Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo, a respeito da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. (como Líder)

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Comentários a matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo, a respeito da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. (como Líder)
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2008 - Página 34953
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, AUMENTO, NUMERO, POLICIAL, POLICIA FEDERAL, POLICIA MILITAR, ESTADO DE RORAIMA (RR), PREVISÃO, POSSIBILIDADE, OCORRENCIA, CONFLITO, POSTERIORIDADE, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, DEMONSTRAÇÃO, SITUAÇÃO, TENSÃO SOCIAL, REGIÃO.
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, CAPITAL FEDERAL, MOBILIZAÇÃO, ENTIDADE, INDIO, REGIÃO AMAZONICA, DEFESA, MANUTENÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), SAUDAÇÃO, GARIBALDI ALVES FILHO, PRESIDENTE, SENADO, ELOGIO, PRESENÇA, PLENARIO, ANTERIORIDADE, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
  • DEFESA, NECESSIDADE, AGILIZAÇÃO, DELIBERAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DIVERSIDADE, MATERIA, LIGAÇÃO, INDIO, ESPECIFICAÇÃO, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DIREITOS, GRUPO ETNICO, PROPOSTA, ATIVIDADE, MINERAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • COMENTARIO, HISTORIA, BRASIL, GENOCIDIO, GRUPO ETNICO, INDIO, IMPORTANCIA, DEFESA, GARANTIA, DIREITOS, REGISTRO, DIVERGENCIA, SETOR, GOVERNO, POSIÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srs. Senadores, acatar a ação que questiona a demarcação em terras contínuas é mais do que ferir a Constituição; é abrir as portas para proliferação de conflitos entre etnias indígenas e ocupantes irregulares em todo o território nacional. Seria uma decisão que reforçaria a prática da invasão de terras indígenas por pessoas que se apossam ilegalmente dessas áreas, visando aumentar seus patrimônios, sem consideração de ordem ética e sem respeito pela vida e pela dignidade dos seres humanos que são os índios.

É revoltante presenciar as autoridades que deveriam zelar pela Constituição Federal acobertarem e auxiliarem grileiros das terras indígenas, colaborando para a espoliação do patrimônio público e a consumação de inconstitucionalidades.

Faço minhas as palavras do renomado jurista Dalmo Dallari, às quais também se referiu o Senador Suplicy, quando do seu pronunciamento, no artigo em que afirma por que apoiar a demarcação de terras indígenas de forma contínua, tal qual prevê o art. 231 da Constituição. Ele diz:

(...) a demarcação das terras indígenas é, necessariamente, de áreas contínuas, em rigorosa obediência à norma constitucional que define como indígenas todas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, não havendo um só caso de ocupação de ‘ilhas’, deixando intervalos vagos, sem ocupação, entre um e outro espaço ocupado por aldeamentos.

Essa é a manifestação de um dos mais renomados juristas de nosso País, Dr. Dalmo de Abreu Dallari.

Sr. Presidente Senador Paulo Paim, Senador Suplicy, Senador Romeu Tuma, quero também me referir às matérias publicadas pela imprensa brasileira no dia de hoje e, em particular, à cobertura do jornal O Estado de S.Paulo, que relata o clima existente hoje no Estado de Roraima, quando diz que “Índios aguardam decisão do STF e PF reforça efetivo”. Há um temor de explosão de conflitos a partir de quarta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal julga a demarcação da Raposa Serra do Sol.

O enviado especial do jornal O Estado de S. Paulo faz o relato dizendo que:

As forças de segurança encontram-se em estado de prontidão em Roraima. A Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança reforçaram seus efetivos na área da terra Indígena Raposa Serra do Sol, no norte do Estado, enquanto na capital, Boa Vista, a Polícia Militar decidiu manter 1.500 homens de prontidão. Essa situação é motivada pelo temor de uma explosão de conflitos na Região, a partir de quarta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) se reúne para julgar a questão de demarcação da reserva.

O ponto que desperta maiores cuidados é a Vila Surumum - povoado na entrada da reserva, onde estão se concentrando índios favoráveis à manutenção dos atuais limites das reserva, índios que desejam mudanças e arrozeiros - que lutam para que não serem expulsos do lugar.

O Conselho Indigenista de Roraima (CIR), que lidera o movimento pela demarcação da reserva em área contínua, sem a presença de não-índios em seu interior, pretende reunir mil índios na vila - para acompanharem juntos o debate no STF. Ao lado dos índios, sobre a ponte de acesso à vila, o fazendeiro Paulo César Quartiero, o maior produtor de arroz do Estado, pretende realizar um evento religioso pela manhã.

O arrozeiro, que também é Prefeito de Pacairama, pelo DEM, deverá permanecer na vila com o mesmo propósito dos índios: acompanhar o debate do STF.

A Sociedade dos Índios Unidos de Roraima (Sodiurr), organização menos influente do que o CIR e defensora da permanência de não-indígenas na reserva, também pretende reunir o seu pessoal na vila. É lá que a Força Nacional de Segurança e a polícia devem concentrar boa parte dos seus homens.

Também haverá policiais nas sedes dos municípios envolvidos na polêmica, por estarem dentro da própria reserva: Uiramutã, Pacaraima e Normandia.

A força tem 150 homens na área. Outros cem homens estão de prontidão em Brasília e serão deslocados para Roraima em caso de conflito, segundo o comandante do 2º Batalhão da Força no Estado, major Josias do Nascimento Seabra.

A PF não divulgou informações sobre seu efetivo, mas sabe-se que está sendo reforçado. Em Boa Vista, os órgãos de segurança também se preparam para eventuais conflitos. ‘Se for necessário, vamos agir para manter a paz social’, diz o comandante da PM (...).

A Raposa Serra do Sol foi demarcada em 1998, no governo de Fernando Henrique Cardoso, e homologada em 2005, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tem 1,7 milhão de hectares, onde vivem cerca de 19 mil índios, de cinco etnias.

Em abril, quando a PF chegou à região, para a desintrusão dos arrozeiros, enfrentou uma forte resistência e situações de violência. Foi então que o governador do Estado, José de Anchieta Júnior, recorreu ao STF, pedindo a suspensão das operações, sob risco de derramamento de sangue.

O Supremo acatou o pedido e a ação policial foi paralisada até que seja julgado o mérito das ações que contestam a demarcação. E é isso que começa a ser feito na quarta-feira.

O coordenador do CIR [Conselho Indigenista de Roraima], o índio macuxi Dionito José de Souza, acredita que o Supremo vai manter a demarcação “assegurando o direito dos índios garantido pela Constituição Federal”. Mas se a decisão for pela revisão do processo, ele não descarta a possibilidade de invasão de propriedades dos não-índios. (...)

De outro lado, o presidente da Sodiurr [outra organização], Sílvio da Silva, diz que seu povo está disposto a respeitar a decisão do STF.(...)

Esse relato, Sr. Presidente, feito pelo jornalista Loide Gomes, enviado especial do jornal O Estado de S. Paulo a Roraima, mostra bem o clima com que essa decisão é aguardada.

Lideranças dos povos indígenas, do Conselho Indigenista Missionário e das organizações indígenas da Amazônia brasileira participam de um ato que se realiza neste momento no Teatro Nacional de Brasília, um ato cultural em defesa dessas populações, especialmente em defesa de Raposa Serra do Sol. Estão, de forma muito consciente, aguardando e se manifestando, como farão amanhã na Praça dos Três Poderes para esperar a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Neste momento, Senador Paulo Paim, quero saudar aqui a presença do Presidente Garibaldi Alves, que, com certeza, tomou conhecimento de que resolvemos ficar aqui até as 21h - algo que muitas vezes fazemos em nossas sessões - para nos manifestar, numa postura de vigília cívica, na esperança e no aguardo, Presidente Garibaldi, dessa importante decisão dos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal.

V. Exª, como magistrado, como Presidente desta Casa, com certeza tem sido perguntado sobre essa questão e, com certeza, tem a sua opinião sobre este fato relevante que é motivo de mais de trinta ações judiciais que tramitam no Supremo desde que a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol foi definida - inicialmente no Governo Fernando Henrique e, posteriormente, como disse antes, confirmada, homologada por portaria assinada pelo Presidente Lula.

Sr. Presidente, Srs Senadores, eu gostaria, por último, de fazer referência a outras matérias que estão necessitando não do voto ou de decisão do Supremo Tribunal Federal, mas de decisões do Congresso Nacional, entre elas, a convenção da ONU sobre o direito dos povos indígenas que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados e depois deverá vir para ser apreciada no Senado Federal. Além dessa, há outras matérias muito polêmicas, como, por exemplo, controvertida proposta de autorização para que mineradoras atuem na exploração de recursos minerais em terras indígenas.

Há propostas de várias naturezas, propostas que, de alguma forma, se referem aos direitos dos povos indígenas e que necessitam da decisão do Parlamento brasileiro, necessitam do voto das Srªs Deputadas, dos Srs Deputados, das Srªs Senadoras e dos Srs Senadores para que se tornem leis. Há que se tratar, sobretudo, da afirmação e do acolhimento de convenções internacionais da ONU que tratam da garantia, da confirmação de direitos da população originária do nosso País, população que, quando do chamado Descobrimento, era de cinco milhões e, passados quinhentos anos, hoje, é de apenas setecentos mil índios.

O que se pode afirmar tranqüilamente é que houve um genocídio, uma matança. Portanto, precisamos reafirmar, garantir o direito dos povos indígenas à sua terra, à sua cultura, à preservação e à garantia dos seus costumes. Isso é fundamental. Por isso, a decisão do Supremo terá para nós o sabor do resgate dos direitos dos povos indígenas.

Sei que essa é uma matéria que envolve muita polêmica, Sr. Presidente. Há polêmica porque ela opõe a maioria, talvez a totalidade, das autoridades constituídas do Estado de Roraima - o Governo Estadual, a Assembléia Legislativa - ao Governo Federal. É uma matéria em torno da qual não há consenso, inclusive no âmbito do próprio Governo: o Ministério da Justiça e a Fundação Nacional do Índio têm uma posição, a da defesa do texto constitucional, mas há outras áreas que questionam essa demarcação, como mostrou a manifestação do Comandante Militar da Amazônia, General Augusto Heleno, que ocorreu em passado recente.

É uma matéria que desperta polêmica e paixões aqui neste plenário, na Câmara dos Deputados e no Congresso Nacional, porque há - é bom que se diga -, Parlamentares que apóiam a demarcação tal qual ela foi concebida e concluída em 2005, mas há Parlamentares que, igualmente, questionam essa decisão da demarcação.

Mas o bom da democracia é isto, Presidente Garibaldi Alves, Presidente Paim: hoje nós podemos nos manifestar, concordar e discordar, diferentemente do que ocorria em tempos não muito distantes, quando discordar, falar, denunciar e protestar poderia significar a perda da liberdade, a prisão, a tortura e a morte. As forças populares do nosso País lutaram bravamente, enfrentando a ditadura e seus algozes, os algozes do povo, das lutas libertárias.

Uma grande mobilização social ao longo da história permitiu o avanço das forças democráticas para a conquista de eleições livres, para a conquista da Anistia e a conseqüente libertação daqueles que se encontravam nos cárceres da Ditadura, para a conquista da Assembléia Nacional Constituinte. Aliás, no próximo dia 5 de outubro, a nossa Constituição completa 20 anos, razão, inclusive, de eventos comemorativos. Participamos, nesta semana, sob a direção do Presidente Garibaldi Alves Filho, aqui no Senado Federal, do lançamento do CD que trata da rica experiência democrática da Assembléia Nacional Constituinte.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Eu só queria agradecer ao Presidente Garibaldi Alves Filho a sua permanência aqui até às 21 horas, cumprindo, assim, com o objetivo que V. Exª, o Senador Paulo Paim e eu próprio havíamos colocado, qual seja, o de simbolicamente estarmos aqui, em vigília, por atenção da sessão de amanhã do Supremo Tribunal Federal. Cumprimento V. Exª e o Senador Paulo Paim por esta vigília, a qual podemos dar por concluída. Mas quero fazer uma sugestão de um assunto que ambos têm acompanhado e, em especial, o Senador Paulo Paim. Refiro-me à Convenção do Partido Democrata que, nesta semana, em Denver, deverá consolidar a escolha do Senador Barack Obama como o próximo candidato do Partido à Presidência dos Estados Unidos. Fiquei muito curioso de conhecer - e na Bienal do Livro tive oportunidade de obtê-lo - o livro de Monteiro Lobato, O Presidente Negro, escrito em 1926, que prevê a eleição de um presidente negro nesta oportunidade, assim como Monteiro Lobato também previu a utilização, nesta época em que estamos, de algo como a Internet, coisas muito interessantes desse genial escritor brasileiro. Daqui a pouco a Senadora Hillary Clinton fará o seu pronunciamento na Convenção, que, muito provavelmente, será transmitido ao vivo. Esse momento também será muito interessante, porque ela conclamará os que tanto queriam que ela fosse a candidata que apóiem o Senador Barack Obama, o que terá um grande significado. Mas cumprimento V. Exª por nos conduzir nesta vigília, Senador José Nery. Parabéns.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Eu me associo a V. Exª e, com certeza, ao Senador Paulo Paim, nos agradecimentos ao Presidente Garibaldi Alves Filho, mesmo depois de presidir a sessão ordinária e a votação da Ordem do Dia, pela sua presença aqui, em Plenário, reforçando o nosso gesto de, a partir de agora, aguardar - e somente isso - que a justiça seja feita. O Brasil e todos que apóiam a causa indígena, especialmente os povos indígenas, amanhã, esperamos que, juntos, tenhamos mil razões para celebrar essa importante decisão do Supremo Tribunal Federal.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2008 - Página 34953