Discurso durante a 157ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre alguns aspectos da questão da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, antes da conclusão do julgamento da matéria pelo plenário do STF.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. SOBERANIA NACIONAL.:
  • Reflexão sobre alguns aspectos da questão da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, antes da conclusão do julgamento da matéria pelo plenário do STF.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2008 - Página 36260
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • EXPECTATIVA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), REGISTRO, DECLARAÇÃO, SOCIOLOGO, CRITICA, CRIAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, AUSENCIA, MANUTENÇÃO, CULTURA, INDIO, AMPLIAÇÃO, MISERIA, INFLUENCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REPUDIO, SUPERIORIDADE, EXTENSÃO, TERRAS.
  • QUESTIONAMENTO, VICIO, LAUDO TECNICO, FUNDAMENTAÇÃO, CRIAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, HOMOLOGAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INSUFICIENCIA, PESQUISA, POPULAÇÃO, INDIO, PRODUTOR RURAL, REGIÃO, CRITICA, IMPOSIÇÃO, DEMARCAÇÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, COMBATE, CAPITALISMO, INFLUENCIA, INDIO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, ADVERTENCIA, EMBAIXADOR, RATIFICAÇÃO, BRASIL, DECLARAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DIREITOS, GRUPO INDIGENA, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ESTABELECIMENTO, COMPETENCIA PRIVATIVA, UNIÃO FEDERAL, LEGISLAÇÃO, ASSUNTO, REFERENCIA.
  • COMENTARIO, EXTENSÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), REGIÃO, FAIXA DE FRONTEIRA, OCORRENCIA, TRAFICO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, DEFESA, TERRITORIO NACIONAL.

O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Supremo Tribunal Federal analisa desde esta quarta-feira a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Como toda decisão da corte máxima do País, ela será cumprida sem discussões, seja qual for. Mas como a determinação, com certeza, orientará os critérios para outras demarcações em território brasileiro, vale a pena refletir sobre alguns aspectos da questão, antes mesmo que o plenário do STF conclua seu julgamento.

Como já assinalou o sociólogo Hélio Jaguaribe, a política de criação de reservas indígenas no Brasil fundamenta-se na crença de que é possível a perpetuação de culturas nativas. Trata-se de algo sem o menor sentido em termos antropológicos, pois o processo civilizatório não pode ser sustado, é irreversível.

Jaguaribe lembra que as populações civilizadas são descendentes de populações tribais. Assim, o que estamos fazendo é o que ele denomina de insensatez: criar “jardins antropológicos”, semelhantes a jardins zoológicos, onde os índios supostamente terão autonomia para preservar seus costumes ancestrais.

Ora, quais são esses costumes que atravessaram gerações e chegaram a nossos dias? Há muito tempo que os índios, em todo o Brasil, deixaram de viver como nos tempos em que as caravelas de Pedro Álvares Cabral aportaram na costa brasileira. Não são mais nômades, têm acesso à televisão, sonham com os bens de consumo da sociedade moderna e reivindicam benefícios concedidos pelo governo, como o Bolsa Família e cestas básicas.

A demarcação contínua da Reserva Raposa Serra do Sol vai isolá-los num “jardim antropológico”, para usar o termo criado por Hélio Jaguaribe, condenando-os à miséria e à marginalidade, ou a transformarem-se em massa de manobra de organizações não-governamentais, muitas delas escondendo intenções prejudiciais aos interesses nacionais sob o pretexto de prestar assistência. Mantida a delimitação em bloco, alerta o Procurador-Geral de Roraima, Régis Jereissati, ocorrerá um êxodo de indígenas para a periferia da capital do Estado, Boa Vista, e o conflito entre etnias aumentará.

Como foi conduzido o processo de demarcação, iniciado no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e homologado no atual? Da pior maneira possível, pois baseou-se em um laudo viciado, segundo o Procurador-Geral de Roraima. Num intervalo de 8 anos, o mesmo laudo antropológico chegou a duas conclusões diferentes, primeiro a de que a demarcação deveria ser em “ilhas”, depois que deveria ser contínua. Apenas uma das quatro etnias existentes na área, a macuxi, foi consultada, municípios afetados não foram ouvidos e profissionais citados no laudo não tinham atribuições comprovadas. Índios que não concordavam com a demarcação não tiveram voz, e tampouco os produtores rurais da região.

Mas o Cimi, Conselho Indigenista Missionário, e entidades vinculadas, muitas delas estrangeiras, foram ouvidos. O Cimi, controlado por uma ala radical da Igreja Católica, julga-se portador de uma “missão profética”, papel que o leva a “denunciar os abusos do sistema capitalista em sua configuração neoliberal” e a “propor rupturas com esse sistema”, que diz não ter legitimidade “no horizonte do Reino de Deus”.

Entre seus objetivos, está o de “firmar alianças com os construtores de uma nova sociedade”. Quem são esses “construtores” e como seria essa “nova sociedade”, o Cimi não esclarece, deixa a cargo da nossa imaginação... Mas suponho que o “horizonte do Reino de Deus” justifica tudo, até mesmo rasgar a Constituição, abolir o direito de propriedade e apelar para a luta armada contra o sistema capitalista, na curiosa interpretação messiânica dos dirigentes do Conselho Indigenista Missionário.

Retórica muito semelhante, se não idêntica, é utilizada pelos apologistas do marxismo-leninismo, o que me faz desconfiar que o Cimi tem com eles uma estreita afinidade, e não vê o menor problema em orar a Deus enquanto ergue um altar a Marx e Lênin.

Um terceiro aspecto a ser considerado diz respeito à segurança nacional. Como alertou o embaixador Rubens Barbosa, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o Brasil ratificou a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, em setembro de 2007.

Trata-se de um documento negociado nas Nações Unidas durante quase 15 anos, e aprovado com os votos contrários do Canadá, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia, países com grandes populações indígenas. Em seu voto, o governo australiano ressaltou que a Declaração punha em perigo a integridade territorial do país e outorgava às populações indígenas direitos que conflitam com o marco constitucional dos países democráticos.

A Declaração confere aos índios o direito de autonomia e autogoverno em assuntos internos e locais, direito a uma nacionalidade, que não precisa ser a brasileira, proíbe atividades militares nos territórios indígenas sem prévia consulta a seus habitantes, e permite contatos e cooperação, inclusive de caráter político, com povos indígenas de países fronteiriços. Ratificamos essa Declaração, apesar de estar em flagrante conflito com a Constituição brasileira, que estabelece em seu art. 22 a competência privativa da União para legislar sobre assuntos indígenas.

A Reserva Raposa Serra do Sol tem 1 milhão 747 mil hectares, em faixa contínua, uma área quase do tamanho de Santa Catarina, na fronteira com a Venezuela e a Guiana, países que estão em litígio exatamente naquela região, rica em recursos minerais e despovoada. Além disso, é rota de traficantes de drogas.

Como o Brasil vai defender sua integridade territorial numa área estratégica, se a demarcação for contínua, incluindo a fronteira? Não é nenhum delírio imaginar a região amazônica formada, num futuro próximo, por inúmeras “nações indígenas” independentes, tão fragmentada quanto a região dos Bálcãs, e à mercê de quem dispuser de força para se apossar dela. Este é um cenário plausível, se persistir a atual política indigenista.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2008 - Página 36260