 9h, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá uma das reuniões de maior importância na sua história. O STF tem tomado decisões de extraordinária relevância. A última delas, inclusive, tocou-nos de perto: não podem mais os responsáveis por cargos públicos, no Poder Executivo, no Poder Judiciário e no Congresso Nacional, designar parentes. É uma decisão relativa ao nepotismo. Muitas decisões importantes também ocorreram no que se refere à reforma política e às eleições. Mas, amanhã, haverá decisão sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, se ela será feita ou não em área contínua.

Nesse último sábado, a Folha de S.Paulo publicou dois artigos de eminentes conhecedores desse tema - um é jurista; o outro, filósofo. Quando perguntado se o STF deve manter a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol em área contínua, o Professor Denis Lerrer Rosenfield opinou que não. Na avaliação dele, a Constituição seria violada. Ele abre seu artigo, dizendo que a Constituição não pode ficar à mercê de um Poder Executivo que, exorbitando de suas funções, se apropria de funções legislativas e mesmo jurídicas.

Em verdade, quero aqui expressar minha avaliação, segundo a qual constitui atribuição constitucional do Presidente da República delimitar áreas de reservas indígenas. Cabe a Sua Excelência fazê-lo. Quando houve, por exemplo, durante o Governo do Presidente Fernando Collor de Mello, a delimitação da área Yanomami - sim, é verdade que as características da área Yanomami e da área Raposa Serra do Sol são de natureza diferente -, a atribuição foi adequada e correta. É possível que, hoje, as pessoas tenham outra opinião a respeito.

O Professor Dalmo de Abreu Dallari respondeu “sim” à pergunta se o STF deve manter a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol em área contínua. São estes os argumentos apresentados pelo Professor Dalmo de Abreu Dallari:

Para os índios brasileiros, a terra não é um valor econômico, mas um bem essencial para sua sobrevivência. Isso é muito diferente da concepção dos que invadem áreas indígenas visando aumentar o patrimônio sem pagar pelas terras de que se apossam ilegalmente, sem consideração de ordem ética e sem respeito pela vida e pela dignidade dos seres humanos que são os índios.

Para indignação dos brasileiros que respeitam a Constituição e os princípios e as normas nela consagrados, autoridades públicas que deveriam ser um padrão de dignidade e honestidade acobertam e auxiliam os grileiros das terras indígenas, simulando preocupação com o Direito, a Justiça e a soberania nacional, mas, na realidade, colaborando para a espoliação do patrimônio público e a consumação de inconstitucionalidades.

Foi com a colaboração de autoridades públicas que invasores de áreas indígenas criaram por lei estadual falsos municípios, sem existência legal, pois não foram cumpridas as exigências expressas no art. 18 da Constituição para a criação de municípios.

Uma vez mais, o Supremo Tribunal Federal deverá tomar uma decisão em ação judicial movida com o propósito de anular a demarcação de área indígena feita com absoluta regularidade, apoiada em laudo antropológico e rigorosamente dentro da lei.

Trata-se do caso da área indígena Raposa/Serra do Sol, vizinha ao Estado de Roraima, há séculos ocupada por etnias indígenas. A decisão que for tomada poderá ter o efeito gravíssimo de anular todas as demarcações de áreas indígenas feitas até hoje com rigor técnico e estrita obediência a regras constitucionais e legais.

Se isso ocorrer, haverá muitos conflitos, e as conseqüências poderão ser gravíssimas, dando margem à acusação, já feita anteriormente, de que, no Brasil, se pratica o genocídio indireto.

Se o STF cumprir sua função de guarda da Constituição, isso será evitado.

Antes de tudo, dispõe a Constituição, no art. 20, inciso XI, que são bens da União “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”.

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Peço-lhe só dois minutos, Sr. Presidente.

No art. 231, são fixadas duas normas fundamentais relativamente a essas terras que são de propriedade da União.

O parágrafo primeiro do art. 231 deixa claro o sentido dessa ocupação: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. O parágrafo segundo dispõe: “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

Como fica mais do que óbvio, a ocupação indígena não se limita aos agrupamentos das habitações em que dormem, mas abrange toda a área onde os índios obtêm o indispensável para sua sobrevivência digna, colhendo os frutos da natureza, plantando, criando gado ou pescando, dependendo das condições de cada região.

Além disso, é na área circundante às habitações que o índio identifica, colhe e utiliza plantas medicinais, bem como o material necessário à edificação das casas e à fabricação de roupas, utensílios, enfeites e objetos destinados aos seus rituais, como também suas armas. Ainda mais, é nesse espaço circundante que eles enterram os seus mortos, pelos quais têm grande respeito e veneração.

Por tudo isso, a demarcação das terras indígenas é, necessariamente, de áreas contínuas, em rigorosa obediência à norma constitucional que define como indígenas todas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, não havendo um só caso de ocupação de “ilhas”, deixando intervalos vagos, sem ocupação, entre um e outro espaço ocupado por aldeamentos.

Assim sendo, é absurda e inconstitucional a pretensão de anular a demarcação de áreas contínuas, abrindo espaço para que aventureiros sem escrúpulos, agredindo a Constituição, criem barreiras entre as aldeias da mesma etnia.

É claro que há opiniões diversas, divergentes, como as de nossos Senadores de Roraima, inclusive o Senador Augusto Botelho, que é do Partido dos Trabalhadores e que se tem pronunciado de outra maneira: avalia que é importante que se ouçam todos os segmentos da população e os próprios indígenas. Respeito muito seus argumentos e até peço que aqui também conste o artigo do Professor Denis Lerrer Rosenfield, com opinião diversa.

Eu lhe agradeço, Sr. Presidente, e requeiro seja registrada a opinião de Dom Geraldo Lyrio Rocha, de Dom Luiz Soares Vieira e de Dom Dimas Lara Barbosa, que aqui expressam sua solidariedade aos povos da terra indígena Raposa/Serra do Sol, assim como também a nota divulgada ontem pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, ambos no mesmo sentido.

Agradeço-lhe, Sr. Presidente. Muito obrigado.

Confio muito na decisão que será tomada, que vamos respeitar, a partir do próprio Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, que, certamente, conduzirá seu relatório da forma mais adequada, tendo S. Exª feito questão de ouvir todas as partes, todos os segmentos de maneira exemplar.

Muito obrigado.

 

************************************************************************************************DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“Direitos constitucionais dos índios” (Dalmo de Abreu Dallari);

“A Constituição violada” (Denis Lerrer Rosenfield);

“Solidariedade aos povos da terra indígena Raposa Serra do Sol”;

Nota do Movimento Nacional de DDHH (RSS).


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2008 - Página 34937