Discurso durante a 157ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Avaliação do sistema prisional brasileiro, fazendo referências à comarca de Guarabira, interior do Estado da Paraíba, que renovou as práticas de execução penal. Registro de participação de S.Exa., hoje, em reunião no Palácio do Planalto, quando o Presidente Lula fez um balanço de seu Governo.

Autor
José Maranhão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: José Targino Maranhão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Avaliação do sistema prisional brasileiro, fazendo referências à comarca de Guarabira, interior do Estado da Paraíba, que renovou as práticas de execução penal. Registro de participação de S.Exa., hoje, em reunião no Palácio do Planalto, quando o Presidente Lula fez um balanço de seu Governo.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2008 - Página 36248
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, TELEJORNAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, CRISE, REGIME PENITENCIARIO, DIFICULDADE, RECUPERAÇÃO, CRIMINOSO, CRITICA, FORMAÇÃO, QUADRILHA, CONTRABANDO, SUBORNO, AGENTE PENITENCIARIO, INTERIOR, PRISÃO, REPUDIO, SUPERIORIDADE, LOTAÇÃO, PENITENCIARIA, COMERCIO, PRIVILEGIO, DETENTO.
  • QUESTIONAMENTO, SUPERIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, DETENTO, AUSENCIA, ORÇAMENTO, ESTADOS, CRITICA, NUMERO, HOMICIDIO, VITIMA, PRESO, REPUDIO, PERMANENCIA, PRISÃO, FALTA, JULGAMENTO, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • DEFESA, MELHORIA, SISTEMA PENITENCIARIO, EXPERIENCIA, MUNICIPIO, CAMPO GRANDE (MS), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), GUARABIRA (PB), PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ELOGIO, ESFORÇO, RECUPERAÇÃO, PRESO, EMPREGO, INTERIOR, PENITENCIARIA, MELHORAMENTO, QUALIDADE DE VIDA, DETENTO.
  • SAUDAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PRODUÇÃO, TELEJORNAL, SUPERIORIDADE, QUALIDADE, DEMONSTRAÇÃO, PROBLEMA, SISTEMA PENITENCIARIO, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE.
  • REGISTRO, REUNIÃO, ORADOR, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ECONOMISTA, BALANÇO, GESTÃO, AMPLIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, INDICIO, TRANSPOSIÇÃO, DIFICULDADE, ECONOMIA, GLOBALIZAÇÃO, ELOGIO, MANUTENÇÃO, ESTABILIDADE, RECONHECIMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, IMPORTANCIA, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tornou-se já um verdadeiro consenso nacional considerar os problemas da segurança pública, melhor dizendo, a necessidade de superação do altíssimo nível de insegurança a que hoje se submete toda a nossa sociedade, como uma das prioridades programáticas do Estado.

Não poderia ser de outra forma. A violência, a corrupção e o crime, quando ultrapassam um determinado limite, ameaçam corroer e descaracterizar o melhor que uma determinada sociedade tem para enfrentar os desafios do presente e, assim preparada, construir seu futuro. Creio, infelizmente que, entre nós, esse limiar tenha sido cruzado há quase 5 décadas, quando a urbanização acelerada levou à falência a capacidade de nossos centros urbanos de prover os cidadãos de condições dignas de vida; quando o ritmo do desenvolvimento deixou de criar a quantidade necessária de empregos; e quando um temporário eclipse da democracia aliviou a elite dirigente da insubstituível vigilância da mídia e da saudável sanção das urnas.

O fenômeno da violência no Brasil é amplo e complexo. Por isso, gostaria de abordar, nesta oportunidade, um de seus aspectos menos visíveis para o conjunto da sociedade: a crise prisional - tema absolutamente oportuno, que mereceu uma brilhante série de reportagens feitas para a televisão e veiculadas, no final do mês de maio último, pelo Jornal da Globo, sob o título Apagão Carcerário.

O documentário, dividido em cinco capítulos, faz uma radiografia precisa e contundente das mazelas que caracterizam esse mundo sombrio e distante da atenção social - a prisão -, cujas graves ameaças ao dia-a-dia dos brasileiros precisam, com urgência, ser revisitadas, reavaliadas e desativadas.

Inicialmente, porque, em sua presente situação de abandono, superlotação e descontrole, o sistema prisional tornou-se uma verdadeira universidade do crime.

Ao contrário de regenerar criminosos, de recuperá-los para a vida em comunidade, as prisões brasileiras tornaram-se um local vicioso, onde surgem novas e poderosas organizações criminosas, a exemplo do Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, e do PCC - Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, que muitas vezes administram suas operações ilegais diretamente dos corredores dos cárceres. 

Ao contrário de reabilitar os criminosos para o trabalho produtivo, nossas penitenciárias mantêm homens e mulheres em situação de ócio por anos a fio, amontoados em pátios imundos e em celas estreitas, abarrotadas, com três, quatro vezes sua máxima lotação.

Nesse ambiente, as rixas são inevitáveis, gerando-se mais crime e violência, seja por vingança, seja na disputa pelo poder no interior dos presídios, baseado na força bruta, na violência e na coerção. Nesse ambiente, o tráfico de drogas e o contrabando de armas, de cigarros e de telefones celulares, entre outros bens, alimentam toda uma microeconomia, cujos ganhos são utilizados no aliciamento de agentes penitenciários, na manutenção de redes criminosas externas, compostas por amigos, parentes e cúmplices, e na compra de privilégios.

O documentário da TV Globo, a que fiz referência, deixa bem claro que, numa prisão, tudo se compra, e tudo se vende. Na penitenciária de Urso Branco, em Porto Velho, por exemplo, um agente penitenciário foi morto a tiros, com uso de arma de fogo que fora contrabandeada para o interior da detenção por um outro agente.

Há também inúmeras denúncias - quase todas sem apuração - de que a administração de vários estabelecimentos penais concede privilégios aos detentos a troco de dinheiro: pode ser o direito de ter uma geladeira particular, o de trabalhar na enfermaria ou na cozinha, escapando-se do serviço de limpeza, ou mesmo o de não ser colocado em uma cela ocupada por inimigos, o que significaria morte certa.

Vejam, Srªs e Srs. Senadores: a prisão não somente deixa de cumprir o seu papel, o de recuperar os criminosos, como ainda estimula o crime em seus pátios, corredores e celas, crime esse que transborda para o mundo de fora, na forma de grandes ou pequenas organizações criminosas, formadoras de novos delinqüentes, que, ao fim, dão início a todo um novo ciclo de crimes: no tráfico de drogas, no contrabando de armas e na corrupção de agentes públicos.

Ao contrário do que se projeta no restante do mundo, em termos de reincidência criminal dos condenados, estima-se que ela, no Brasil, seja superior a 70%. Um agente do sistema penitenciário gaúcho chegou a declarar: “Se recuperar 2% [dos condenados], eu fico feliz”.

A quem queremos enganar com esse tipo de política prisional e penitenciária?

Os repórteres da TV Globo, citando como fonte o Ministério da Justiça, falam da existência de 422 mil presos, espalhados pelo Brasil, mantidos pelo Estado a um custo unitário de R$1.600,00 por mês, ou seja, mais de quatro salários mínimos - muito mais que o salário mensal de um agente penitenciário! E sabemos que, infelizmente, o déficit operacional das penitenciárias, que gira em torno de 185 mil vagas, dificilmente será resolvido no curto prazo - até porque, no âmbito da União e dos Estados, nunca há orçamento suficiente sendo alocado para essa finalidade.

Nesse ambiente insuportável, que um detento chamou, no documentário, de “cemitério de homens vivos”, teriam sido assassinados 1.048 presos, apenas no ano de 2007, número esse que a CPI do Sistema Prisional suspeita, inclusive, esteja sendo subdimensionado.

Aliás, informação e estatísticas confiáveis não são o forte do setor, que conta - para além dos presos e presas em cumprimento de pena - com um contingente não-contabilizado de crianças de idades diversas, que vivem encarceradas na companhia de suas mães, algumas delas nascidas e mesmo geradas no ambiente prisional.

Há, inclusive, o caso no qual, por deficiência no encaminhamento do processo de acusação penal, um cidadão ficou seis anos preso, sem julgamento - ou melhor, foi literalmente esquecido -, numa cela do interior do Estado de São Paulo, por haver-se envolvido em uma briga de rua. Acusado de tentativa de homicídio, ele incorreria, caso chegasse a ser condenado, numa pena máxima de seis anos, podendo ainda progredir para o regime semi-aberto, com pouco mais de um ano de reclusão.

O quadro geral - todos podem ver - é capaz de estarrecer, de indignar e de envergonhar os homens e as mulheres de bem; e de fazer temer pela impossibilidade de superá-lo.

O próprio documentário, entretanto, também nesse ponto foi muito feliz. No último capítulo da série foram mostradas experiências de como fazer diferente e melhor do que o que acontece como regra - e, muitas vezes, com os mesmos recursos escassos, longe das luzes da mídia dos grandes centros.

Cito, inicialmente, o caso da penitenciária de segurança máxima de Campo Grande, com capacidade para 208 internos de alta periculosidade, no momento, abrigando 154 deles. Lá, nunca houve caso de fuga, de rebelião ou de encontrar-se um celular na posse de um preso. Por tratar-se de uma prisão para casos especiais, ela apresenta custo médio por detento maior que a média nacional. Mas a Penitenciária de Presidente Prudente que ostenta infra-estrutura e finalidade semelhantes, alcança, a contra-senso, resultados muito menos satisfatórios que a instituição sul-mato-grossense.

Cito, ainda - e com especial orgulho -, o conjunto inovador de experiências que estão sendo levadas na Comarca de Guarabira, bela cidade do interior do meu Estado, a Paraíba. Lá, através da Comarca local, dirigida pelo Juiz Bruno Azevedo, e também com o indispensável apoio da comunidade de Guarabira, estão sendo alcançados êxitos realmente extraordinários na recuperação de detentos, todos eles demonstrando que é possível fazer diferente; e mais, que é possível fazer melhor. Lá, já são mais de três anos sem fuga e sem atos de violência, por parte dos detentos.

Em Guarabira, sob os princípios de celeridade, publicidade e oralidade, estão sendo renovadas as práticas da execução penal. Por meio de programas de rádio, dos quais participam a Magistratura e a Promotoria, são repassadas informações e notícias acerca dos critérios para progressão de pena e das decisões tomadas nesse âmbito, além de repassados recados entre os detentos e seus familiares. Os programas, levados na Rádio Difusora Alternativa Esperança, montada com apoio da comunidade local, são reproduzidos no presídio, na penitenciária local e em alto-falantes colocados em pontos estratégicos da cidade. Mais transparência na administração das penas, impossível!

Ainda há mais. Os presos de bom comportamento são autorizados a trabalhar em obras públicas de interesse comunitário, tais como capina de mato, tratamento de jardins e manutenção de praças e de prédios públicos. Nesses casos, não há vigilância nem supervisão direta; a localização dos grupos de trabalho é feita por monitoramento remoto, realizado por meio de tornozeleira eletrônica, outra novidade cujos testes já estão sendo retomados e estão dando ótimos resultados. As tarefas dos presos, remuneradas, já iniciam um processo de recolocação do recluso no mundo do trabalho e também contam como critério para a progressão da pena, por exemplo, para o regime semi-aberto.

Há, portanto, soluções para o apagão penitenciário. É possível fazer melhor, desde que se queira fazer diferente; desde que se queira, de fato, recuperar os detentos para a vida produtiva e plena, e não depositá-los em ambientes sórdidos, onde perdem a saúde, a dignidade e o potencial para viver uma vida honesta, depois de libertados.

Por que, então, nos acomodarmos ao circo de horrores no qual se transformaram nossas prisões e nossas penitenciárias? Por que permitir que os institutos penais continuem fomentando, ensinando e fazendo aprender o crime; estimulando a barbárie e a violência; fomentando a corrupção?

Sr. Presidente, o apagão penitenciário não é fenômeno isolado na crise de segurança pública. Muito ao contrário, ele se origina na falta de segurança e realimenta a situação de insegurança a que está reduzida a maioria das metrópoles, das cidades e dos povoados deste Brasil.

Como a paraibana Guarabira demonstrou, é possível romper o ciclo de insanidades que fez do sistema prisional brasileiro o “cemitério dos homens vivos”, no dizer de um apenado.

Mas, para isso, devemos rever todos os erros que, neste momento, fazem do apagão penitenciário uma vergonha para este País, ante nossos próprios olhos e os das nações civilizadas.

Aqui desta tribuna, portanto, lanço um apelo aos homens de bem deste País, em especial àqueles investidos de poder político, para que se mirem no exemplo que Guarabira oferece ao Brasil. Só assim poderemos ter um sistema prisional que realmente cumpra as finalidades que dele se espera: punir o detento e, ao mesmo tempo, reeducá-lo para o convívio social.

Ao concluir, aproveito para cumprimentar a Rede Globo de Televisão, especialmente a equipe de jornalismo, jornalistas e fotógrafos, pelo destemor e sensibilidade com que captaram a realidade das nossas prisões e mostraram a face cruel e desumana do modelo dominante, mas, sobretudo, acenando a chama da esperança com as experiências exitosas e possíveis, como a de Guarabira no meu Estado, a Paraíba.

Finalizo convidando à reflexão, a partir desse excelente documentário, que nos conduz à inevitável inquietação quanto à insustentabilidade do atual modelo prisional brasileiro.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Mas eu gostaria de, aproveitando a presença na tribuna, registrar aqui a solenidade de que participei hoje no Palácio do Planalto, quando o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus principais auxiliares da área econômica e financeira fizeram como que um balanço do seu tempo de governo e mostraram os ganhos que este País obteve, concitando a todos para que acreditem no futuro deste País, para que, num gesto de patriotismo e amor ao nosso País, valorizem as qualidades positivas do próprio povo brasileiro e seu potencial econômico extraordinário, construído com todas as dificuldades que conhecemos, numa economia globalizada - e aqui sou eu que faço o comentário, não o ouvi do Presidente da República - mas numa economia globalizada que privilegia, como sempre, as grandes potências universais.

Sem aqui nenhum caráter nacionalista, essa é uma verdade que todos nós sabemos, o primeiro mundo é quem sempre dita as regras, porque são eles que detêm o conhecimento, são eles que detêm o capital financeiro, são eles, enfim, que traçam os rumos para os países periféricos. Mas o Brasil, mesmo dentro dessas dificuldades, está sabendo se conduzir e está sabendo conduzir a sua própria economia para o sucesso, para o êxito. Todos os indicadores econômicos deste País, ninguém pode negar isto, são o indício de que nós podemos pelo trabalho, nós podemos, pela inteligência, vencer as dificuldades crônicas que este País sempre atravessou e romper a barreira do subdesenvolvimento, integrando-se perfeitamente na comunidade internacional como um País reconhecidamente progressista e viável, graças ao esforço, à determinação do seu próprio povo.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2008 - Página 36248