Discurso durante a 157ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Inconformismo com o voto dado pelo ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ação sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Augusto Botelho (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Inconformismo com o voto dado pelo ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ação sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Aparteantes
Flexa Ribeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2008 - Página 36212
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, VOTO, CARLOS AYRES BRITTO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ADIAMENTO, JULGAMENTO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), EXPECTATIVA, ALTERAÇÃO, HOMOLOGAÇÃO, SUPERIORIDADE, EXTENSÃO, TERRAS INDIGENAS, ATENDIMENTO, AÇÃO PUBLICA, IMPETRAÇÃO, ORADOR.
  • QUESTIONAMENTO, INSUFICIENCIA, INDENIZAÇÃO, POPULAÇÃO, HABITAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DEMORA, RECEBIMENTO, REGISTRO, DIFICULDADE, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, AUSENCIA, INFRAESTRUTURA, TERRAS, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA).
  • CRITICA, ATENDIMENTO, INTERESSE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, SUPERIORIDADE, EXTENSÃO, AREA, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), LOCALIZAÇÃO, FAIXA DE FRONTEIRA, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, FACILITAÇÃO, TRAFICO INTERNACIONAL, CONTRABANDO, REGISTRO, DIVERSIDADE, GRUPO ETNICO, REGIÃO, POSSIBILIDADE, CONFLITO.
  • RELEVANCIA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), AMBITO NACIONAL, PROIBIÇÃO, ABUSO DE PODER, UNIÃO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fiquei consternado com o voto dado ontem pelo Relator Ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, a respeito da ação de minha autoria que questiona a demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima, da forma como foi feita. Porém, venho a esta tribuna para fazer um apelo aos Ministros que ainda não deram o seu voto. O pedido de vista do Ministro Direito dará tempo aos demais Ministros do Supremo para se aprofundar nessa questão. Tenho esperança de que a retomada do julgamento, daqui a algum tempo, pode estar mais de acordo com a vontade do meu povo de Roraima, que represento no Senado, e na ação que impetrei no STF.

A maioria das pessoas que vivem na Raposa/Serra do Sol são contra a forma como foi feita a demarcação. Como representante de Roraima, carrego a responsabilidade de defender a minha gente e reafirmo com segurança que a homologação da Reserva Raposa/Serra do Sol da forma que foi feita não é da vontade dos roraimenses que lá habitam e nem da maioria do povo da minha terra.

Já disse várias vezes nesta tribuna: nem eu nem a maioria das pessoas de Roraima somos contra a demarcação de terra para os nossos irmãos índios, tanto no nosso Estado quanto no Brasil. Roraima já tem 35 áreas demarcadas para os indígenas. Terra para os índios é um direito líquido e certo assegurado pela Constituição. Todos temos que respeitar isso.

Mas na Constituição também existem os direitos das pessoas que já vivem há quatro, há cinco gerações naquelas terras, e que foram levadas para lá pelos governos. Elas foram no tempo dos soldados da borracha, no tempo em que não havia gente nem forças na fronteira. Estão há várias gerações lá. Foram defender o Brasil, como os índios também defendem.

E agora são retiradas de lá com promessa de indenização justa e prévia, coisa que não foi feita nenhuma vez - prévia indenização, justa muito menos -, e com promessa de recolocação numa área equivalente, uma área onde possam sobreviver com dignidade, com suas famílias. 

Realmente, somente o Governo Lula assentou algumas pessoas, mas assentou de forma precária e indigna para o ser humano, pois o Incra ainda não fez a infra-estrutura dos assentamentos, não instalou luz elétrica. Não tem nada. As pessoas vivem em barracos de palha lá.

Coloquei uma emenda para amenizar isso, para fazer casa para alguns, para ver se o Governo tomava força e fazia tudo isso que precisava fazer. Isso é um desrespeito com as pessoas. 

Eu acreditava que o Supremo Tribunal - ainda acredito - iria tomar uma decisão em que o direito dessas pessoas que há trinta anos estão sendo colocadas para fora de suas casas... É lógico que para reconhecer área indígena, elas têm que sair, mas têm de ser tratadas com dignidade, têm que receber uma terra equivalente. Muitos já morreram, mas os seus descendentes têm o direito de receber. É isso o que quero da Nação brasileira e é por isso que estou lutando aqui. Há seis anos, pedi um plebiscito para ouvir as pessoas, e nunca foram ouvidas. A demarcação foi feita como as ONGs queriam. São as ONGs que mandam, infelizmente, nessas questões políticas indígenas do nosso País.

Essa demarcação da forma como foi feita afetará profundamente a vida dos não-índios e dos índios. Sei, porque convivo diariamente com os dramas que essas pessoas estão enfrentando. A demarcação da forma como está compromete a vida de muitas famílias, de índios e de não-índios, de gente que vive naquelas terras há mais de 100 anos. Compromete a soberania e a segurança nacionais, pois a terra, na faixa de fronteira entre a Guiana e a Venezuela, vai dificultar a instalação de batalhões de fronteira, como já ocorre em outras terras indígenas, necessários para impedir a entrada de contrabandistas, traficantes e usurpadores dos conhecimentos dos povos indígenas.

A Guiana e a Venezuela têm uma contenda, uma briga. Nos mapas da Venezuela, a região da Guiana que faz fronteira com o Brasil aparece toda traçada como zona de contestação. Sabemos que o Presidente Chávez, que respeito porque prestigia o meu Estado, tem intenções belicosas. A força aérea da Venezuela já é mais forte que a do Brasil, aliás, é a mais forte da América do Sul. Não sei quantos mil fuzis ele comprou da Tchecoslováquia, de um desses países europeus. Então, o Brasil está deixando um flanco aberto para haver problema entre a Guiana e a Venezuela e conosco, com a nossa terra lá também.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senador Flexa Ribeiro, a decisão do STF servirá de parâmetro para todo e qualquer processo demarcatório de terras indígenas no Brasil. Por isso a importância desse julgamento se agiganta, já que o que for decidido lá também afetará outros Estados brasileiros.

Não concordo com o voto dado pelo Ministro Ayres Britto e acredito que os demais Ministros vão fazer justiça. Por isso, continuo confiante no Supremo Tribunal Federal.

Existe um movimento antropológico para fazer áreas indígenas contínuas. Outro erro da área indígena Raposa/Serra do Sol é que cinco etnias diferentes, cinco povos brasileiros indígenas, irmãos índios, que falam línguas diferentes, que têm costumes diferentes, que têm hábitos diferentes, que têm objetivos diferentes, foram colocados lá, em uma terra única. Por que não separaram as terras dos ingarikós? Os ingarikós estão na Raposa/Serra do Sol. Eles já tiveram até há certo tempo essa terra demarcada, mas a Funai não respeitou a demarcação. Podia ter evitado estabelecendo: aqui é o limite da ingarikó; aqui é o limite da wapixana; aqui é o limite da macuxi; aqui é o limite da patamona; e aqui é o limite da taurepang. Ficaria contínua a área. Contínua, mas com definição do limite de cada área. O que vai acontecer é que um parente lá do Mutum vai fazer uma casa lá perto da Raposa, como já tem - não sei se foi do Mutum, mas há um grupo que não é da Raposa que fez uma casa na chamada Fazenda dos Professores. A sede da fazenda está aqui, ele fez a casa bem perto, como se fossem duas vezes o comprimento deste plenário. Fez e está morando lá, fazendo tudo. Mas fui lá uma vez e vi que o pessoal de lá não vinha para cá e tal. Perguntei, e eles responderam: “Estamos de mal com eles porque vieram fazer essa casa aqui”. Por enquanto estão só de mal, mas se resolverem se agredir? O Governo não tem condições de resolver essas coisas.

Assim, é irresponsabilidade deixar em área contínua porque os antropólogos entendem que deve ser área continua. Bom, outro fato que vai resultar da área continua... A Raposa/Serra do Sol foi expandida, ampliada cinco vezes. As áreas indígenas que há no Pará, no Mato Grosso e em outros lugares vão ser expandidas também, mas para unir etnias diferentes se ficar como está em Roraima.

Pegam uma etnia Taurepang e outra diferente e colocam juntas. O que acontece? Para unir as duas etnias naquela faixa, colocam todo mundo para fora com promessa de indenização justa e de reassentamento em outra área. É meio violenta a forma como eles colocam para fora. Há algumas pessoas que não querem resistir muito. Eles vão lá para elas assinarem o papel, com a Policia Federal, com metralhadora, entram na casa das pessoas, elas ficam com medo e assinam - qualquer um fica com medo - e ficam com a promessa de receber.

Tem um em Nauini que levou quase quinze anos para receber a indenização e a recebeu pelo mesmo valor de quase quinze anos passados. Esse até que foi um valor razoável, mas o cidadão esperou quinze anos. Nauini é outra região, fora da Raposa/Serra do Sol, mas também é uma área indígena reconhecida.

As pessoas que foram colocadas para fora de suas casas, geralmente vão para a cidade quando recebem a indenização que dá para viver por três ou quatro meses. E depois vão viver do quê? Isso desestrutura a família de todos. Existem só na Raposa/Serra do Sol quase quatrocentas famílias que saíram de suas casas e não receberam as terras para serem reassentadas. E das outras quatro áreas indígenas? Eu pensava e ainda penso que o Supremo vai dar uma solução para essas famílias também e fazer com que a União reassente essas famílias.

Existem grupos de pessoas, no caso da São Marcos, que foram nominadas no decreto que homologou a reserva. Determinava: “Sr. José da Silva, receber 500 hectares; Sr. Pedro Maciel, receber 300 hectares; 1000 hectares”... E, assim foi feito na lei. E essas pessoas até hoje não receberam. Alguma já morreram - muitas já morreram -, mas os filhos delas têm direito de receber isso. E a Nação brasileira deve isso a essas pessoas que foram para lá no fim do séc. XIX, início do séc. XX, levadas pelo Governo Federal, pelo governo da Nação brasileira que é a nossa nação. Então, eu acredito que o Supremo vai permitir que seja corrigida a injustiça contra essas famílias. Quatrocentas somente da Raposa/Serra do Sol. Lá, em São Marcos, não me lembro quantos são... Se for fazer as 35 áreas indígenas... Só onde não havia família estabelecida, que ali vivia há várias gerações, é na área Ianomami. Lá existiam vários garimpeiros, que foram retirados. Garimpeiro não finca raiz em lugar nenhum.

Espero que e o STF decida que a União não pode mais chegar em um Estado, pegar um pedaço da área e definir que aquela esta área vai ser terra indígena sem ouvir quem vive em cima da terra, sem ouvir quem está lá há várias gerações. Essas decisões deveriam passar pelas Assembléias Legislativas estaduais, por aqui, por esta Casa, como existem PECs aqui guardadas nestas gavetas e que determinam que isso não seja feito. Eu alerto aos Srs. Senadores: se não for tomada essa providência, logo, logo, haverá decisões que trarão grandes problemas sociais como acontece em Raposa/Serra do Sol.

Passo a palavra ao Senador Flexa Ribeiro, para se pronunciar.

O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Senador Augusto Botelho, V. Exª trata de um problema que está preocupando a Nação brasileira e está sob julgamento no STF. Ao final, agora, de suas palavras, V. Exª se refere ao projeto de Emenda à Constituição que propõe que qualquer tipo de novas unidades de conservação ou de reservas passem, obrigatoriamente, pelo Senado, até para evitar esse tipo de conflito que ocorre na Amazônia como um todo. Não é só em Roraima, é no Pará também. Eu vou me referir, daqui a pouco, a uma questão de uma floresta de preservação que foi constituída na rodovia Santarém-Cuiabá, onde também estão vivendo 600 famílias há 30 anos. Eu preparei uma PEC para dar entrada, nesse sentido. O Senador Gerson Camata, ontem ou hoje, referiu-se a um projeto de sua autoria e que é idêntico ao que eu iria entrar. Senador Augusto Botelho, sabe quando o Senador Gerson Camata deu entrada nessa PEC? Em 2003. Nós estamos em 2008. Sabe onde está a PEC? Na CCJ. Ou seja, ela não começou a andar. Então, eu queria propor a V. Exª, Presidente Senador Jefferson Praia, que nós possamos articular um grupo de Senadores. Vamos pedir ao Senador Marco Maciel que paute a PEC para que seja discutida. Porque não é possível que um projeto de um Senador, que deu entrada nesta Casa em 2003, até hoje não tenha dado sequer o primeiro passo. Então vou procurar o Senador Gerson Camata na próxima semana ou no esforço concentrado do dia 9. Desde já peço o apoio de V. Exªs para que, na Comissão de Constituição e Justiça - tenho certeza de que o Senador Marco Maciel vai acatar -, consigamos pautar o projeto, discuti-lo e aprová-lo ou não. Mas não podemos deixar de dar andamento no projeto do Senador Gerson Camata. V. Exª tem toda razão. Eu acho que a criação de novas reservas, sejam elas de qualquer tipo, feitas daqui de Brasília, dos gabinetes refrigerados, sem que se verifiquem as questões locais é um absurdo. Gera conflito. E gera conflito porque na maioria delas as condições estão consolidadas, como é o caso lá, ao qual V. Exª se refere, da reserva Raposa/Serra do Sol. Então, eu quero aqui, só para me solidarizar com V. Exª, dizer que precisamos, no Senado Federal, colocar essa PEC em discussão. Não somos contra a criação da reserva, nós queremos apenas ter o direito, os Estados terem o direito, por meio dos seus representantes no Senado Federal, de discuti-las antes de serem homologadas por um decreto simples e de forma monocrática do Executivo. Parabéns pelo pronunciamento. 

O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Obrigado.

Sr. Presidente, já encerro.

Confio na serenidade dos guardiões da Constituição, confio na neutralidade e compromisso dos Ministros com o bem coletivo e com as futuras gerações.

Nas mãos do STF está o futuro de Roraima, das pessoas que vivem em Roraima na Reserva Raposa/Serra do Sol e das pessoas que saíram para que fosse feita a Reserva. Nas mãos do STF está o futuro de centenas de milhares de cidadãos brasileiros que poderão ser afetados se essa medida ficar do jeito que está, porque certamente será reproduzida nos outros Estados.

A despeito das divergências e preferências, essas pessoas contribuem para o sentido único de nação, que é a Nação brasileira. Todos trabalham para o seu bem-estar, que se reflete no bem-estar de todos da Pátria.

Espero que o STF faça Justiça, tanto para os indígenas, como para os não-indígenas que foram afetados com as demarcações de terras no Brasil todo.

Certamente, o que ocorre em Roraima ocorre também nos outros Estados.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2008 - Página 36212