Discurso durante a 163ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lembrança dos acontecimentos que precederam a posse de João Goulart na Presidência da República, em 7 de setembro de 1961.

Autor
Paulo Duque (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RJ)
Nome completo: Paulo Hermínio Duque Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA NACIONAL.:
  • Lembrança dos acontecimentos que precederam a posse de João Goulart na Presidência da República, em 7 de setembro de 1961.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2008 - Página 36808
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, CIRCUNSTANCIAS, HISTORIA, POSSE, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, JOÃO GOULART, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, RENUNCIA, JANIO QUADROS, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SITUAÇÃO, CRISE, NATUREZA POLITICA, BRASIL, TENTATIVA, FORÇAS ARMADAS, IMPEDIMENTO, ELOGIO, ATUAÇÃO, CONGRESSISTA, CLASSE POLITICA, BUSCA, CUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GARANTIA, REASSUNÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPLANTAÇÃO, SISTEMA DE GOVERNO, PARLAMENTARISMO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DATA.
  • COMENTARIO, SUPERIORIDADE, IMPORTANCIA, CONDUTA, CLASSE POLITICA, VIABILIDADE, POSSE, JOÃO GOULART, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPEDIMENTO, OCORRENCIA, GUERRA CIVIL, BRASIL, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, REASSUNÇÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

            O SR. PAULO DUQUE (PMDB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador pelo Distrito Federal, sou da antiga capital e V. Exª é representante de Brasília, que começou a ter sua história política não da construção para cá, mas sim, eu diria, da posse do Presidente no Palácio Guanabara ou ao prestar juramento, seguramente, no Palácio Tiradentes.

            Sr. Presidente, hoje é dia 3 de setembro. Daqui a pouco será 7 de setembro. Mas, meu caro Senador Adelmir Santana, no dia 7 de setembro de 1961, lembra-se V. Exª de quem prestou juramento perante o Congresso Nacional? João Goulart. E por que isso? Por que ele prestou o juramento, comprometeu-se?

            Tudo se passou no mês de agosto daquele ano. Imagine que, no dia 25 de agosto de 1961, houve um fato que provocou grande repercussão, grande confusão, grande turbulência, grande surpresa no Brasil. É que nesse dia, em que se comemora o Dia do Soldado, o nosso Presidente Jânio Quadros, em quem eu votei - não sei se V. Exª naquela época já tinha idade para votar; mas eu votei em Jânio -, renunciou à Presidência da República: 25 de agosto de 1961.

            De repente, o País entrou numa verdadeira crise, numa tumultuada crise política de que não se tem memória de outra parecida, por um motivo muito simples: o Vice-Presidente, que deveria substituí-lo, não se encontrava no Brasil; estava ele na China, em missão do Governo. É muito longe, Sr. Presidente; é do outro lado do mundo. Realizou-se há pouco uma Olimpíada naquele país.

            De repente, o Presidente Jânio chama seu Ministro da Justiça, Pedroso Horta, e manda que entregue aqui - foi recebido aqui pelo Senador Auro de Moura Andrade, representante de São Paulo - uma carta, com três linhas e nove palavras, renunciando à Presidência da República. E agora? Agora, só havia uma solução: já que o Vice está na China, vamos chamar o substituto natural, que é o Presidente, não do Senado, mas o da Câmara dos Deputados. E assim foi feito.

            O Deputado paulista Ranieri Mazzilli foi convocado para aquela árdua tarefa, aquela árdua missão, e procede-se à troca de comunicações daqui para o outro lado do mundo, daqui para Cingapura, onde o Vice se encontrava no momento da renúncia.

            E toma conta de todos aquela perplexidade, aquela desolação, porque Jânio Quadros havia sido eleito com milhões e milhões de votos que asseguravam a esperança de milhões e milhões de brasileiros.

            Mas o que fazer se as Forças Armadas, desde logo, também começaram a se manifestar contra a que o País fosse governado por aquele Vice-Presidente, no momento, ausente?

            Mas os políticos, o Congresso, a Câmara dos Deputados, a classe política - isto é reconhecido hoje - prestaram um excelente, um grande, um patriótico serviço ao País, impedindo, pelas providências que tomaram, que o País mergulhasse na guerra civil, que o País entrasse em uma conflagração que, embora não soubéssemos como iria terminar, sabíamos como iria começar. Essa é que é a verdade.

            E o povo, perplexo; as classes mais diferenciadas, perplexas para o encontro de uma solução, que foi encontrada pelos políticos e pelo patriotismo também dos militares.

            As Forças Armadas não queriam permitir que a solução legal fosse tomada, isto é, que o Vice-Presidente retornasse ao País, entrasse no País. Mas a classe política queria cumprir a Constituição. Assim, teve início uma série de conversas entre os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e o Presidente da Câmara dos Deputados, que já fora empossado na Presidência da República, o Sr. Ranieri Mazzilli.

            Mazzilli, um paulista, era homem experimentado, já havia ocupado a Presidência várias vezes. Jango, por sua vez, tinha um passado, fora Vice-Presidente da República duas vezes, cabia-lhe presidir o Senado, de acordo com a Constituição da época, o que raramente fez.

            Quando se aproximava aquele 7 de setembro - e a grande maioria das pessoas presentes neste plenário talvez ainda não estivesse aqui no País ainda, por qualquer motivo, ou no Distrito Federal ou no Rio de Janeiro, capital à época -, esperava-se realmente, com grande temor, que houvesse uma guerra civil no País. Esse era o grande temor de todo mundo: dos militares, dos deputados, dos políticos, dos estudantes, do povo, do operariado; enfim, de todos. Significaria uma divisão do País, o estraçalhamento do Brasil, sempre unido até então no seu grande território. E os políticos agiram, e os militares entenderam.

            Os três ministros militares, que eram o General Odílio Denyz, o Almirante Sílvio Heck e o Brigadeiro Grün Moss estavam com a solução nas mãos, querendo ajudar os políticos, e estes apresentando as fórmulas políticas claras de que a Constituição teria de ser mantida, não poderia ser violada.

            Àquela altura, o Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, começou a se articular, para mostrar que o negócio não era bem assim, que não era tão fácil assim ferir a Constituição. Não era fácil! E armou a chamada Cadeia da Legalidade, comandada pela rádio Guaíba, de Porto Alegre. Fortaleceu a polícia, a famosa Brigada do Rio Grande do Sul; e, na mesma hora, manteve um contato com um grande general que comandava o 4º Exército, o General Machado Lopes, que, desde logo, se posicionou a favor da Constituição.

            Então, o panorama no Rio Grande do Sul era esse. O panorama no Rio era outro. Que fez, então, o General Denys, Ministro da Guerra? Reuniu os militares com postos de comando lá no Rio, os generais mais responsáveis, como o General Segadas Viana, o General Eurico Dutra, generais que não estão mais por aqui, mas que tinham uma influência muito grande nas Forças Armadas, e chegaram a uma conclusão interessantíssima, porque coincidia com o ponto de vista dos políticos que comandavam a Nação: que a Constituição teria de ser respeitada; que encontrassem os políticos uma fórmula. Exigiam dos políticos uma fórmula, mas que a Constituição teria de ser respeitada e o Vice-Presidente tinha de assumir.

            E que solução foi essa, Sr. Presidente, Senador Adelmir Santana? Mudar o regime, estabelecer um sistema político de governo que não tinha nada a ver com as nossas tradições, implantar o parlamentarismo, o que aconteceu.

             Durante 12 dias de crise permanente, o Presidente da República se dirigia ao Brasil: já estava em Paris, onde passou três dias; depois embarca para Nova York, de onde vai direto para Buenos Aires, cidade em que fica meio que confinado num hotel; passa três horas naquele aeroporto. Arturo Frondizi era o Presidente da Argentina à época. Por fim, consegue sair da Argentina, aproximando-se do País aos poucos; consegue ser transportado para o Uruguai, especificamente para a capital, Montevidéu; e, de lá até Porto Alegre, foi um pulo só. Consegue, então, entrar no Brasil.

            Enquanto isso, os políticos conversam com os generais, apresentam a fórmula do parlamentarismo, que exigia a alteração da Constituição, dentro daquele trâmite que V. Exª conhece bem. Então, foi aprovada uma emenda à Constituição, implantando no País o parlamentarismo. Isso em fins de agosto, início de setembro.

            Nessa altura dos acontecimentos, o povo continua apreensivo. A força mais radical era a Aeronáutica, que criou até a chamada “operação mosquito”. V. Exª se lembra disso? Consistia em não permitir a entrada do Vice-Presidente no Território Nacional - e ele já estava no Brasil -, da seguinte maneira: se levantasse vôo, ele não poderia chegar a Brasília, pois a ordem era abater o avião ou fazê-lo render-se.

            É uma história interessante. Tudo isso se passou no mês de setembro de 1961. Quando passo por ali, pela Esplanada dos Ministérios, e vejo aqueles palanques armados, aquelas barracas armadas, penso nos desfiles militares que vão ocorrer no dia 7 de setembro e me lembro de que tudo aconteceu nessa fase.

            Então, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica resolvem atender as fórmulas dos políticos - devemos muito aos políticos daquela época, muito - e aceitam a sugestão, em cumprimento à Constituição. Mas consta até a posse.

            A posse foi marcada para o dia 7 de setembro de 1961. E a posse, meu caro Presidente, do Presidente João Goulart na Presidência da República ocorreu aqui no Congresso. Foi o primeiro grande fato histórico desta cidade: a posse do Presidente João Goulart, um legítimo Presidente da República. Tomou posse num outro regime, que não era aquele que ele imaginava, pois ele tinha um plano, o chamado plano trienal, com as reformas de base que ele sonhava fazer, uma série de programações dele próprio.

            Ocorre que era preciso assumir o Governo no dia certo; e ele, no dia 7 de setembro, compareceu ao Congresso e prestou o seu compromisso, num discurso que tenho aqui comigo mas não vou ler agora. Peço, assim, a V. Exª que mande transcrevê-lo após este meu singelo pronunciamento.

            Isso foi no dia 7, um domingo. No dia 8, o Presidente foi para o Palácio, para a Granja do Torto. Ficou aquela noite na Granja do Torto, porque, no dia seguinte, estava acertada entre ele, o Congresso e os militares, a sua assunção ao governo. Ele receberia a chave da porta; receberia, eu diria, o comando do País.

            Aqui também tenho o discurso que ele fez na época. Não quero lê-lo agora para não cansar V. Exªs, mas, um discurso bom, um discurso patriota, um discurso de quem é um político com “P” maiúsculo, discurso de estadista. São, então, dois os discursos cuja transcrição peço a V. Exª. Um foi pronunciado no dia 7 de setembro. Não houve desfile naquele dia. O outro, pronunciado no dia seguinte ao assumir o governo no palácio presidencial.

            Achei de bom alvitre, Sr. Presidente, hoje não discutir os programas que, embora só tenham resultado daqui a 50 ou 100 anos, estão na ordem do dia - petróleo, pré-sal. E sabe por quê? Sou de um Estado que, ao que parece, descobriu o petróleo mesmo: o Rio de Janeiro. O meu Estado é responsável por 85% da produção do petróleo hoje no País. Está lá a sede da Petrobras, que não virá para Brasília nunca; os benefícios da Petrobras irão sempre para o Brasil inteiro.

            Peço, então, a V. Exª que faça transcrever ao final deste pronunciamento o discurso que foi feito em 8 de setembro de 1961, mas que conseguiu preservar a unidade do País, conseguiu evitar a conflagração entre os irmãos, o morticínio, os tiroteios, os bombardeios, e tudo graças ao Congresso e graças aos militares. Essas duas classes, que sempre sofreram críticas de todas as partes, já prestaram serviço excepcional ao País.

            É em homenagem a eles, em homenagem ao povo brasileiro, em homenagem às Forças Armadas e em homenagem aos políticos do Brasil que hoje fiz essa lembrança e esse pronunciamento.

 

************************************************************************************************

DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR PAULO DUQUE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do inciso I, § 2º, do art. 210 do Regimento Interno)

************************************************************************************************

           Matérias referidas:

           Discurso de investidura de João Goulart perante o Congresso Nacional (7 de setembro de 1961); e

           Discurso do Presidente João Goulart no Palácio do Planalto (8 de setembro de 1961)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2008 - Página 36808