Discurso durante a 164ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração aos 200 anos de criação da instituição Polícia Civil brasileira.

Autor
Romeu Tuma (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Comemoração aos 200 anos de criação da instituição Polícia Civil brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2008 - Página 36886
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, POLICIA CIVIL, BRASIL, DETALHAMENTO, HISTORIA, INSTITUIÇÃO PUBLICA, FUNÇÃO, POLICIA JUDICIARIA, APURAÇÃO, INFRAÇÃO PENAL, INTEGRAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • SUGESTÃO, NOME, INTENDENTE, VULTO HISTORICO, PATRONO, POLICIA CIVIL, IMPORTANCIA, HOMENAGEM, RESGATE, MEMORIA NACIONAL, REGISTRO, HISTORIA, CONTRIBUIÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, PERIODO, IMPERIO.
  • ANALISE, AMBITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, HISTORIA, BRASIL, EVOLUÇÃO, FUNÇÃO, POLICIA CIVIL, SEGURANÇA PUBLICA, REGISTRO, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, UNANIMIDADE, APROVAÇÃO, SENADO, AMPLIAÇÃO, COMPETENCIA, GUARDA MUNICIPAL.
  • QUALIDADE, MEMBROS, POLICIA CIVIL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), POLICIA FEDERAL, DEFESA, MELHORIA, REMUNERAÇÃO, POLICIAL CIVIL, JUSTIÇA, RECOMPENSA, ESFORÇO, RISCOS, PROTEÇÃO, SOCIEDADE, DEFINIÇÃO, PISO SALARIAL, COMBATE, CORRUPÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, MATERIA, BENEFICIO, CATEGORIA PROFISSIONAL.

O SR. ROMEU TUMA (PTB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Gostaria de iniciar com dois agradecimentos: ao Presidente Tião Viana, pela honra que nos dá ao se deslocar para presidir esta sessão, e ao Coronel-Corregedor o agradecimento pela cessão da banda do Corpo de Bombeiros, que tocou o Hino Nacional, abrindo com emoção esta homenagem à criação da Polícia Civil há 200 anos. Ficam registrados meus dois agradecimentos pelo fato de abrilhantar esta sessão.

Saúdo meu Delegado-Geral, Maurício Lemos Freire, Delegado-Geral de São Paulo e Presidente do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia. Por intermédio dele, saúdo todos os delegados-gerais e todos os delegados de polícia do Brasil.

O Dr. Carlos Eduardo Benito Jorge, Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia, eu diria que ele é meu sobrinho, visto que seu pai, Dr. Nemer, é um grande delegado, sempre meu amigo, levou-me para a Polícia de São Paulo. Por intermédio dele, também saúdo todos os brasileiros que ocupam essa nobre missão de ajudar a população a vencer a criminalidade e buscar a paz para conviver com os demais cidadãos de cada Município, de cada Estado.

Aqui temos o nosso Fernando Beato; o Dr. Sérgio, Presidente da Associação dos Delegados de Polícia, não pôde estar presente, justificando que a Polícia de São Paulo está em um momento pré-greve, em busca de melhores salários e mais dignidade no trabalho. Então, ele não pôde se ausentar em vista de estarem lá vários delegados de todo o interior do Estado de São Paulo em reunião permanente. Espero que o Dr. Maurício tenha sua colaboração na busca de uma solução porque nós, paulistanos, estamos aflitos por uma solução correta com respeito à Polícia de São Paulo, e as demais polícias também.

Saúdo o Sr. Coronel Maia, representando o Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal e Corregedor-Geral da PM, a Srª Nélia Maurício Pires, Corregedora-Geral da Polícia Civil do Distrito Federal, o Sr. José Lindomar Costa, Diretor-Geral da Polícia Civil de Mato Grosso, e o Sr. Paulo César Cavalcante Martins, do Amapá. Dizem que, para chegar à França, são só dez minutos de barco, é isso? Vamos lá! A matéria estava boa, agora estão pedindo o visto de entrada. Será que exigem do barqueiro também?

Cumprimento também o Sr. Morio Ikegawa, Diretor-Geral da Polícia Civil de Rondônia; Gilberto da Cruz Ribeiro, do Rio de Janeiro; Bem-Hur de Medeiros, Diretor-Geral da Polícia do Rio Grande do Norte; Cleber Monteiro Fernandes, Diretor-Geral da Polícia Civil do Distrito Federal; as senhoras e os senhores delegados, os sindicatos de polícia, as associações, todos os colegas companheiros representantes de outros setores, nossos amigos, amigos da Polícia que aqui comparecem para prestigiar esta sessão solene em prol da criação da instituição Polícia Civil brasileira por D. João VI há 200 anos, portanto, há dois séculos.

Todas as homenagens que o Senado da República presta por minha solicitação dão-me contentamento. Mas, sem dúvida, esta permanecerá entre as que mais fundo me calaram n’alma, pois se dirige à instituição que envolveu minha atividade profissional durante cerca de 50 anos. Reverencia uma organização que continuo a venerar, como bem sabem as senhoras e os senhores. Representa um preito à polícia judiciária, ou seja, àquela que funciona como os olhos e os ouvidos da Justiça.

            As polícias civis integram o elenco das organizações executoras da segurança pública, consignadas no art. 144 da Constituição Federal. Cabe-lhes, expressamente, sob a direção de delegados de polícia de carreira, “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, ressalvada a competência da União nos casos de alçada da Polícia Federal. Segurança é algo atávico que trago no sangue, a ponto de estar empenhado em transformar o 21 de abril em Dia Nacional da Segurança Pública, conforme projeto que relatei e vi ser aprovado, há dias, pela Comissão de Educação desta Casa. A Polícia Militar já venera o dia 21 em homenagem a Tiradentes como patrono das polícias militares.

O próprio requerimento que originou esta marcante solenidade resume, ao se justificar, a trajetória histórica da instituição criada por D. João VI em 10 de maio de 1808, no Rio de Janeiro, então capital do Reino Português. Surgiu como Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil e, posteriormente, em decorrência de suas atribuições, adquiriu o nome de Polícia Civil.

Já pelo Alvará real, sua jurisdição abrangia o território brasileiro. Com suas atividades, disciplinou práticas da vida em sociedade. Para garanti-las e proporcionar segurança à população, materializou a presença do Estado na prevenção e repressão aos delitos de sangue e patrimoniais, assim como atentados políticos ou ameaças à segurança dos membros da Corte e à ordem pública. Por isso, deve-se considerar o Alvará de D. João VI como um marco primitivo do trabalho policial institucionalizado. Contém, inclusive, os embriões da Polícia Federal e das polícias militares.

Na fase de criação, a Polícia da Corte e do Estado do Brasil possuía um intendente-geral no Rio de Janeiro, delegados em cada província, comissários subordinados aos delegados nos distritos policiais das províncias e cabos de polícia às ordens dos comissários. Seus dirigentes receberam competência jurisdicional para organizar uma polícia eficiente e capaz de prevenir ações consideradas “perniciosas” e “subversivas”, conforme consta da documentação preservada em nosso Arquivo Nacional.

Quando, alguns anos atrás, a Polícia Civil do Pará escolheu o nome do primeiro Intendente-Geral da Polícia da Corte do Estado do Brasil, Paulo Fernandes Viana, como seu Patrono Cívico, o delegado paraense Luciano Costa, mestre em Direito do Estado e professor de Direito Penal, produziu excelente dissertação histórica sobre o significado daquela Intendência para evolução de nossa segurança pública.

            Apoiado em expressiva bibliografia, o autor lembra que, tão logo a família real chegou ao Brasil, a Coroa portuguesa “tratou de criar um órgão que cuidasse da segurança dos membros da família real e da população”. Instituiu a Intendência Geral, nos moldes vigentes em Lisboa, para “fazer a segurança pessoal da família real, bem como a segurança coletiva, que incluía o policiamento dos logradouros públicos, a investigação de crimes e a captura dos criminosos”.

O Intendente-Geral Paulo Fernandes Viana ocupava, simultaneamente, o cargo de Desembargador do Tribunal Superior do Rio de Janeiro, com status de Ministro de Estado. Recebeu “poderes para decidir sobre condutas consideradas criminosas, determinar a prisão ou pôr em liberdade, levar a julgamento, controlar e supervisionar o cumprimento da pena”. Tais prerrogativas do cargo decorrem de um decreto real que lhe delegava tal autoridade nas esferas legislativa, executiva e judiciária, embora, quanto à última, a competência de julgar ficasse restrita somente a “delitos menores, de pequena repercussão social”.

Segundo os historiadores Mello Barreto Filho e Hermeto Lima, em sua obra História da Polícia do Rio de Janeiro - Aspectos da cidade e da vida carioca, publicada pela Editora A Noite, do Rio de Janeiro, em 1939, “deve-se ao seu Intendente-Geral Paulo Viana a criação dos distritos policiais e judiciais, com os respectivos cargos de juiz do crime e delegados de Polícia”. Estes subordinavam-se diretamente ao Intendente-Geral, agindo por delegação do Rei.

Conforme o alvará de D. João VI, a Polícia da Corte e do Brasil não tinha caráter militar. Compunham-na apenas servidores civis. Todavia, em 1809, o Intendente-Geral criou a Guarda Real de Polícia, organizada militarmente e destinada a manter a ordem pública. Daí decorrer a repartição de atribuições entre os homens policiais, cabendo ao civil a polícia judiciária e ao militar, a manutenção da ordem pública, até nossos dias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, atrevo-me a aproveitar a oportunidade para lançar a idéia de que considere o nome do Intendente-Geral Paulo Fernandes Viana como patrono das polícias civis, a par da figura do protomártir da Independência, alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, já celebrado como patrono das polícias militares brasileiras. Seria um ato de justiça, não só devido ao que já mencionei como também a outros fatos de sua vida, rememorados naquela brilhante dissertação do meu colega paraense.

Por exemplo, na época de D. João VI, vivia-se sob apreensão e temores. O monarca receava sofrer atentados de espiões franceses. Portanto, precisava “confiar o cargo de chefe da polícia a um homem enérgico e de envergadura moral”, apto a enfrentar os problemas com galhardia. Encontrou-o na pessoa do “desembargador Paulo Viana, nascido no Rio de Janeiro, homem justo, rígido e de grande inteligência, o qual já tinha revelado sua capacidade de administrador público em vários cargos de alta responsabilidade, tanto no Brasil quanto em Portugal”.

            Nomeado, Paulo Viana iniciou a instalação do prédio da Intendência-Geral e dividiu-o em três setores encarregados, respectivamente, da fiscalização dos teatros e diversões públicas; da fiscalização das matrículas dos veículos de tração animal e embarcações; e da expedição e controle de passaportes, assim como do expediente interno. Um alcaide, um escrivão e dez meirinhos compunham a estrutura operacional central e ocupavam o primeiro edifício, onde se vê hoje o Campo de Santana, ao lado do Corpo de Bombeiros carioca.

A grande influência política de Paulo Viana era inquestionável, porque, além de merecer a confiança real, ele deu mostras de excelente administrador público. Organizou a Intendência-Geral, construiu quartéis para a Guarda Real de Polícia, edificou o Real Teatro de São João, implantou o abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro, aterrou diversos mangues, implementou o serviço de iluminação a óleo nas principais ruas, criou a Vigilância e Guarda (pessoal) do Rei, ergueu cadeias públicas mais humanizadas e promoveu grandes festas populares, de maneira a incutir na população a filosofia agora chamada de policiamento comunitário.

A abrangência das atribuições do Intendente-Geral de Polícia era tamanha que a ele ficavam subordinados, além das polícias das províncias, também os juízes criminais, civis e de órfãos, bem como os ouvidores, nos termos do alvará de D. João VI.

Tanta operosidade acarretou-lhe insidiosa inveja em diversos níveis, até na Corte, a ponto de envolver D. Pedro numa campanha de descrédito da política de segurança pública vigente. Por decreto do pai, o jovem príncipe conseguiu afastá-lo do cargo em 26 de janeiro de 1821.

            “Desgostoso e desiludido com os rudes golpes de ingratidão que partiam de seus antigos superiores”, Paulo Viana faleceu em casa, aos 63 anos, em 1º de maio de 1821, dois meses depois da demissão e cinco dias após o regresso de D. João VI a Portugal. Seu corpo foi sepultado na Igreja de São Francisco de Paula, no Rio de Janeiro.

Pois bem, Srªs e Srs. Senadores, conto-lhes isso não só porque a história de Paulo Viana seja pouco divulgada, mas igualmente devido à influência que suas idéias e iniciativas tiveram, ao longo de dois séculos, na formação do nosso sistema de segurança pública.

Em 5 de dezembro de 1831, dez anos após sua morte, a Assembléia Provincial paulista aprovou a lei proposta pelo Presidente da Província de São Paulo, Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, que criou o embrião da Força Pública. Compunham-no 100 praças a pé e 30 a cavalo, cognominados de “os cento e trinta de trinta e um” - lembro que isso figura, com muita ênfase, na canção da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Viria a chamar-se Polícia Militar do Estado de São Paulo na década de 60. Por isso, Rafael Tobias de Aguiar é o legítimo patrono da corporação policial-militar paulista, calcada na Guarda Real de Polícia, que o Intendente-Geral Paulo Viana criara 22 anos antes.

Em 1890, o Decreto nº 01 do Governo Provisório da República autorizou os Estados a legislarem sobre matéria policial. Surgiram, então, as primeiras leis estaduais relativas à polícia. Aliás, a mudança de Província para Estado, conseqüente ao advento da República em 1889, possibilitou profundas alterações nos negócios da segurança pública, em consonância com notável progresso irradiado no solo paulista.

            O primeiro Chefe de Polícia de São Paulo, Bernardino de Campos, reorganizou a Repartição Central da instituição sob seu comando. Criou a Seção Judiciária e a Seção Médica, de maneira a desdobrar a luta contra o crime para garantir a tranqüilidade pública. O entrosamento e a competência dos integrantes de ambas as seções pontificaram no trabalho conjunto entre os investigadores e os peritos. Deram origem ao princípio da “indivisibilidade e da investigação criminal”, que consagrou a união da investigação com a perícia. Esse exemplo, temos visto ultimamente, quando há crimes graves, em que há dificuldade na investigação. E o investigador, juntamente com a perícia, chegam a conclusões que levam a sociedade a conseguir colocar na cadeia os responsáveis pela prática do crime.

A Polícia Civil de São Paulo nasceu junto à Secretaria dos Negócios da Justiça, em 1841. Seu primeiro Chefe foi o Conselheiro Rodrigo Antonio Monteiro de Barros.

No ano seguinte, surgiu o cargo de delegado de polícia por meio da Lei nº 261, de 3 de dezembro, regulamentada pelo Decreto nº 120, de 31 de janeiro, que modificou o Código de Processo Criminal, para estabelecer um aparelhamento policial centralizado e eficiente no País.

A primeira autoridade a se dedicar à estruturação da Polícia Civil paulista foi José Cardoso de Almeida, quando Chefe de Polícia no governo de Francisco de Paula Rodrigues Alves. Seus ideais e as dificuldades na época estão consignados num relatório que apresentou aos superiores. Convergiam para a necessidade de instituir com urgência uma Polícia Civil de Carreira. Tal projeto conquistou imediato apoio do delegado Antonio de Godoi Moreira e Costa, que o aprofundou e lhe deu mais consistência.

Em 07 de novembro de 1905, o Presidente do Estado, Jorge Tibiriçá Piratininga, acolheu os argumentos de José Cardoso de Almeida. No dia 23 do mês seguinte, mediante a Lei nº 979, o Congresso Estadual instituiu a Polícia Civil de Carreira do Estado de São Paulo. Coube ao então Secretário de Justiça e futuro Presidente da República, Washington Luiz Pereira de Sousa, organizá-la.

Atualmente, a instituição emprega cerca de 40 mil homens e mulheres na defesa da vida e do patrimônio dos cidadãos, tanto os residentes no Estado, como os milhões de brasileiros que por lá transitam ou ali trabalham.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, restam ainda alguns aspectos históricos que devo abordar.

Desde o nosso período imperial, ficou evidente a influência dos ideais da Revolução Francesa nos textos constitucionais brasileiros e na criação de corporações destinadas a garantir os direitos do cidadão e proteger o seu patrimônio, mediante o poder de polícia. Ao proclamarem a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os revolucionários franceses de 1789 dotaram o Estado de uma força pública com tais objetivos. Aprovada em 26 de agosto daquele ano, em meio ao conturbado ambiente revolucionário, a declaração realçava o direito de resistir à opressão, a igualdade perante a lei e a defesa da propriedade privada.

Seu art. 12 estabeleceu: “A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita uma força pública; essa força é então instituída para vantagem de todos e não pela utilidade particular aos quais é confiada.” O dispositivo seguinte completou: “XIII - Para manutenção da força pública e para os gastos de administração, uma contribuição comum é indispensável; ela deve ser igualmente repartida entre todos os cidadãos na razão das suas faculdades.”

A par disso, o poder de polícia é indispensável para realizar o disposto no art. 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reconhece o “direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Tanto que, à vista do precedente de lhe destinar suporte tributário pela via constitucional, tramita no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 22/2001, de minha autoria, dispondo sobre a aplicação da receita resultante de impostos para a organização e manutenção dos órgãos de segurança pública.

A segurança pública constitui um dos alicerces do Estado democrático de direito, enquanto combinada com a educação, saúde, justiça, liberdade dos cidadãos e garantias dos direitos individuais. Recebeu sua primeira menção num texto constitucional brasileiro ao surgir a “Constituição Política do Império do Brazil”, em 25 de março de 1824.

            Em 1891, quando se proclamou a primeira Constituição republicana, a segurança pública prosseguiu difusa no texto constitucional, sem menção específica aos seus órgãos executores. A palavra “polícia”, porém, constava de vários dispositivos. Na Declaração de Direitos (art. 72, §8º), figura no rol do que se destinava a assegurar “a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade”. Aliás, a Carta, embora de natureza republicana, acolheu vários propósitos dos constituintes do Império, com implicações na segurança pública.

Nesse campo, a subseqüente Constituição dos Estados Unidos do Brasil, elaborada durante o Governo Provisório (16 de julho de 1934), parecia não introduzir significativas alterações, mas um exame aprofundado do texto revela que, apesar da ênfase nos interesses de Estado e não na plena cidadania, o sistema de segurança pública se estava consolidando. Entre as competências privativas da União (art. 5º), os constituintes de 1934 consignaram a de legislar sobre “organização, instrução, justiça e garantias das forças policiais dos Estados e condições gerais da sua utilização em caso de mobilização ou de guerra”.

Por sua vez, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, outorgada pelo Estado Novo em 10 de novembro de 1937 e conhecida como “Polaquinha”, devido às semelhanças com a constituição polonesa, priorizava o que entendia premente em matéria de segurança do Estado e soberania nacional. A União passou a legislar com exclusividade sobre “o bem-estar, a ordem, a tranqüilidade e a segurança públicas, quando o exigir a necessidade de uma regulamentação uniforme”. Aí se incluiu a “organização, instrução, justiça e garantia das forças policiais dos Estados e sua utilização como reserva do Exército”.

Com a retomada da via democrática em 1946, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 18 de setembro, atribuiu à União competência para legislar sobre a “organização, instrução, justiça e garantias das polícias militares e condições gerais da sua utilização pelo Governo Federal nos casos de mobilização ou de guerra”. Os termos “polícias militares” e “polícia” repetem-se no capítulo Dos Direitos e das Garantias Individuais, que assegura “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País” a inviolabilidade do direito à “segurança individual”.

            Em 1964, a Constituição da República Federativa do Brasil, conseqüentemente à Revolução de 31 de Março, agrupou princípios que permaneciam esparsos nos textos constitucionais anteriores e, assim, inovou no campo da segurança pública para lhe conferir mais solidez. A Polícia Federal foi institucionalizada, mas o embasamento constitucional da Polícia Civil foi procrastinado, da mesma forma que na Emenda Constitucional nº 1, editada em 07 de outubro de 1969, a única historicamente reconhecida como Constituição autônoma.

Por fim, foi a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 a que, realmente, institucionalizou o sistema de segurança pública: dedicou-lhe o capítulo que inclui o art. 144, sublimou e articulou princípios dispersos nos textos constitucionais dos 184 anos anteriores.

Aliás, já no seu Preâmbulo, a Carta em vigor - uma lídima Constituição Cidadã - incluiu a segurança como direito entre os “valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. Além do mais, a segurança está expressa, no art. 6º, como um dos direitos sociais”, em igualdade com a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

Os ares libertários, que varriam o mundo e enfunavam as velas da Constituinte de 1988, tiveram o mérito de institucionalizar a segurança pública como o mais amplo e preciso sistema do gênero já visto no solo pátrio. Dedicaram-lhe definição magistral no caput do art. 144, como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, ao que lhe outorgarem atribuições das quais parecia carecer “para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

O art. 144 determina o exercício da segurança pública exclusivamente por intermédio da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Sem poder de polícia, exceto para a proteção de bens, serviços e instalações pertencentes aos Municípios, as guardas municipais figuram no §8º do art. 144, que atribui às prefeituras competência para constituí-las.

            No intuito de robustecer a segurança pública com a ajuda das guardas, apresentei a PEC nº 87/99, em 24 de novembro de 1999, para modificar aquele dispositivo constitucional. Desejo, com ela, permitir ao sistema socorrer-se das guardas municipais, ampliando-lhes a atribuição para admitir seu emprego na “proteção das populações, bens, serviços e instalações dos municípios”, mediante convênios com os respectivos Estados e nos moldes que a lei determine. Entretanto, a PEC tramita há muito tempo na Câmara dos Deputados e foi aprovada por unanimidade no Senado Federal.

Pelos ditames constitucionais, as Polícias Civis devem ser dirigidas, obrigatoriamente, por delegados de carreira. Ressalvada a competência da Polícia Federal, atuam como polícia judiciária no âmbito estadual. O policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública pertencem às polícias militares. Aos corpos de bombeiros militares, além das demais atribuições feitas pela lei, cabe executar a “atividade de defesa civil”.

            Mas, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, há muitos espinhos nessa bela florescência institucional, a começar pela necessidade de concentrar esforços no resgate do amor-próprio dos policiais, mediante melhor remuneração, acompanhada de mais treinamento e reciclagem.

Até mesmo o fato de São Paulo ser o Estado que pratica os piores salários pagos a policiais do País não ofusca a realidade vivida em outras Unidades da Federação, também má remuneradoras daquele trabalho especializado e indissociável do permanente risco de morrer, isso é, da possibilidade de ter que se imolar em troca da vida de outrem.

Só se consegue ser um policial autêntico por vocação. Para obter sucesso no trabalho, ele empenha a alma e entrega a vida. Portanto, o salário, obrigação do Estado, deve bastar ao seu sustento e da família, com dignidade e respeito. E isso não está acontecendo em muitas partes do País.

Sei que há policiais morando em favelas, tamanha a carência de renda familiar. Muitas vezes, têm vizinhos bandidos. Quando são policiais militares, Coronel, suas esposas secam as fardas de seus maridos atrás da geladeira, depois de as lavar na pia, em vez de pendurá-las no varal, pois, se assim o fizessem estariam “denunciando” a profissão de seus maridos, que passariam a correr riscos de serem eliminados pelos marginais que moram na mesma região.

Sou policial do meu Estado, jamais negarei isso, aquele que mais amo e admiro. Tenho amor a essa profissão e - já disse e repito desta tribuna - defendê-la-ei a qualquer custo. Corre-me no sangue a vocação irrefreável. Por isso, não posso me calar diante de tanta indignidade cometida contra aqueles que sei como pensam, agem e se sacrificam para proteger os cidadãos e a sociedade.

Além do mais, precisamos depurar e fortalecer o poder de polícia, com descortino e firmeza, mediante combate sistemático e inclemente à corrupção. Mas, para que isso ocorra de maneira sustentável, devemos alcançar patamares salariais condignos.

Evidentemente, em termos de remuneração, a maioria das providências está afeta aos governos estaduais. Todavia, algo sempre pode e deve ser feito na esfera federal. Por exemplo, precisamos instituir urgentemente o piso salarial dos policiais, como já fizemos no campo da educação para os professores.

A aprovação da PEC nº549, que se encontra na Câmara pronta para ser votada, resgata a carreira jurídica para os delegados de polícia, conforme desejo dos Constituintes de 1988, e a Lei Orgânica, em discussão na Câmara, que é a Lei Geral de Polícia, conforme alertou-me o nosso Eduardo. Então, essas propostas estão em discussão, aliás, algumas delas já estão em pauta para serem votadas após o recesso eleitoral que acontece nas duas Casas.

Outro exemplo é o Projeto de Lei Complementar, que apresentei para regulamentar e melhorar a aposentadoria da mulher servidora policial - a nossa Corregedora, Drª Thaís, sabe a importância disso. Tem o PLS nº149, de 2001, complementar. Entretanto, da mesma forma que a PEC, relativa às guardas municipais, continua empacada na Câmara dos Deputados, depois de ter sido aprovada no Senado.

Defrontamo-nos ainda com a necessidade de resgatar o princípio da autoridade, um dos mais importantes alicerces do Estado democrático de direito. Em sua preservação, laboram os delegados de polícia com grande parcela de responsabilidade. Para que possam exercer autoridade tranqüilamente, dentro da lei, mas sem timidez, apresentei ao Senado três Propostas de Emenda à Constituição, que receberam os números 26/1998, 28/1999 e 18/2004. As duas primeiras PECs destinam-se a garantir, constitucionalmente, o regime dos delegados de polícia de carreira. A outra acrescenta parágrafo ao art. 144 para estender-lhes a garantia da inamovibilidade.

Encerro a minha fala, Sr. Presidente, com veemente agradecimento aos nobres Pares que me acompanharam no pedido da sessão especial para celebrar a instituição da Polícia Civil brasileira há 200 anos. Agradeço igualmente a todos os que aprovaram o requerimento em Plenário.

Como ex-integrante da Polícia Civil paulista e da Polícia Federal, ambas dedicadas à atividade de polícia judiciária no respectivo nível jurisdicional, sinto-me emocionado e agradecido por ver o Senado da República reverenciar a organização à qual devotei a maior parte de minha existência.

Agradeço aos senhores a atenção e peço desculpas pela demora na leitura do meu pronunciamento.

Muito obrigado, senhores. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2008 - Página 36886