Discurso durante a 170ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lembrança do atentado ocorrido em 11 de setembro de 2001, em Nova York, e do assassinato do Presidente Salvador Allende, do Chile. Importância dos trabalhos da CPI da Pedofilia. A questão da pedofobia na sociedade brasileira.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL. POLITICA SOCIAL.:
  • Lembrança do atentado ocorrido em 11 de setembro de 2001, em Nova York, e do assassinato do Presidente Salvador Allende, do Chile. Importância dos trabalhos da CPI da Pedofilia. A questão da pedofobia na sociedade brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2008 - Página 37635
Assunto
Outros > HOMENAGEM. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, SALVADOR ALLENDE, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, VITIMA, HOMICIDIO, GOLPE DE ESTADO, DERRUBADA, SOCIALISMO.
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, ATENTADO, TERRORISMO, MORTE, SUPERIORIDADE, NUMERO, CIDADÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SOLIDARIEDADE, VITIMA, CRITICA, POLITICA, GOVERNO ESTRANGEIRO, REPRESALIA, PROVOCAÇÃO, GUERRA, PAISES ARABES.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR, ANALISE, CARACTERISTICA, CRIME, VITIMA, CRIANÇA, SEMELHANÇA, GRAVIDADE, OMISSÃO, MENOR ABANDONADO, BRASIL, DENUNCIA, NEGLIGENCIA, SOCIEDADE, ESTADO, IGUALDADE, PREJUIZO, FOME, FALTA, ASSISTENCIA, EDUCAÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não vou tomar muito tempo, embora vá falar sobre três assuntos. Isso não é da melhor prática da retórica, porque as pessoas terminam sem prestar atenção a nenhum, mas eu acho importante, em primeiro lugar, fazer uma lembrança ao dia 11 de setembro. Duas coisas aconteceram que tocaram nossa geração...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - World Center. Terrorismo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Um, o terrorismo; e, outro, o assassinato de Allende. Hoje, completam-se 35 anos que o Presidente Allende, do Chile, foi derrubado e assassinado dentro do palácio de governo. Interrompia-se ali uma das mais belas experiências de socialismo democrático na tentativa de construir a igualdade com liberdade.

Poucas pessoas estão lembradas, mas, no dia 17, aqui em Brasília, onde há um busto de Salvador Allende, haverá uma homenagem àquela figura que estaria comemorando agora 100 anos de idade se sua vida não tivesse sido interrompida naquele momento pelos bombardeios que a aeronáutica chilena fez, iniciando a implantação de um regime dos mais sanguinários que já houve no mundo durante 17 anos.

Ao mesmo tempo, não podemos deixar de falar também - e protestar, e criticar e denunciar - da vergonha que a humanidade inteira sente ao ter visto um ato terrorista como aquele, também no dia 11 de setembro, em que Nova York foi atacada. Mas, ao mesmo tempo, não podemos deixar de protestar pela maneira como os Estados Unidos reagiram a um ato terrorista (de algum grupo de malucos espalhados neste mundo) e que, em compensação, terminou atacando países inteiros, derrubando governos e matando muito mais pessoas do que aquelas que morreram naquelas duas torres gêmeas. Temos de protestar contra o terrorismo que foi cometido e o assassinato que os terroristas cometeram, de inocentes que estavam naquelas torres, mas temos de lembrar também que a vingança, como foi levada adiante, não é nada que enalteça o povo norte-americano.

A segunda coisa, Sr. Presidente, de que eu quero falar, é sobre uma CPI que foi feita aqui no Senado e que chamou a atenção de muita gente - mas acho que ainda não o foi suficientemente -, a CPI da Pedofilia. Por essa CPI, constatou-se a bestialidade mais absurda que há no Brasil com violências sexuais contra crianças.

A pedofilia não é uma característica específica do Brasil. No mundo inteiro, existem esses deformados que praticam esse tipo de bestialidade. Não é uma característica nossa. Lamentavelmente é uma característica nossa outra coisa que a gente poderia chamar de pedofobia. Pedofilia é uma maneira errada de chamar a deturpação mental desses canalhas, bandidos que têm desvio sexual e fazem violência contra as crianças. “Filia” quer dizer “gostar de”, e quem pratica pedofilia não gosta de crianças, violenta crianças. Agora, a expressão “fobia”, como todos sabem, quer dizer “não gostar, ter aversão”. E o Brasil, lamentavelmente, sofre de pedofobia. Talvez mais do que qualquer outro país.

Em que outro país se deixam crianças abandonadas nas ruas aos milhões como o Brasil tem feito ao longo das décadas? Aquilo não é pedofilia, é pedofobia. Deixar uma criança abandonada na rua é um ato de violência, de maldade, de perversão; e não de um, dois, três, quatro indivíduos, mas de uma sociedade inteira, de nós todos que passamos ao lado dessas crianças como se as coisas fossem normais, quando não são normais as coisas que levam ao abandono de crianças nas ruas. O nome disso é pedofobia.

Pedofobia também é deixar uma criança sem atendimento médico ao lado de um hospital da maior qualidade porque o pai não pode pagar. E a gente acha isso natural. Nós nos revoltamos corretamente contra os pedófilos, mas nós não nos revoltamos contra os pedófobos. Nós todos achamos natural uma criança morrer do lado de fora de um hospital caro porque os pais não têm dinheiro para pagar a entrada no hospital, ou mesmo para pagar a consulta de um médico, ou mesmo para, pura e simplesmente, comprar na farmácia um remédio receitado por algum médico caridoso. O nome disso é pedofobia, e nós todos brasileiros sofremos dessa doença.

Pedofobia é quando uma criança consegue entrar na escola, não está abandonada nas ruas, não está doente, mas não há professores na escola, ou fica na escola apenas algum tempo do dia, ou algum tempo da vida. Enquanto eu estou falando aqui - faz cinco minutos -, vocês façam as contas e podem chegar à conclusão de que trezentas crianças deixaram a escola nesses cinco minutos, porque são sessenta crianças por minuto que abandonam as escolas no Brasil. O nome disso é pedofobia. A pedofilia deixa uma marca definitiva na criança que sofre a violência, mas o abandono da escola deixa também uma marca definitiva na vida dessa criança. E a gente não liga, a gente acha que isso é natural, porque a gente só se incomoda com a brutalidade, a criminalidade, o absurdo dos tarados pedófilos. E os pedófobos? Nós não nos preocupamos porque somos parte deles.

Pedofobia é a gente saber que, hoje à noite, crianças não vão comer neste País. E isso não é em todos os países; isso ocorre em raros países, com exceção dos países muito pobres, em que praticamente todas as crianças sofrem igualmente.

Pedofobia é uma doença brasileira, embora a pedofilia não seja doença brasileira. É uma doença espalhada por toda essa civilização maldita que construímos ao longo da história e que, no século XXI, está surgindo com toda a sua maldade. Pedofilia é um crime de todos os países. Pedofobia é de poucos países, e o Brasil é um desses.

Venho aqui citar, sim, a CPI da Pedofilia até com certa lembrança positiva do fato de que alguns Senadores se dedicaram a abordar isso. Fico feliz que o Senado tenha trazido à tona essa realidade maldita. Mas eu não poderia deixar de falar aqui dessa outra realidade maldita com a qual nós somos coniventes. Aceitamos, nem fechamos os olhos; de olhos abertos, passamos insensíveis ao lado de todos os gestos pedófobos que a sociedade brasileira pratica, com crianças passando fome, com crianças sendo assassinadas, com crianças fora da escola, com crianças abandonadas, com crianças em escolas ruins, com professores mal remunerados. E, como a gente paga pouco, aceita que eles fiquem em greve durante longas semanas ou meses. O nome disso é pedofobia, e não precisa de CPI para identificar a responsabilidade: nós todos somos responsáveis por isso.

Eu não podia deixar de fazer esta manifestação, Senador, ao mesmo tempo em que parabenizo os Senadores que levantaram o problema da pedofilia, mas que se esquecem, eles e nós todos também, da pedofobia de que nós todos sofremos. Este é um País que não ama as suas crianças. Por isso, é um País pedófobo.

Como dizia aqui a Senadora Heloísa Helena, que se sentava ali naquela cadeira, bastaria que este País adotasse uma geração de crianças, uma geração. Essa geração de crianças adotadas construiriam um novo País. Mas nós nos negamos a isso. Nós nos negamos a pegar uma geração e dizer: “Nenhuma criança desta geração vai passar fome; nenhuma vai deixar de ter os brinquedos de que precisa para desenvolver-se intelectualmente; nenhuma vai deixar de entrar na escola aos quatro anos; nenhuma vai deixar de ter uma boa escola até o final do ensino médio.” Uma geração! Se a gente fizesse isso, não precisaríamos fazer mais nada, porque o resto elas fariam.

A Senadora Heloísa Helena, que não está aqui conosco porque está lá em Alagoas, dizia isso. Mas ela dizia e caía no vazio, porque a maior parte das coisas que a gente fala, diz e tenta terminam caindo no vazio.

Sr. Presidente, eu queria falar de outro assunto, mas não vou falar porque, depois deste, eu creio não podemos deixar que venha outro.

Eu concluo aqui com esta minha reflexão sobre esta grave doença de que sofre o Brasil chamada de pedofobia, lembrando que a pedofilia é um crime cometido por alguns bandidos, deturpados; a pedofobia, não. Lamentavelmente, todos nós, por fecharmos os olhos, por agirmos por omissão ou ação, somos culpados disso.

Era isso, Sr. Presidente. Como vê, não tomei mais tempo do que V. Exª me daria com a sua generosidade.

Muito obrigado, Presidente.

Era isso que eu tinha para dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2008 - Página 37635