Discurso durante a 166ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcurso, hoje, do Dia da Amazônia. Preocupação com a questão dos direitos humanos na região amazônica e com a demarcação de terras indígenas, em especial, a Raposa Serra do Sol, em Roraima. Transcrição de artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, edição de 18 de agosto último, intitulado "A Funai e a Federação".

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Transcurso, hoje, do Dia da Amazônia. Preocupação com a questão dos direitos humanos na região amazônica e com a demarcação de terras indígenas, em especial, a Raposa Serra do Sol, em Roraima. Transcrição de artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, edição de 18 de agosto último, intitulado "A Funai e a Federação".
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2008 - Página 36940
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, REGIÃO AMAZONICA, OPORTUNIDADE, DEBATE, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), FRONTEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, GUIANA, VENEZUELA, PROTESTO, RETIRADA, POPULAÇÃO, ANTIGUIDADE, LOCAL, SEPARAÇÃO, FAMILIA, INDIO, COLONO, DISCORDANCIA, MAIORIA, COMUNIDADE INDIGENA, EXCLUSIVIDADE, FAVORECIMENTO, TRIBO, VINCULAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, DENUNCIA, MANIPULAÇÃO, CORRUPÇÃO, UTILIZAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, CAPITAL ESTRANGEIRO, LOBBY, COMPROVAÇÃO, DADOS.
  • DETALHAMENTO, PROCESSO, PENDENCIA, JUDICIARIO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), OCORRENCIA, FRAUDE, LAUDO TECNICO, IRREGULARIDADE, PORTARIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DECRETO FEDERAL, PRECARIEDADE, INDENIZAÇÃO, RETIRADA, MAIORIA, POPULAÇÃO, REITERAÇÃO, ORADOR, PEDIDO, REVISÃO, MATERIA, SOLICITAÇÃO, ATENÇÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
  • REITERAÇÃO, CRITICA, POLITICA EXTERNA, BRASIL, ASSINATURA, DECLARAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DIREITOS, INDIO, OPINIÃO, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, SUSPEIÇÃO, INTERESSE, EMPRESA ESTRANGEIRA, RIQUEZAS, REGIÃO AMAZONICA.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), TRANSFERENCIA, DOMINIO, TERRITORIO, ESTADOS, COMPETENCIA, SENADO, DECISÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Tião Viana, Srªs e Srs. Senadores, eu quero começar trazendo uma mensagem a todos os cidadãos e cidadãs da Amazônia, porque hoje se comemora o Dia da Amazônia.

Coincidentemente, V. Exª preside a sessão, como um grande amazônida, e eu, como homem também nascido na Amazônia e criado na Amazônia, tenho a honra de fazer este registro.

Já que é o Dia da Amazônia, é lógico que eu poderia, aqui, abordar inúmeros temas sobre a Amazônia, inúmeros, mas eu quero abordar hoje, Senador Tião Viana, o tema dos direitos humanos na Amazônia.

Temos discutido - e, agora, o Supremo começou a decidi-la - uma questão emblemática, que é a definição da demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol, no meu Estado, na fronteira com a Venezuela e a Guiana.

Eu gostaria de trazer, Senador Tião Viana, uma frase de Matias Aires, que era um escritor paulistano, muito apropriada para se falar de direitos humanos.

Ele disse: “O mundo não foi feito mais em benefício de uns do que de outros; para todos é o mesmo; e para o uso dele todos têm igual direito.”.

Ora, essa é, digamos assim, uma frase mais clara, mais compreensível, mas é o mesmo que diz a nossa Constituição: que todos somos iguais perante a lei.

Ocorre que, no episódio da Raposa Serra do Sol, não foram levados em conta os direitos humanos, por exemplo, dos índios que não concordam com essa demarcação contínua. No entanto, o problema não é ela ser contínua. O problema, Senador Tião Viana, é ela ser excludente, tirar de dentro da reserva pessoas que moram lá há centenas de anos e, inclusive, separar famílias de indígenas.

            Vimos, na TV Bandeirantes, mulheres índias chorando porque seus esposos não são índios, são mestiços. Perguntou uma delas:

Como fica? O meu marido vai ter de ir embora para fora da reserva, para a cidade, e eu vou ficar aqui, com os meus filhos? Ou eu vou com o meu marido para a cidade e deixo a reserva?

Então, e os direitos humanos dessas pessoas que não concordam, e que são a maioria, Senador Tião Viana? Só têm direitos humanos os índios que são subordinados ao Conselho Indígena de Roraima? Não têm direitos humanos os outros índios, que, repito, são a maioria e não são subordinados ao Conselho Indígena de Roraima, que é uma ONG corrupta, comprovadamente corrupta? Ela é ligada ao Cimi e funciona ao modo antigo da Igreja Católica, que tinha dogmas e para a qual quem não cumpria esses dogmas era herege, era excomungado, afastado, condenado e execrado perante a opinião pública.

Mas vamos voltar aos direitos humanos. Não têm direitos humanos os filhos mestiços que, já adultos e até avós, estão lá? Há o caso de uma índia que foi casada com um branco e é viúva, atualmente. Seu filho tem a cor da pele do pai, tem a pele clara. O tuxaua da aldeia disse-lhe que ela pode ficar, mas que o filho vai ter de ir embora. E que direitos humanos tem essa parte?

Agora, vamos a outros direitos humanos, dos moradores das vilas ou pequenas cidades, como Mutum, Socó, Água Fria e Surumu, que, hoje, são o último bastião dessa luta.

Quais os direitos humanos que eles estão tendo?

Vamos, também, aos direitos humanos dos pequenos produtores. Aqui, de novo, há uma manipulação de ONGs, da Igreja católica. Quero ressaltar: eu sou católico, mas não posso concordar nem com o que a Igreja fez no passado, com a Inquisição, com as Cruzadas, com o nepotismo dos Papas, nem com o que um setor da Igreja católica está fazendo com o meu Estado. Não posso concordar, porque eu sou um homem livre-pensador.

Vamos falar um pouquinho, aqui, do CIR e de outras instituições que financiaram os índios que foram à Europa para falar com vários chefes de Estado - da Espanha, de Portugal e de outros países - e que chegaram até o Papa.

Vamos começar pelo CIR, que, só do Governo Federal, do Governo Lula, Presidente Tião, recebeu R$44 milhões, em números redondos - está, aqui, a planilha do Ciaf -, para atender a comunidades indígenas. O certo é que não há fiscalização por parte da Funasa e não há atendimento adequado algum. Espero que a CGU, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público aprofundem a apuração dessa denúncia que estou fazendo.

Isso é só o que o CIR recebe do Governo Federal, Senador Adelmir. Ele recebe de outros 10 ou 12 parceiros, como são chamadas as organizações internacionais, ONGs internacionais que colocam dinheiro no CIR. Portanto, tem dinheiro para trazer índio para assistir ao julgamento do Supremo, tem dinheiro para viajar pela Europa toda e para fazer gracinha.

Inclusive, eu quero falar do Cimi. Ora, o Cimi, e eu não sabia, Senador Adelmir, recebe dinheiro, também, do Governo Federal. Está aqui.

O ISA, Instituto Socioambiental, Senador Tião Viana, do nosso Márcio Santilli, que foi Presidente da Funai, recebeu, só de 2003 para cá, R$2,8 milhões. Só do Governo Federal! Vamos investigar o que vem do exterior. Nisso eu bati, quando presidi a primeira CPI das ONGs aqui, dizendo que essas instituições são pontas-de-lança dos interesses internacionais e usam um tema muito bonito, que é a defesa das minorias.

No entanto, ninguém precisa pertencer a esse tipo de instituição para ser, Senador Tião Viana, humanista e para ter fé, como nós, médicos. Nós somos humanistas, acreditamos na ciência e temos fé, até porque ciência e fé não são incompatíveis.

Mas vamos voltar ao julgamento iniciado pelo Supremo. Eu quero elogiar o Ministro Carlos Ayres Britto. O Ministro Carlos Ayres Britto é um homem de boa-fé. Eu diria que é um homem de extrema boa-fé, porque ele acredita naquilo que lhe dizem.

Ele acreditou, por exemplo, que o Ministro Márcio Thomaz Bastos lhe disse, na época que em ele declarou a perda de objeto e foi acompanhado pelos outros Ministros, era verdade. Ele acreditou, por exemplo, no que disse a Funai e com certeza a AGU, ou seja, que as pessoas que já foram indenizadas na Raposa Serra do Sol receberam - como ele disse - “vultosas quantias”, o que é, infelizmente, uma mentira que jogaram para o Ministro. E o Ministro, como é um homem de boa-fé, se valeu, é lógico, e deve ter sido através de documentos oficiais.

Mas quero aqui fazer, Senador Tião Viana, uma cronologia dessa história judicial apenas. Nem vou entrar na questão de que o laudo antropológico é falso, de que todas as premissas que deram base a essa demarcação são fraudulentas - e são mesmo! -, mas vamos, aqui, fazer a cronologia da demarcação e das ações judiciais.

Primeiro, a Portaria declaratória da Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi a Portaria nº 820, do Ministro da Justiça Nelson Jobim, de 11 de dezembro de 1998.

Depois, o Ministro Renan Calheiros, pressionado pelos técnicos burocratas da Funai e companhia, alterou esta Portaria num despacho, ou seja, alterou o que continha nesta Portaria, transformando a proposta do Ministro Jobim, que não era excludente, em uma reserva excludente.

Inicialmente, lá em Roraima, os Advogados Silvino Lopes da Silva, Luiz Hitler, Alcides Lima e outros, perante o Juiz Federal da Seção Judiciária de Roraima, em 1999, portanto logo em seguida, ingressaram com a Ação Popular, cujo titular da Justiça Federal, o Juiz Helder Girão, determinou a realização de uma perícia judicial, e, em 4 de março de 2004, concedeu liminar para suspender os efeitos da Portaria nº 820, “quanto aos núcleos urbanos e rurais já constituídos, equipamentos, instalações e vias públicas federais, estaduais e municipais, e principalmente o art. 5º do ato administrativo”, isto é, da Portaria nº 820.

O Ministério Público recorreu com um agravo de Instrumento, e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sediado aqui em Brasília, em 12 de maio de 2004, por meio da Desembargadora Selene Maria de Almeida, manteve a decisão agravada e ampliou os efeitos da liminar.

Aqui, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve a decisão do Juiz Federal de Roraima, Helder Girão Barreto, e ampliou.

De novo o Ministério Público apresentou ao Supremo pedido de suspensão da liminar, e a Ministra Ellen Gracie manteve a decisão da Justiça Federal. Portanto, manteve a liminar.

Vejam: três instâncias, Senador Adelmir, mantiveram a suspensão da Portaria nº 820, isto é, a da demarcação excludente, nazista e stalinista que foi feita.

Outra vez o Ministério Público apresentou agravo de instrumento, e a Ministra Ellen Gracie “negou provimento ao recurso”, inclusive citou o relatório da Comissão Temporária Externa do Senado sobre o tema.

O Ministério Público, de novo, apresentou Reclamação nº 2.833, para atrair a competência do Supremo Tribunal Federal para o assunto. Quer dizer, ele queria tirar da Justiça Federal de Roraima para o Supremo a competência, alegando que era um conflito federativo. Então, o processo foi distribuído ao Ministro Carlos Ayres Britto, em 2004, que concedeu liminar para suspender as ações em curso na Justiça Federal e restabeleceu os efeitos da Portaria nº 820.

Nessa ocasião, em 30 de dezembro de 2004, eu, como Senador da República, apresentei ação cautelar e obtive liminar, concedida em 3 de janeiro de 2005, pela Ministra Ellen Gracie, que disse:

Ante o exposto, defiro, ad referendum da Corte, liminar para suspender os efeitos da Portaria nº 820, de 11 de dezembro de 1998, que demarcou em área contínua a área indígena Raposa e Serra do Sol, até o julgamento definitivo da Reclamação 2833, oportunidade em que, acaso procedente a aludida reclamação, deverá ser a presente medida submetida à confirmação pelo relator da respectiva ação civil ordinária, porventura submetida a julgamento desta Corte.

Vejam bem, Srªs e Srs. Senadores. E, neste momento, chamo a atenção dos Ministros do Supremo Tribunal Federal que ainda vão votar, inclusive a do Relator, que já votou. De novo, o Ministro Carlos Ayres Britto mostrou ser um homem de boa-fé. No dia do julgamento da Reclamação nº 2.833, 14 de abril, o Ministro Carlos Ayres Britto recebeu uma minuta da Portaria nº 534, de 2005, do Ministro da Justiça, a qual revogava a Portaria nº 820, aumentando um pouco a área a ser demarcada para 1.743.089 hectares, e excluindo a sede de um município e do batalhão do Exército brasileiro.

Manteve intactas todas as demais áreas demarcadas na Portaria nº 820, até porque ele não podia, por decreto, desconstituir um Município - isto aqui não foi nenhuma novidade -, e declarou a perda de objeto. Vejam a malandragem jurídica do Ministro Márcio Thomaz Bastos, que iludiu o Ministro Carlos Ayres Britto a declarar a perda de objeto baseado no fato de que havia uma portaria que revogava a Portaria nº 820, objeto das ações.

Vejam a coincidência! A nova Portaria, que recebeu o nº 574, de 14 de abril de 2005, assinada pelo Ministro Márcio Thomaz Bastos, no mesmo dia em que foi assinada, também foi apreciada pelo Supremo. A Portaria sequer havia sido publicada! Portanto, não tinha efeito jurídico! Mas o Ministro Carlos Ayres Britto - repito -, um homem de boa-fé, acreditou que o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, estava realmente falando sério quando disse que a portaria já estava em vigor.

Olhem a celeridade: no dia seguinte, 15 de abril, o Presidente da República publicou um decreto sem número, tal era a rapidez que não deu tempo nem de dar um número ao decreto. Isto em 15 de abril de 2005, portanto, no dia seguinte. Olhem a “missa encomendada”, olhem a jogada, olhem a malandragem jurídica.

Aí, em seguida, também no dia 15 de abril, eu entrei com outra petição, a Ação Cautelar nº 734, pedindo a ilegalidade da nova portaria. Por quê? Ora, Senador Marco Maciel, se a Portaria nº 820 se baseou em laudo falso, baseou-se em uma série de procedimentos fraudulentos, não poderia gerar nenhum direito de fato, porque fraudulenta. Não se pode ter resultado jurídico perfeito de algo que é falso. Então, entrei com essa ação cautelar.

O Senador Augusto Botelho apresentou no dia 20 de abril, cinco dias depois, a Petição nº 3.388, questionando também a Portaria nº 534. Essa ação - vejam bem: foi em 2005, Senador Marco Maciel; ela permaneceu no Supremo desde 2005 -, somente em 2008, quando já iam ser expulsos os últimos moradores da reserva, o Ministro Carlos Ayres Britto suspendeu a operação de expulsão, e o Supremo passou, portanto, a examinar a matéria, que estava lá desde 2005. Nesse lapso de tempo, o Governo fez um terrorismo de Estado, com funcionários da Funai, com funcionários do Ibama, muitas vezes acompanhados - porque foram requisitados - da Polícia Federal, invadindo lares, fazendo avaliação unilateral e pagando indenizações, depois, aviltantes. O Ministro Ayres Britto tem de trocar a palavra “vultosas” por “aviltantes”, porque ele foi enganado, ele foi altamente enganado.

Por fim, Senador Marco Maciel, três entidades indígenas, não só o CIR, mas três entidades indígenas: a Sodiurr, a Alidcir e a Arikon, entraram com uma ação se manifestando contrárias à demarcação contínua excludente. Pois bem: as três entidades indígenas não foram levadas em conta, somente o CIR. Quero chamar a atenção - e elogiar - para o fato de que esses índios do CIR não são índios primitivos. A advogada deles, a Drª Joênia, é uma índia que se formou na Universidade Federal de Roraima, competente nessa matéria. Competentíssima! Pena que ela tenha aprendido mal uma coisa: em Direito tem de se falar sempre a verdade. E ela fala a verdade que interessa a um lado, não a verdade completa. Vejam bem, uma índia do Conselho Indígena de Roraima é advogada. Então, esses índios estão num estágio avançado de aculturamento. E, repito, os Municípios atingidos são: Normandia, dirigida por um prefeito índio; Uiramutã, que está mais no miolo, a prefeita é neta de índio, o vice-prefeito é índio e vários vereadores são índios.

Portanto, é preciso que haja uma reflexão profunda, primeiro, dos direitos humanos de todos os índios - e aqui está bem colocado -, não apenas de um grupo de índios homogêneos. São cinco etnias diferentes, que pensam diferente e que querem viver diferentemente. A Funai teima, por pressão internacional, em fazer uma reserva contínua, excludente.

Mas, Sr. Presidente, quero aqui também dizer duas coisas. Vou chamar a atenção de novo, já fiz isso aqui, para a Declaração dos Direitos Indígenas, assinada pelo Governo brasileiro na ONU, em que essas reservas indígenas são declaradas como uma espécie de território autônomo, onde nem o Exército pode entrar. Aí vem o argumento de que essa Declaração não tem valor, porque a nossa Constituição é maior e acordos feitos na ONU não têm valor.

Ora, nós estamos acostumados a ver Kozovo e tantos outros lugares no mundo que foram invadidos porque ou a ONU tomou a deliberação de invadir, como o Iraque também, ou os Estados Unidos sozinhos, à revelia da ONU, fizeram isso, como a Rússia fez na Georgia. O que falta para amanhã... Vai dizer o Governo brasileiro que não vale a Declaração dos Direitos Indígenas, assinado pelo Governo brasileiro? Foi assinado pelo Governo brasileiro. Eu ouvi o boato de que, na verdade, o pessoal do Ministério das Relações Exteriores não tinha autorização para fazer isso, e fez. Fez. Está valendo. O Presidente Lula não mandou desfazer.

Então, olha a associação dessa questão! Essa reserva está na fronteira da Venezuela com a Guiana, interessa à soberania nacional, interessa à defesa nacional, interessa aos índios todos - aos que não querem e aos que querem a demarcação -, interessa às 458 famílias que moram lá. E aí, de novo, a Funai e o esquema indigenista ficam deturpando a verdade e dizendo que é apenas uma briga entre seis arrozeiros e os índios, um grupo de índios homogêneo. Mentira!

O Ministro Carlos Ayres Britto, que é um homem de boa-fé, não pode acreditar em mentiras que levam para ele. Não pode. Eu respeito muito e conheço a biografia do Ministro Carlos Ayres Britto e tenho certeza de que ele vai fazer uma reflexão sobre isso.

Sr. Presidente, por fim, vou ler um trechinho e depois quero pedir que V. Exª conceda que seja transcrito na íntegra, como parte do meu pronunciamento.

É um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, do dia 18 de agosto, sob o título “A Funai e a Federação”. Lerei um trecho só:

Atos administrativos da Funai efetuam uma transferência de domínio de áreas estaduais que passariam a ser novamente áreas da União, que, por sua vez, as disponibilizaria para o uso dos índios. É como se a União, depois de recuperar esse domínio, transferisse essas áreas para a posse indígena. Ora, reiteremos, a União não tem o poder de efetuar essa transferência de domínio, sendo o Senado a única instituição que poderia fazê-lo.

Sr. Presidente, eu quero dizer que o assunto hoje é do conhecimento nacional e farei algumas indagações: Quem pagou as passagens dos índios do CIR para virem assistir à sessão e tentar pressionar o Supremo Tribunal Federal? Havia mais de 15, todos do Conselho Indígena de Roraima e de outros Estados. Quem pagou? Dizem que foi o MST, Senador Marco Maciel, dizem que foi o ISA, dizem que foi o Conselho Indígena de Roraima. Isso merece do Ministério Público, da CGU e do Tribunal de Contas da União uma averiguação. Da mesma forma, quero dizer que eu espero, muito profundamente, primeiro, como roraimense, que o meu Estado seja mais respeitado; segundo, como amazônida, que nós não caiamos no conto do vigário, de que isso que está acontecendo é por extremo amor às comunidades indígenas. O amor mesmo verdadeiro dessas ONGs transnacionais que estão a serviço dos donos do mundo - o G-7 mais a Rússia, portanto, o G-8, Senador Adelmir, que têm as suas corporações financeiras da área mineral, da área de cosméticos e de outras áreas interessadas nessas riquezas - é com vistas a, amanhã, transformar essas áreas em nações autônomas. O que falta? No caso dos ianomâmis, outra área maior ainda já demarcada de 4,5 milhões de hectares, há todos os ingredientes para, amanhã, Senador Marco Maciel, termos uma nação independente ou, no mínimo, uma região com autonomia definitiva, como a Rússia está impondo em dois pedaços da Georgia. Quais são esses ingredientes? São exatamente o quê? Uma terra demarcada pelo Governo brasileiro, um povo, já que tem costumes próprios e uma língua própria, embora também lá sejam várias etnias diferentes, sob o rótulo de ianomâmi. E nós estamos cochilando. Eu estou fora desse rol, porque nunca deixei de denunciar essa questão aqui.

Senador Marco Maciel, quero dizer que, na semana que vem, vou estar em Roraima para fazer uma atualização do diagnóstico dessa questão, porque, como médico, temos de acompanhar o paciente dia a dia. Vou ver como estão os índios que não concordam com essa exclusão, vou ver como estão os que foram já excluídos e, como disse o Ministro Carlos Ayres Britto, regiamente indenizados, o que foi uma mentira dita ao Ministro.

De toda forma, quero encerrar o meu pronunciamento de hoje, homenageando a Amazônia e lembrando ao Brasil e ao mundo que a Amazônia não é só árvore; a Amazônia não é só bicho, e a Amazônia também não é só índio. Na Amazônia estão 25 milhões de brasileiros: crianças que passam fome, comunidades indígenas que passam fome, são subnutridas, desnutridas, com doenças absurdamente incompreensíveis de ainda existirem, como a tuberculose, no meio dos índios e os vícios. E o Governo fica aqui dizendo para a platéia que melhorou isso e aquilo.

Ao homenagear a Amazônia no final deste pronunciamento, quero fazer um apelo ao próprio Ministro Carlos Ayres Britto e aos demais Ministros: que meditem sobre essa questão, porque ela é gravíssima para o Brasil. Não vamos aqui assumir qualquer tipo de complexo de culpa, não. O Brasil tem 0,3% da sua população formada por índios, atualmente, catalogados como tal. E já tem 13% do território nacional demarcados para reservas indígenas. No meu Estado, Senador Marco Maciel, são 36 reservas indígenas já demarcadas. Portanto, não estamos aqui chorando por causa de uma reserva, da primeira que vão demarcar, não.

Encerro pedindo principalmente aos amazônidas que estão morando na Amazônia e a todos os brasileiros: vamos defender a Amazônia. A Amazônia brasileira é do Brasil, e nós não podemos pensar que é brincadeira o que está acontecendo.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“Citações”;

“Cronologia da Reserva Raposa Serra do Sol”;

Recursos Federais recebidos pelo CIR”;

“A Funai e a Federação”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2008 - Página 36940